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por Paulo Passarinho*
O governo finalmente definiu as suas propostas para o pré-sal. Em discussão no âmbito do governo desde meados de 2008, inicialmente previa-se que os projetos de alteração da legislação vigente, e criação de uma nova institucionalidade para melhor aproveitarmos a riqueza do petróleo oceânico, iriam ser apresentados antes mesmo das eleições municipais de 2008.
Contudo, depois de sucessivos adiamentos, somente agora temos a oportunidade de conhecer o projeto do governo em toda sua amplitude. Ele foi corporificado em quatro distintos Projetos de Lei. Esses projetos tratam, respectivamente, do novo marco regulatório, exclusivo para a exploração do petróleo do pré-sal, baseado no regime de partilha da produção; da criação de uma nova estatal – a Petro-sal – para a gestão dos futuros contratos de partilha; da criação do Fundo Social que administrará os recursos a serem obtidos pela União com a venda do petróleo, e que deverão ser investidos nas áreas de educação, combate à pobreza, desenvolvimento científico e tecnológico, cultura e sustentabilidade ambiental; e da autorização para o aumento do capital da Petrobrás, através de um mecanismo onde a União cede à empresa áreas do pré-sal até o limite de cinco bilhões de barris, é remunerada através de títulos públicos de propriedade da estatal e ao mesmo tempo aporta na Petrobrás recursos no mesmo montante do valor da operação envolvendo esses títulos.
A decisão de se criar o Fundo Social e a iniciativa de aumento de capital da Petrobrás, com o aporte de recursos da União, são iniciativas louváveis e conseqüência direta da expectativa, em relação ao Fundo, dos imensos recursos que o país passará a dispor, e da necessidade de bem aplicá-los.
No caso do aumento do capital da Petrobrás, trata-se da necessidade de fortalecimento financeiro da empresa, frente ao seu gigantesco esforço para cumprir as tarefas de se levar à frente o trabalho, iniciado pioneiramente pela própria Petrobrás, de pesquisas, prospecções e desenvolvimento de tecnologias próprias à exploração e produção de um petróleo situado nas profundezas subterrâneas do fundo do mar.
Existem, entretanto, problemas sobre os quais seria necessária uma discussão bem cuidadosa acerca das decisões que teremos de assumir.
Primeiramente, por que o regime de partilha? A alegação é a necessidade de se superarem as amarras da atual Lei do Petróleo (Lei 9478/97), que define, em seu artigo 23, que "as atividades de exploração, desenvolvimento, e produção de petróleo e de gás natural serão exercidas mediante contratos de concessão, precedidos de licitação". No artigo 26 desta mesma lei, é conferida ao concessionário a propriedade do petróleo e do gás que vier a ser obtido, jogando-se por terra, assim, o preceito constitucional do monopólio da União sobre o petróleo.
A argumentação básica de defesa do regime de partilha – que de fato é muito menos prejudicial aos interesses nacionais que o regime de concessão – é que a exploração do pré-sal não implicaria maiores riscos às empresas envolvidas, sendo uma espécie de "bilhete premiado". Ora, se esta é a realidade, por que não adotar o regime de contratação de empresas para a prestação de serviços à União, único ente capaz de canalizar os benefícios que o pré-sal poderá nos trazer para o conjunto do país? E, através desses contratos, priorizar a Petrobrás, a empresa no mundo mais capacitada – até porque pioneira e líder na tecnologia de exploração em águas profundas, além de descobridora do pré-sal – para esse tipo de serviço?
A opção pelo regime de partilha implica dar continuidade aos leilões de campos de petróleo, embora em condições diferenciadas ao que até aqui foi feito. Sempre é bom lembrar, porém, que esses leilões terão continuidade para as áreas fora do pré-sal, e que foram esses mesmos leilões que já comprometeram 29% de toda a área do pré-sal, de acordo com dados do próprio governo (embora a própria Petrobrás tenha participação em cerca de 50% dessa área, já licitada).
Esta opção pelo regime de partilha implicou também o governo propor a criação de uma nova estatal, o que, levando-se em conta que já dispomos de um Ministério de Minas e Energia, um Conselho Nacional de Política Energética, uma Agência Nacional do Petróleo e, particularmente, de uma empresa do porte e da experiência da Petrobrás, pode ser algo absolutamente dispensável.
O maior problema da opção pelo regime de partilha, ao que tudo indica, é a busca de conciliação de interesses entre a ordem legal deixada pela era FHC e a busca de alternativas para que o país recupere parcialmente um mínimo de soberania no planejamento do ritmo de exploração e produção do petróleo.
Mas o esforço é em vão: os porta-vozes dos interesses privados e estrangeiros estão mais do que nunca a denunciar os desvios de "estatismo" e de "volta ao passado", ao analisar as propostas apresentadas pelo governo.
Revogar a Lei 9478 e as suas ambigüidades – o que implicaria também modificar o artigo 176 da Constituição Federal, igualmente confuso no tratamento de algo que é considerado um monopólio da União (o petróleo) e que ao mesmo tempo confere a propriedade do que venha a ser extraído de jazidas aos concessionários das mesmas; suspender por completo a realização de leilões; estabelecer como marco normativo de referência, a ser aprimorado de acordo com mudanças que venham a ser julgadas como convenientes ao interesse nacional, a Lei 2004, de 1953, que criou a Petrobrás, seriam todas iniciativas essenciais para adequar o país às enormes possibilidades que se oferecem.
Neste sentido, cumpre destacar que já foi apresentado ao Congresso um Projeto de Lei elaborado pelas entidades e movimentos sociais envolvidos na Campanha do Petróleo Tem Que Ser Nosso, e que procura oferecer ao debate nacional e parlamentar proposições absolutamente adequadas à defesa do interesse nacional. Este projeto acabou por ser apresentado formalmente pelo deputado Fernando Marroni (PT/RS), e foi subscrito por outros 23 parlamentares do PT, do PC do B, do PDT e do PSOL. Esperamos que o Congresso venha a debatê-lo com a seriedade e profundidade necessárias.
Para tanto, a defesa do regime de urgência para a tramitação dos projetos do pré-sal, feita pelo governo, é compreensível, dada a pressão da direita patrocinada pelo interesse estrangeiro e a proximidade das eleições presidenciais, mas totalmente inadequada.
Porém, mais uma vez, a responsabilidade é do próprio governo, com suas ambigüidades e vacilações.
*Paulo Passarinho, economista, é presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.
Fonte: Correio da Cidadania
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