sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A ARTE, UM PODEROSO REMÉDIO

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Paulo Barreto Campello é médico, músico, professor e criador do programa "A arte na medicina às vezes cura, de vez em quando alivia, mas sempre consola", da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco. Integra um conjunto de médicos do Recife


POR CONCEIÇÃO LEMES, ESPECIAL PARA O VIOMUNDO

Da entrada dos hospitais e clínicas especializadas às alas internas, grafites enfeitam as paredes e dão aulas de saúde. Contêm desde informações sobre prevenção da dengue destinadas às crianças à importância do exercício para proteger o coração de todas as idades. Cordéis ensinam cidadania, como este do gastroenterologista Wilson Freire: “Não deixe que a terra coma/O que ainda de vida têm/ Por isso doe os seus órgãos/Pra que eles vivam em alguém”.

Nas maternidades, gestantes ouvem as suas músicas preferidas antes e durante o parto. Vale o que a futura mamãe escolher: bossa-nova, samba, reggae, forró, frevo, clássico. É a celebração da vida. Ao som de Vivaldi (1678-1741) e Mozart (1756-1791), bebês são acolhidos no berçário. Embalados por composições suaves, dormem melhor e a amamentação é facilitada; os prematuros precisam de menos remédios. É o som da vida.

No castelo de três andares, funciona a escolinha de arte do complexo hospitalar. Aí, crianças e adolescentes com doenças graves, como câncer e problemas cardíacos, fazem toda sorte de reinações artísticas: música, teatro, dança, capoeira, maracatu, pintura, fotografia. Nos leitos, outras escutam contos de fada e criam as próprias histórias. Ao mesmo tempo, médicos-músicos e seus convidados percorrem enfermarias, serviços e corredores, tocando e maravilhando. É uma terra encantada de esperança que se alastra pelas salas de aula. Nelas, futuros profissionais da saúde aprendem que a arte pode -- e deve! -- ser usada como terapêutica e na humanização da medicina.

Conto de fadas? Ficção? Futurologia? Nada disso. É o programa “A arte na medicina às vezes cura, de vez em quando alivia, mas sempre consola”, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco (UPE). Em 12 anos de funcionamento, já beneficiou cerca de 30 mil pacientes de hospitais universitários e da rede do Sistema Único de Saúde (SUS) de Pernambuco.

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Sérgio Lopes Pereira

SÉRGIO E KETYANNE, A VOLTA POR CIMA

Sérgio Lopes Pereira, 27 anos, foi o primeiro paciente-aluno da escolinha desse programa pioneiro no Brasil. Nascido em São Bento do Una, próximo a Garanhuns, no sertão de Pernambuco, Sérgio aos 16 anos descobriu que tinha leucemia. Foi para Recife se tratar. Fez quimioterapia durante quase três anos no hospital da UPE.

“Antes, eu contava os dias para não ir à quimioterapia; era muito duro”, relembra. “Depois que a escolinha passou a existir, eu contava os dias para voltar ao hospital. Aprendi a pintar, tocar bateria.”

Hoje, curado, Sérgio é voluntário do programa que o resgatou para a vida; dá aula de bateria para novos pacientes. “Muitos são do interior, como eu era. Ficam sozinhos no hospital, longe da família, sem receber visitas”, prossegue. “As atividades da escolinha, como música, teclado, capoeira, violão, computação, fotografia, desenho, aliviam o sofrimento e ajudam a não entrar em depressão. Eu sou uma prova disso. Dei a volta por cima.”

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Keytanne Barros dos Santos

Ketyanne Barros dos Santos, 23 anos, é outra. Aos 3 meses de vida, perdeu a visão dos dois olhinhos. Teve retinoblastoma bilateral, tumor maligno da retina. Fez cirurgia e quimioterapia. Aos 13 anos, já curada, conheceu a escolinha do programa.

“Anualmente, eu fazia avaliação médica, para saber se havia surgido um novo tumor”, relembra Ketyanne. “Foi numa dessas idas que, enquanto esperava a vez de ser atendida, eu conheci o projeto da Universidade de Pernambuco e comecei a freqüentá-lo. Eu tinha um tecladinho, que tocava em casa. A partir daí, aprendi harmonia, canto, tocar violão, piano. Foi uma preparação para o que faço hoje. Toco, canto, faço poesias, estou na faculdade, curso teologia.”

Kettyane tem um CD de música gospel e um livro de poesias -- Quero ver a vida pela luz dos olhos teus --, publicado pelo projeto.

“O programa é uma bênção para as crianças e adolescentes que têm que passar dias, às vezes meses hospitalizados”, avalia. “O que mais me toca é vê-los se divertindo. Saem mais felizes das atividades da escolinha e tiram o foco da doença e da dor; ainda crescem como ser humano.”

“A ARTE É UM PODEROSO ‘REMÉDIO’”


“Realmente, existem várias experiências bem sucedidas de utilizar as diferentes formas de arte como parte do tratamento de pessoas com diversas doenças”, frisa o médico Mílton de Arruda Martins, professor titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP. “Trata-se, inclusive, de uma das práticas utilizadas com muita freqüência pelos profissionais de terapia ocupacional.”

De Belo Horizonte (MG), a psicóloga Otília Rosângela Souza, presidente da União Brasileira das Associações de Arteterapia, observa: “A arte ajuda a pessoa a enxergar a doença e a situação vivida por outro ângulo. Transforma sentimentos, melhora a auto-estima e desenvolve a criatividade”.

O médico e professor Paulo Barreto Campello, criador e responsável pelo programa de arte na medicina da Universidade de Pernambuco e vice-presidente da Associação Brasileira de Medicina e Arte, garante: “A arte é um poderoso ‘remédio’”.

Segundo Campello, estudos têm demonstrado que a arte pode contribuir para promover saúde de várias maneiras:

* Estimula a produção de anticorpos que fortalecem nossas defesas contra ataques de vírus, bactérias e fungos nocivos ao organismo. Contribui, assim, não só para combater as infecções instaladas, como evitar novas.

* Leva o cérebro a estimular a fabricação de substâncias que acalmam, alegram e relaxam.

* Funciona como ponte psicossomática entre nossas emoções e nosso corpo. Revela, assim, as dores físicas e as “dores” da alma.

* Ajuda na recuperação motora de pacientes que tiveram, por exemplo, acidente vascular cerebral, o AVC, mais conhecido como derrame cerebral. Dedilhar um teclado funciona tanto quanto movimentar cem vezes o dedo. Da mesma forma, para quem precisa de fisioterapia respiratória, tocar flauta, gaita ou pífano é tão eficiente como insuflar luvas. A diferença é que o tratamento com instrumentos musicais fica mais prazeroso e alegre. E alegria fortalece o sistema imunológico. Pessoas felizes recuperam-se mais rapidamente e adoecem menos.

“Nosso próximo passo será a implantação, a partir de fevereiro, da arteterapia como disciplina optativa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco”, informa Paulo Campello. “Abriremos algumas vagas para alunos de outras áreas de saúde da faculdade, como odontologia, enfermagem e educação física.”

A meta é fornecer-lhes instrumentos teórico-práticos, para que entendam o mecanismo e a importância da arte na sua área de atuação e a utilizem no dia-a-dia com os pacientes. “Queremos que os profissionais de saúde entrem também no nosso conto de fadas, tornando-o realidade por esse Brasil afora”, ressalta.

PRATIQUE OU APRECIE; A SAÚDE MENTAL LUCRARÁ


Se você duvida dos benefícios enumerados pelos especialistas entrevistados pelo Viomundo, que tal experimentar? Inclua algum tipo de arte no seu cotidiano, mesmo que a sua saúde esteja ótima. Pode ser literatura, poesia, música, canto, dança, escultura, pintura, fotografia ou o que gostar mais. Não importa a sua idade. Depois, se quiser, mande um e-mail para doutor Paulo, contando o que achou da experiência: artenamedicina@fcm.upe.br

Ah, prefere apenas admirar? Tudo bem. A saúde lucrará. Se você tem filhos, estimule-os.

“Saúde hoje tem a ver não apenas com a duração da vida, mas também com a sua qualidade”, justifica o professor Mílton de Arruda Martins. “Atividades criativas, como participar de atividades sociais e artísticas, contribuem muito para a saúde, especialmente a mental.”

“Deixe a arte entrar nas suas veias”, sugere Paulo Campello. “É a minha receita de vida. Prescrevo aos meus pacientes, recomendo à população em geral, inclusive a você.”


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Fonte: Vi o Mundo

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