segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Por que deram a Ahtisaari o Nobel da Paz?

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A Academia Sueca acaba de outorgar o Prêmio Nobel da Paz ao presidente da Finlândia, Martti Ahtisaari. ''Felicidades'', ''Até que enfim!'', são as expressões que chegam das capitais da União Européia. Em outros lugares alguns ficaram, entretanto, boquiabertos.

Por Luis Luque Álvarez, para o jornal Juventud Rebelde, da União da Juventude Comunista de Cuba

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O laureado Ahtissari

Sim, porque o veterano socialdemocrata trabalhou habilmente na introdução de seu país na União Européia, o que não basta para merecer a distinção. Nem tampouco que, como lembram os meios de comunicação, tenha sido o enviado especial da ONU para a Namíbia, no final dos anos 1970, ou como mediador entre os rebeldes de Aceh e o governo da Indonésia, em 2005.

O que pode abrir os olhos de surpresa é que, precisamente, o último trabalho conduzido por Ahtissari derivou em um resultado que dificilmente pode ser considerado digno de um Nobel da Paz: a separação de Kossovo da Sérvia, o roubo contra um pequeno estado europeu de parte de seu território. É isso que o Comitê Nobel santificou, coroando com seu laurel de um milhão de euros o finlandês, autor do denominado Plano Ahtisaari, de 2007, que dá aval à independência — ''tutelada'' pela UE e Otan — para essa província, onde a maioria dos habitantes são albaneses. Onde estava então a resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU, que garantia à Sérvia sua integridade territorial?

As inconseqüências são abundantes. Entretando coloquemos uma bolsa de água fria na cabeça, pois não será esta a primeira vez que o Comitê espadana a água fora da bacia. Só precisamos dar dois exemplos: o ex-secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, e o atual presidente de Israel, Shimon Peres.

O primeiro recebeu o Nobel em 1973, enquanto as bombas de napalm, lançadas por caças-bombardeiros americanos, desfolhavam grandes extensões florestais no Vietnã, além de queimar centenas de milhares de pessoas inocentes.

Além disso, este Nobel singular foi quem, em conversação com o chefe da CIA em 12 de setembro de 1970, sentenciou: ''Não podemos deixar que o Chile suma pelo esgoto'', em alusão ao governo de Salvador Allende. Seis anos depois, em diálogo com Pinochet, se justificou por ter de criticar levemente o caso chileno ante a Organização dos Estados americanos: ''Meu discurso não é contra o Chile. Eu queria lhe dizer isso. Minha avaliação é que você é uma vítima dos grupos esquerdista ao redor do mundo e que seu maior pecado foi derrubar um governo que ia em direção ao comunismo''.

No caso do outro premiado, Shimon Peres, vale relembrar que é conhecido como o fundador do programa nuclear de Israel, que até hoje permanece fora da vigilância da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). A famosa ''ambigüidade nuclear'' israelense, nem afirmar nem negar quando se pergunta pelas armas nucleares de Telavive, tem sua origem na resposta de Peres, então ministro de Defesa, ao presidente John F. Kennedy, em 1963: ''Israel não será o primeiro a introduzir armas nucleares no Oriente Médio''.

Curiosamente, um dos indicados ao prêmio Nobel da Paz de 2008 foi o ex-técnico nuclear israelense Mordechai Vanunu, que em 1986 revelou evidências de fabricação de armas nucleares em seu país. Isso lhe custou 18 anos de cárcere e nenhum Nobel até o momento. Enquanto Peres ganhou o presente no ano de 1994!

Retornando a Ahtisaari, vejamos o que disse ao diário espanhol El País, em junho passado: ''(Os sérvios) podem jogar a culpa em Milosevic*. Os ditadores não podem cometer crimes e aplicar a limpeza étnica pensando que não sofrerão conseqüências jurídicas e nem terão afetadas a soberania do país. Milosevic perdeu Kossovo e nada vai mudar isso''.

Homem! Mas o que está dizendo? Resulta, então, que se um ex-chefe de Estado cometeu deslizes no passado, no presente se possa fragmentar caprichosamente o território de seu país, mesmo que o atual governo não tenha nada a ver com o do ditador?

Se esse pensamento fosse aplicado a outros, Tróia arderia novamente. Por exemplo, o ditador Francisco Franco, que enlutou a Espanha com 150 mil fuzilados, 30 mil desaparecidos e meio milhão de prisioneiros em cerca de 180 campos de concentração, foi especialmente virulento contra o povo basco, proibindo inclusive que utilizassem seu idioma — o euskera —, e a aviação de Hitler, com a anuência franquista, bombardeou como quis o povoado de Guernica, um festim de sangue e destruição imortalizado por um quadro a óleo de Picasso

Bom, se os antecedentes foram tão violentos ali, por que Ahtisaari não se pronuncia também, com uma frase do tipo ''Franco perdeu o País Basco''? Ah, simplesmente porque, como dissemos neste pedaço do planeta, nosso bom senhor joga com a corda, e não com o macaco.

Se essa incongruência vale um Nobel, se a política de um peso, duas medidas merece um discurso bonito em Estocolmo, então você está muito bem premiado, senhor Ahtisaari.

*O ex-presidente sérvio Slobodan Milosevic morreu em sua cela, na Holanda, em 11 de março de 2006, enquanto era julgado pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia.

Fonte: Juventud Rebelde e Vermelho

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