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por Leonardo Sakamoto
Brasília - Estive na abertura da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, ontem, aqui na capital federal. No seu discurso, o presidente Lula foi feliz e certeiro ao criticar quem é contra o direito ao aborto: “Quantas madames vão fazer aborto até em outros países, enquanto as pobres morrem nas periferias dos grandes centros urbanos?” Hoje, organizações de defesa dos direitos das mulheres fizeram uma manifestação sobre o tema na Conferência.
Defendo incondicionalmente o direito da mulher sobre seu corpo (e o dever do Estado de permitir esse direito). É uma vergonha absoluta não darmos a devida atenção às milhares de mulheres que morrem todos os anos por conta de abortos clandestinos mal-feitos como alternativa à inexistência de uma política pública nesse sentido.
Como já disse neste espaço, é extremamente salutar que todos os credos tenham liberdade de expressão e possam defender este ou aquele ponto de vista. Mas o Estado brasileiro, laico, não pode se basear em argumentos religiosos para tomar decisões de saúde pública. E o aborto é isso, questão de saúde pública.
Já é um absurdo prédios públicos, como o plenário do STF, ostentarem crucifixos. Ah, e antes que alguém apele, não sou ateu e isso não faz diferença nesse debate, tanto que uma das organizações mais atuantes em prol dos direitos reprodutivos é a Católicas pelo Direito de Decidir. Agir em prol de motivos religiosos seria mais uma derrota da razão, somada às derrotas diárias para a desigualdade, o preconceito, a intolerância… “É cultural”, justificam alguns. O argumento é risível, o mesmo dado por fazendeiros que superexploram trabalhadores, defendendo uma cultura construída por eles mesmos e, por isso, excludente. Nesse caso, poderíamos considerar que vivemos em uma ditadura religiosa, pois uma democracia prevê o respeito pelas diferenças.
Para entender mais sobre essa discussão e sobre a luta pela efetivação dos direitos das mulheres, sugiro o blog Viva Mulher, da jornalista Maíra Kubik Mano, que tratou dos aplausos à fala de Lula - e das vaias destinadas a Arlindo Chinaglia (PT-SP), presidente da Câmara dos Deputados. Dias atrás, ele assinou a criação da “CPI do Aborto” para investigar interrupções clandestinas de gravidez em território nacional.
Que só servirá para criminalizar quem é obrigada a procurar clínicas de segunda categoria por falta de opção pública. Ou alguém acha que as filhas dos mais ricos irão para a cadeia por interromper uma gravidez indesejada?
PS: Vale lembrar que apesar da fala dura de Lula, o governo federal não tem agido muito no sentido de efetivar direitos reprodutivos. Esperemos que o presidente não se deixe levar pelo acordo bilateral que firmou com o Vaticano, em novembro passado, e que traz sérias preocupações à manutenção de um pleno Estado laico…
Fonte: Blog do Sakamoto
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