quarta-feira, 1 de outubro de 2008

UFRJ: BRASIL AVANÇA RÁPIDO NAS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO

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Grupos brasileiros já pesquisam
a reprogramação das células da pele

por Paulo Henrique Amorim

Pesquisas desenvolvidas pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pela USP (Universidade de São Paulo) conseguiram isolar a primeira linhagem de células-tronco 100% nacional. Essa primeira linhagem foi batizada de BR-1 e pode ser distribuída a outros grupos.

A professora e pesquisadora do Instituto de Ciência Biomédicas da UFRJ Cláudia Maria Batista disse em entrevista ao Conversa Afiada nesta quarta-feira, dia 01, que as pesquisas com células-tronco no Brasil avançam rápido.

“Tem grupos muitos novos, com pesquisadores muito novos, que acabam de voltar ao país com muita energia e um conhecimento muito sólido de toda a técnica que aprenderam fora. E esses grupos são muito ativos atualmente, estão formando pessoas de uma maneira muito rápida... Porque o brasileiro é muito criativo, é muito ousado e tem essa capacidade. Ele é muito flexível. Todo pesquisador brasileiro, com falta de recursos ele acaba sendo mais criativo, mais versátil, ele é mais ousado. Enfim, o contato que eu tive com esses grupos é incrível, como é que são capazes de correr atrás do prejuízo e não só não ficar atrás como estar na briga com os tops”, disse Cláudia Maria.

A pesquisadora da UFRJ Cláudia Maria Batista disse também que o interesse dos pesquisadores por células embrionárias já está ultrapassado. Segundo ela, os pesquisadores brasileiros acompanham o desenvolvimento das pesquisas em países como Estados Unidos, Japão e Coréia e se interessam, em sua maioria, por pesquisas de reprogramação celular, que é uma evolução das pesquisas com células-tronco.

“90% dos trabalhos desses laboratórios no momento se concentram totalmente em reprogramação. E 10% apenas em células embrionárias. Porque, digamos, o interesse por células embrionárias está ultrapassado. Quer dizer, tudo o que se podia obter de conhecimento em termos de pesquisa básica já se obteve... E esse conhecimento agora está sendo usado para se entender e se fazer essa nova técnica, que também é difícil, da reprogramação das células, que é muito mais promissora”, disse Cláudia Maria.

Segundo Cláudia Maria, é mais difícil controlar a formação de tumores nas células embrionárias. Já a reprogramação de células da pele para se criar outros tipos de tecidos, facilita o controle da formação de tumores. Com essa nova técnica também não há o risco da rejeição, já que o novo tecido foi formado a partir da reprogramação de células da pele do próprio paciente.

Leia a íntegra da entrevista com a professora Cláudia Maria Batista:

Conversa Afiada – O Brasil conseguiu isolar a primeira linhagem de células-tronco 100% brasileiras. Sobre esse assunto eu vou conversar agora com a professora Cláudia Maria Batista, que é professora e pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Quais foram os passos das pesquisas realizadas pela UFRJ e pela USP para se obter a primeira linhagem nacional de células-tronco?

Cláudia Maria Batista – Bom, é uma coisa bastante trabalhosa, desde que se pega um blastocisto até se derivar uma célula embrionária. Esses passos exigem uma técnica bastante sofisticada. E não só técnica como a própria mão do técnico ou pesquisador para se isolar uma parte das células do blastocisto. Mesmo tendo isso, é preciso uma série de tentativas de vários e vários blastocistos, até que se consiga um que de fato ele permaneça em cultura. Ou seja, que se consiga isolar já é uma grande dificuldade. Outra grande dificuldade é que essas células gostem de crescer numa cultura e se estabeleçam, consigam crescer e permanecer. A maioria delas é morre na cultura. Então, esses dois são os principais passos.

Conversa Afiada – E isso levou quanto tempo, professora?

Cláudia Maria Batista – Considerando-se que a lei tenha sido aprovada em maio. Eu acho que desde maio, portanto são quantos meses?

Conversa Afiada – Quatro meses?

Cláudia Maria Batista – No mínimo, mas eu acredito que as tentativas tenham sido antes disso.

Conversa Afiada – No que diz respeito a essa pesquisa, como o Brasil se posiciona em relação a outros países como Estados Unidos e Coréia, por exemplo?

Cláudia Maria Batista – Essa pergunta é interessante porque nos países onde as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas começaram logo que foram estabelecidas em 1998, em todos esses países, incluindo Estados Unidos, Japão e Coréia também, esses laboratórios que trabalhavam com as células até dois ou três anos atrás, começaram a investir agora em outra linha, com certeza, que é a reprogramação, a partir de células da pele. E o dado que eu tenho confirmado com vários pesquisadores estrangeiros é que 90% dos trabalhos desses laboratórios no momento se concentram totalmente em reprogramação. E 10% apenas em células embrionárias. Porque, digamos, o interesse por células embrionárias está ultrapassado. Quer dizer, tudo o que se podia obter de conhecimento em termos de pesquisa básica já se obteve, não só com as humanas, mas com as de camundongo, que há muito mais tempo já se estudava. E esse conhecimento agora está sendo usado para se entender e se fazer essa nova técnica, que também é difícil, da reprogramação das células, que é muito mais promissora, essa nova avenida que se abriu, é muito mais promissora do que as células embrionárias sozinhas. Ela é compatível com o próprio paciente, não é rejeitada e nem forma tumores, é muito mais fácil de controlar a formação de tumores do que as embrionárias, em princípio.

Conversa Afiada – Quer dizer que o Brasil está um pouco atrasado em relação a isso?

Cláudia Maria Batista – Não. Eu acredito que são muito poucos grupos que tiveram ou tinham interesse nas embrionárias continuam... digamos que o interesse de cada grupo é 10%. E 90% agora está correndo atrás da nova técnica que requer um treinamento no exterior. Pelo menos que eu saiba apenas dois grupos no Brasil têm essa habilidade de lidar com a reprogramação. Os demais grupos não são treinados ainda. Ainda é uma coisa incipiente no Brasil.

Conversa Afiada – Se eu entendo, professora, o que a senhora está falando é que essa técnica da reprogramação seria uma evolução da pesquisa com células-tronco simplesmente, é isso?

Cláudia Maria Batista – Uma super-evolução, desde que o Yamanaka, no Japão, conseguiu reprogramar as células da pele humana para gerar qualquer outro tecido da própria pessoa doadora das células da pele, agora o principal interesse da comunidade científica total. Aqui a coisa chega um pouquinho atrasada sempre. Como demorou muito para essa lei ser de fato aprovada, teve a ADIN no meio, no momento em que ela saiu, ela saiu oito anos depois da euforia do interesse pelas embrionárias. E depois de oito anos, digamos que deu uma guinada, a ciência deu uma guinada, tanto que o Ian Wilmut, o criador da Dolly, ele não está mais interessado em clonagem. Vários pesquisadores agora migraram para outra a área da reprogramação. E no Brasil está acontecendo a mesma coisa: dois grupos já estão liderando, três, quatro grupos já tem envolvidos no Rio, que eu saiba e em São Paulo. Os demais ainda precisam de um bom treinamento. E isso tem que ser adquirido ou com esses grupos que já têm um bom conhecimento da técnica ou treinamento no exterior.

Conversa Afiada – Professora, então a gente pode dizer que essa questão da legislação, de certa forma, atrasou em oito anos as pesquisas com células-tronco no Brasil?

Cláudia Maria Batista – Eu não diria “atrasou”. Porque o conhecimento que se tem hoje no Brasil e que pode ser aplicado hoje é o mesmo que se tem em qualquer país que tenha pesquisado. Hoje existe um banco de células com 250 linhagens que podem ser compradas por qualquer país, por qualquer pesquisador. Não foram doadas no Brasil. E, no entanto, nós não estamos atrasados em relação a ninguém porque essas linhagens sempre estiveram à disposição de qualquer pesquisador do mundo inteiro. O próprio conhecimento publicado foi adquirido de certa forma, foi incorporado, não adquirido, mas foi incorporado pelos pesquisadores e pelos estudantes de pós-graduação. E com essa base e mais poucos pesquisadores do Brasil que já tiveram essa familiarização com a nova técnica, já foi suficiente para ter cinco grupos já trabalhando e já treinados para colocar em prática a técnica da reprogramação celular.

Conversa Afiada – Agora, quais os próximos passos dessas pesquisas, professora?

Cláudia Maria Batista – Bom, agora saiu o edital que vai ser anunciado no fim do ano ou no começo do ano que vem, onde vários grupos concorreram a verbas para pesquisa. E muitos deles, com certeza, pediram verbas para pesquisa em reprogramação celular. Não sei quantos grupos serão contemplados, ainda não temos o resultado, mas os próximos passos são: primeiro, treinamento de recursos humanos, treinar o pessoal brasileiro de pós-graduação e técnicos e novos pesquisadores nessa área, que requer geneticistas e biologistas moleculares mais do que antes. Depois, isso abre um novo caminho muito amplo para se investigar a cura ou procura de terapias para pacientes específicos para determinadas doenças que já estão sendo feitas no exterior e aqui já temos também algumas amostras de pacientes com determinadas doenças que com essa técnica, que não é tão simples, ela é rápida de ser obtida, mas a aplicação médica ainda vai levar alguns anos. Então, eu diria que o primeiro passo é o treinamento de pessoal. E o segundo seria a manutenção de células reprogramadas in vitro ainda, com fenótipo neural, fenótipo da pele, fenótipo de músculo cardíaco, qualquer outro tecido, célula já reprogramada. E se pesquisar a saída para o controle maior da tumorigenese. Essas células são mais fácil de se lidar quanto a esse problema, a formação de tumores. A célula embrionária tem esse grande problema de gerar tumores. E essa técnica já é bem mais fácil de se controlar, porque como se mexe apenas com quatro genes dentro da célula reprogramada, é muito mais fácil se ter o controle sobre a formação de tumores, sobre o comportamento dessa célula reprogramada. Enquanto que uma reprogramada, ao se manter em cultura, é muito difícil o pesquisador manter o controle sobre o comportamento dela, seja no laboratório e muito menos em vivo, quando injetada no animal é sempre uma caixa de surpresa saber o que vai dar. E essa outra técnica ela é bem mais recente e já deu resultados mais promissores do que todo o tempo de pesquisa das embrionárias.

Conversa Afiada – Professora, então, só para concluir, apesar de o Brasil ainda estar na pesquisa de células-tronco, enquanto alguns outros países como a senhora citou os Estados Unidos, o Japão e a Coréia, já estarem na questão reprogramação, a senhora considera que o Brasil não está atrasado em relação a essas pesquisas, mesmo com os entraves na legislação, é isso?

Cláudia Maria Batista – Exatamente. Não está atrasado. Tem grupos muitos novos, com pesquisadores muito novos, que acabam de voltar ao país com muita energia e um conhecimento muito sólido de toda a técnica que aprenderam fora. E esses grupos são muito ativos atualmente, estão formando pessoas de uma maneira muito rápida. Eu vejo que já existem grupos grandes de vinte pessoas ou mais que têm uma equipe preparada já, formada já, para começar a lidar com essa nova técnica e só requer agora a aprovação de recursos.

Conversa Afiada – O Brasil avança rápido, então, nas pesquisas com células-tronco?

Cláudia Maria Batista – Muito, muito, muito. Porque o brasileiro é muito criativo, é muito ousado e tem essa capacidade. Ele é muito flexível. Todo pesquisador brasileiro, com falta de recursos ele acaba sendo mais criativo, mais versátil, ele é mais ousado. Enfim, o contato que eu tive com esses grupos é incrível, como é que são capazes de correr atrás do prejuízo e não só não ficar atrás como estar na briga com os tops.

Fonte: Conversa Afiada

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