terça-feira, 21 de outubro de 2008

Mensalão: como a mídia ajuda Kassab

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Ao explicar sua tática no debate no domingo (19) na TV Record, o prefeito paulistano Gilberto Kassab (DEM) disse que perguntou à candidata Marta Suplicy se ela tinha se afastado da “turma do mensalão” porque a ex-prefeita insistiu em ligar seu nome ao de Celso Pitta. “Ela tem lembrado insistentemente que eu participei do governo Pitta. Participei, votei no Pitta, como mais de 4 milhões de eleitores. E depois me afastei. E apenas consultei se ela tinha se afastado da turma do mensalão. E é evidente que não, todos sabem”, vociferou.

Por Osvaldo Bertolino, no blog O Outro Lado da Notícia

Há uma diferença continental entre uma coisa e outra. Kassab e Pitta são farinha do mesmo saco, gente sem princípio, sem ética e sem moral. Eles fazem parte de uma corrente política com certa força na cidade de São Paulo que encontra eco num setor minoritário da população que se acha melhor, mais limpo, mais culto, mais inteligente e mais esperto do que o restante dos brasileiros. É a famosa “classe média” paulistana que, como no dito popular, come mortadela como se fosse peru. Kassab, como se sabe, foi recrutado pelo tucanato e passa por um processo de reciclagem para se parecer mais com a turma de FHC, Alckmin e Serra.

No fundo, como se verifica pela predominância do PSDB em São Paulo, o que existe é a ocupação do espaço que outrora foi de Adhemar de Barros e Maluf pelo tucanato. Na outra margem está a candidatura de Marta Suplicy. Kassab tenta atingi-la com a história do “mensalão” porque sabe que este é o assunto preferido da tal “classe média” paulistana para atacar o governo Lula e seus aliados.

Proteção das leis

Na verdade, parece haver nas ações da direita brasileira de hoje cada vez mais coisas entre o céu, onde está a imaginação, e a terra, onde se vive a realidade, do que sonha a nossa vã filosofia. Pelas melhores regras do que se considera ser a ciência política, pela sabedoria acumulada nas academias e até pelas experiências do passado, tais e tais causas deveriam gerar tais e tais efeitos; desta ou daquela situação teria de resultar esta ou aquela conseqüência. Mas não tem sido assim. Isso se deve à mais interessante inovação que a direita trouxe para o debate político: o Departamento de Gerência de Falsidades e Mentiras. Ou seja: a mídia.

É o que acontece agora com o factóide criado por algumas figuras teatrais que tentam relançar o espetáculo circense do “mensalão” — esquema de captação de recursos para campanhas eleitorais por meio de “caixa dois” criado pelos corruptos que dominaram a “era FHC” e utilizado por alguns petistas. A calamitosa seqüência de truques para justificar as acusações que pesam contra as vítimas dessa execração pública inescrupulosa é uma prática que faz primeiro o sujeito perder a pose, depois o respeito e por fim qualquer condição de continuar falando em moral, ética e bons costumes.

Nos países onde se vive sob a proteção das leis, o Poder Judiciário funciona como uma garantia para os cidadãos. Sua ação gera um ambiente de tranqüilidade, a expectativa de ordem e o conforto de saber que as decisões serão tomadas sempre de acordo com as mesmas praxes e critérios. No Brasil, a mídia quer transformar essa vertente democrática em um fator de tumulto. Seus mandantes a todo momento interferem nos atos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do Poder Executivo. Eles invalidam leis que o Congresso aprovou, inventam regras novas no meio do jogo e decidem o que a Constituição quis ou não quis dizer a cada artigo.

Espécie de X-tudo

Um exemplo claro disso foi o “comentário” recente de Arnaldo Jabor, na TV Globo, que avisou que a decisão do STF sobre o “mensalão” tem de ser ”razoável”. O que será que ele e seus iguais consideram ”razoável”? Vai ser preciso adivinhar, ou perguntar a eles, ou, quem sabe, pedir que escrevam eles próprios novas leis para o país. Se perguntados o que pretendem fazer, suas respostas certamente serão parecidas com aquela célebre explicação dada por um oficial norte-americano, durante a Guerra do Vietnã, após pulverizar uma aldeia acusada de abrigar guerrilheiros comunistas: ”Para salvar a aldeia, tivemos de destruí-la.”

O Brasil, como já se disse mais de uma vez, tem um dos piores sistemas de mídia do mundo — possivelmente o pior. Não é ruim o suficiente, porém, para as necessidades dos manda-chuvas de sempre — e mesmo de algumas personalidades do mundo político que se imaginam do mundo das artes cínicas… ops, cênicas — , que sempre combinam entre si uma tramóia para torná-lo ainda pior do que já é. Trata-se de uma manobra para retirar do eleitor, ou reduzir pela metade, o seu direito de escolher os nomes das autoridades públicas que gostaria de eleger.

Isso explica porque o “mensalão” é uma espécie de X-tudo. São enfiados ali, à medida que vão sendo encontrados, os ingredientes mais diversos e disparatados entre si — qualquer coisa serve, desde que faça volume. Entram “denúncias” requentadas, “denúncias” que estão paradas há tempos e “denúncias” que talvez um parlamentar oportunista faça algum dia.

Feira de Acari

Que razões haveria para isso tudo? Quando se coloca a pergunta, as respostas começam com um ”veja bem” — e a partir daí não se vê mais nada com clareza. Na melhor das hipóteses, seguem-se explicações que desvendam só um pedaço da charada. Na maioria das vezes, o que se tem são análises difíceis de entender, defeituosas na lógica, contrárias aos fatos ou tudo isso ao mesmo tempo. Ao fim e ao cabo, fica-se na mesma. É um mistério, como a feira de Acari.

O Brasil está com um problema sério em sua democracia. Ele se chama ”comportamento da mídia”. Já existem fatos concretos para medir o tamanho deste problema — o que leva a duas certezas. A primeira é que ele não vai sumir do mapa político brasileiro tão cedo. A segunda é que dessa semente só vai germinar coisa ruim. Já vemos uma crescente perturbação do ambiente democrático do país — que tende a se agravar com a aproximação da sucessão do presidente Lula.

A coisa é tão séria que a revista Veja alardeou recentemente uma pesquisa Ibope segundo a qual 65% da população consideram que os animais que mais lembram os “políticos brasileiros” são o rato e o abutre. Num momento em que infratores da lei — como a revista Veja — tentam dar o tom à atividade política do país, é preciso abrir bem os olhos.

Fonte: Vermelho

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