quarta-feira, 22 de outubro de 2008

COMPLACÊNCIA COM CRIMES É ABUSO DE PODER

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Complacência com crimes passionais é abuso de poder

por FÁTIMA OLIVEIRA
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br


Fiquei tentada a escrever sobre os "crimes passionais" (seqüestro, cárcere privado e assassinato), tendo como eixo a perplexidade, cometidos pelo jovem de Santo André. Não compreendo como uma instituição da área de segurança pública devolve uma das vítimas ao algoz! Pensei: como pode? Não atinaram que agora ele vai matar as duas? Como o governo de São Paulo pode concordar com uma estratégia desastrada de devolver para a cena de um crime anunciado uma pessoa que já escapara dela? E com os agravantes de ser alguém que deveria ser duplamente protegida, por ser menor e porque é dever do Estado proteger a vida de reféns. O que dizer de um governo que devolve uma adolescente para se tornar refém?

Crime passional, ou crime por paixão, é uma terminologia usada para o crime cometido sob a alegação do amor. No fundamental é um crime de caráter nitidamente machista. De prepotência machista. É um crime cometido por vingança. Segundo Magalhães Noronha, "é um crime que ocorre pelo despeito de ser ver preterido por outro. É o medo do ridículo, eis a verdadeira mola do crime".

Acredito que "quem ama, não mata". Ressalto que a palavra passional nada tem a ver com "agir sob violenta emoção" (atenuante para homicídios que durante muitos anos no Brasil era a artimanha de defesa para "crimes passionais"). Passional significa: relativo à paixão; suscetível de paixão; e causado por paixão. A adjetivação de um crime como passional apenas evidencia o motivo alegado, mas não o justifica e nem é atenuante da pena.

O potencial criminoso passional está determinado a matar, pois crê que a pessoa a quem diz devotar amor é propriedade privada sua e que pode fazer com ela o que quiser. Inclusive tirar a vida de quem lhe fere o amor próprio recusando o seu amor. Tem convicção do que quer fazer, já que em geral criminoso passional não porta problemas psiquiátricos e premedita o crime movido a ódio, embora alegue amor, porque foi repudiado.

Há muitos artigos e livros sobre o assunto, mas parece que a polícia de São Paulo jamais os leu. O trágico caso de Santo André deve ser exaustivamente analisado para que possamos extrair dele muitas lições, pois ele é exuberante em respostas para uma pergunta essencial: qual é a lógica que os órgãos de segurança e os governos devem seguir diante da iminência de "homicídios passionais", em contexto de sentimento generalizado de complacência para com o criminoso passional? Tal tolerância ficou cristalina nas palavras do coronel Eduardo Félix, comandante do Batalhão de Choque da Polícia Militar de São Paulo: "Nós poderíamos ter dado o tiro de comprometimento. Mas era um garoto de 22 anos, sem antecedentes criminais, em uma crise amorosa". É um abuso de poder!

Faltou à polícia entender que agia num caso cuja lógica é completamente diferente da de outros crimes. Havia ódio, resultante de uma paixão possessiva e obsessiva, que movia a atitude do rapaz. Era explícita a natureza diferente. Em nenhum momento ele se dispôs a negociar e soltar a sua vítima principal, a ex-namorada. O que ele desejava era inegociável: o amor da jovem que ele assassinou. A polícia demonstrou despreparo diante de um crime de caráter machista, com repercussões midiáticas elevadas à enésima potência, pois agiu como se fosse um seqüestro de outro tipo e não de uma pessoa que o seqüestrador dizia amar, cujo "resgate" estava sob posse dele. Resta às famílias das vítimas a interpelação judicial do Estado pelos seus erros e omissões.

Fonte: Vi o Mundo

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