segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O tamanho da recessão

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por Nouriel Roubini


Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York e colunista de CartaCapital, afirma que o pacote de ajuda a Wall Street, idealizado principalmente pelo secretário Henry Paulson, foi uma colcha de retalhos injusta, que apenas socializa os prejuízos da crise financeira. O economista não esconde o temor de que a situação fuja ao controle do governo e que haja uma corrida bancária nos Estados Unidos, a exemplo do que ocorreu na Índia, onde correntistas do ICICI (maior banco privado do país) lotaram as agências e caixas eletrônicos na segunda-feira 29. Roubini diz ter certeza de que o resultado será uma megaconcentração do sistema financeiro na mão de meia dúzia de bancos. E alerta: muitas outras instituições menores ainda vão quebrar.

CartaCapital: Os republicanos foram considerados os culpados pela derrota do pacote de socorro ao sistema financeiro na segunda-feira 29. Qual foi a intenção do partido?
Nouriel Roubini:
É um erro de avaliação. O pacote tinha rachaduras. Não foi muito bem desenhado. Mas também houve um número significativo de democratas que se posicionou contra alguns pontos. Do jeito que estavam as medidas, ambos os partidos acreditavam que não auxiliariam no combate à crise.

CC: Quais eram os principais problemas daquele pacote?
NR:
O plano do Tesouro é um equívoco, mesmo com as mudanças. Trata-se do salvamento de bancos e investidores que daria um alívio muito pequeno aos endividados e mutuários inadimplentes. Tudo isso a um custo altíssimo para os contribuintes. E as medidas nada fazem para resolver um seriíssimo estresse nos mercados monetário e interbancário, hoje praticamente paralisados com o pânico sistêmico. É patético que o Congresso não tenha consultado economistas independentes, que têm planos alternativos, mais justos e eficientes e a um custo muito menor. Novamente, mesmo com as mudanças feitas, este é um caso de privatização dos ganhos e socialização das perdas. Um grande presente lindamente embalado apenas para os ricos, aqueles norte-americanos bem relacionados socialmente. É uma vergonha que os democratas não tenham apresentado garantias aos proprietários endividados de imóveis.

CC: Votar um pacote agora, a quatro semanas das eleições, não é um perigo, em função de posturas oportunistas dos parlamentares?
NR:
Não podemos esperar pelas eleições porque o mercado está histérico. Vimos o que aconteceu na segunda-feira, não só nos Estados Unidos, mas na Europa, na Ásia e no Brasil. Precisamos aprovar o pacote para tentar restaurar alguma confiança. Mas um plano que faça sentido. Não dá para votar qualquer coisa só porque há uma enorme pressão de todos os lados. Além disso, todos esses congressistas querem voltar às suas bases para tocar as campanhas. E isso seria o melhor para eles: dizer que fizeram alguma coisa para salvar o país da crise financeira e propor medidas adicionais para aliviar a difícil situação econômica da população.

CC: Há riscos de corridas para saques em bancos comerciais?
NR:
Quando os investidores não respeitam nada, nem instituições sagradas, como o Morgan Stanley e o Goldman Sachs, todos sabem que a crise assumiu contornos gravíssimos e temem a quebradeira. Quando uma opção nuclear de 700 bilhões de dólares é apresentada como solução de salvamento e nem sequer convence os investidores a voltar às compras na bolsa de valores, isso significa que estamos à beira do abismo. Quando a possibilidade de um plano dessa magnitude não anima os investidores, além das centenas de bilhões de dólares que são despejados pelos bancos centrais, e todas essas ações são insuficientes para o mercado subir, como acontece agora, há uma falta de confiança generalizada no mercado e nas instituições, de tal forma que nenhuma autoridade tem o poder de manter a situação sob controle. O futuro é imprevisível.

CC: E essa desconfiança generalizada resulta em quê?
NR:
O próximo passo do pânico pode ser a corrida bancária. Instituições do mundo inteiro venderiam os ativos financeiros americanos a qualquer preço. São trilhões de dólares que poderiam cruzar as fronteiras. Se a corrida se acelerasse, haveria o desmantelamento total do sistema americano. Pior, as autoridades parecem não ter a menor idéia do que deve ser feito. Um exemplo: no segundo trimestre do ano, havia 4,4 trilhões de dólares com seguro nos bancos, de um total de 7 trilhões de dólares. Com a mudança do projeto de Paulson, que eleva a proteção por conta de 100 mil para 250 mil dólares, ainda haverá trilhões de depósitos sem proteção. Pode já estar ocorrendo uma corrida silenciosa em bancos menores.

CC: O senhor acredita que uma ação coordenada dos bancos centrais do mundo todo, para baixar o juro, poderia ajudar a reduzir os efeitos da crise?
NR:
Sim. Por exemplo, na segunda-feira 29, o Federal Reserve irrigou diretamente o mercado com linhas de crédito de 600 milhões de dólares. Na Europa, muitos bancos atuaram no mesmo sentido. Ainda assim, as taxas de juro interbancárias estão altíssimas, em razão da desconfiança. Ninguém emprestará para ninguém até que o cenário fique mais claro. Um corte de juro generalizado daria fôlego aos mercados emergentes, faria crescer a confiança nos desenvolvidos. Não resolveria a crise, mas seria um pontapé para que a recessão nos Estados Unidos e Europa fosse mais amena. O pacote, de seu lado, evitaria o que aconteceu com o Japão por uma década nos anos 90. Mas, neste ponto da crise, não vamos evitar a recessão americana e européia.

CC: No fim de semana, assistimos a uma série de intervenções, fusões, nacionalizações e aquisições de bancos na Europa. O foco da crise agora é lá?
NR:
A crise financeira e bancária dos Estados Unidos tornou-se global. Nos países desenvolvidos, há sinais de recessão, como na Grã-Bretanha, Nova Zelândia, Canadá e Japão. Por isso, haverá uma forte desaceleração global, mesmo nos mercados emergentes.

CC: O senhor considera que pode ocorrer uma crise financeira, com quebradeiras, em países como Brasil, China, Índia e Rússia?
NR:
Não imagino uma crise financeira, apesar de as bolsas de valores desses países terem sofrido muito. Por exemplo, o mercado chinês caiu 50% do pico. Na Índia, houve uma retração de 30%. Sempre haverá um contágio financeiro, mas não terão os mesmos problemas que os Estados Unidos. Isso porque, nos últimos anos, tiveram superávits externos, pouparam reservas consideráveis, reduziram o estoque de dívidas em dólar. Estão saudáveis. Mas claro que os países em recessão representam 50% do Produto Interno Bruto (PIB) global. E há ligações pela via comercial, pelas commodities, e pelo acesso ao crédito. Todos sofrerão, porque não há como se isolar.

CC: A crise atual pode ser pior do que vivemos em 1929?
NR:
Não acredito que presenciaremos uma crise da dimensão de 1929. Minha dúvida é se esta será uma recessão rápida de oito meses a dois anos. Meu temor é termos uma recessão em L, profunda e que dure dez anos, a exemplo do Japão no passado.

CC: Assistimos a uma megaconcentração do setor bancário. Será este o futuro? Estaremos nas mãos de meia dúzia de instituições?
NR:
Isso já está acontecendo. Ainda haverá a falência de muitos bancos pequenos. Há um processo de hipertrofia. Só espero que os sobreviventes sejam capazes de prover crédito e fazer a economia girar novamente.

Fonte: Carta Capital

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