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por Paulo Henrique Amorim
Assunto colocado em pauta pelo presidente da Vale, Roger Agnelli, a flexibilização dos direitos trabalhistas vem ganhando espaço na mídia, supostamente como uma estratégia para enfrentar a crise financeira. Além da sugestão de Agnelli, que foi apresentada diretamente ao presidente Lula, outra grande empresa privatizada, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) discute o assunto com seus funcionários. Mas a tentativa de retirar direitos trabalhistas traz perigos, afirma em entrevista ao Conversa Afiada o advogado Eli Alves da Silva, conselheiro da OAB-SP e vice-presidente da comissão de Prerrogativas do órgão.
“No frigir dos ovos, a flexibilização dos direitos trabalhistas pode provocar a concentração de renda e a perda de conquistas históricas, que levaram décadas para ser obtidas”, disse. Leia abaixo os principais trechos da entrevista
Conversa Afiada – A flexibilização é possível ou desejável?
Eli Alves da Silva - Tem se discutido muito esse assunto. Evidentemente, quando se fala em flexibilizar o que tem de ser dito é retirar direito dos trabalhadores. É evidente também que nesse momento de crise o clima acaba sendo favorável a esse tipo de discussão. Bem ou mal comparando, é como quando sobe o preço do petróleo e tem de subir o preço de outros produtos que tem o petróleo agregado a eles. Só que quando se reduz o preço do petróleo, nem sem se reduz os preços desses outros produtos.
CA – Mas essa retirada de direitos não seria transitória?
EAS - Neste momento, com esse clima e situação da crise financeira mundial, o cenário passa a ser oportuno para querer se discutir esse aspecto. Entretanto, é necessário que se esteja atento para que a flexibilização não venha significar extinção de direitos de trabalhadores, que foram conquistados a duras penas. É preciso lembrar que tais direitos também foram elevados em nível constitucional. Constam do artigo 7º , além de outros textos legais.
CA – Seria necessária, então, a aprovação de uma emenda constitucional?
EAS - A rigor, o fato de os direitos desses trabalhadores ter sido elevado em nível constitucional – procedimento que recebeu críticas quando foi adotado – é exatamente para que houvesse uma garantia a mais para que não ocorressem alterações.
CA – As centrais sindicais, em especial a CUT, também interpretam essa iniciativa dessa forma, de que a flexibilização pode significar a extinção desses direitos.
EAS – A modificação que vier a ser feita agora não será transitória, é permanente. As férias, por exemplo, são de 30 dias para que o empregado possa se restabelecer física e psicologicamente seu estado de franca produção. Quando se flexibiliza, o empregador pode concedê-las em três vezes de dez dias durante o ano. Quais reflexos isso trará para o empregado? É positivo ou negativo? Um outro aspecto: a empresa tem de pagar décimo terceiro salário a todos os funcionários. Ao flexibilizar, poderia pagar uma fração desse salário extra a cada mês. O reflexo disso é que o empregador vai incorporar esse valor ao salário e, no lugar de contratar o trabalhador por um salário de R$ 1.200, por exemplo, vai contratá-lo por R$ 1.100.
CA – Outra questão levantada no meio sindical é o fato de empresas privatizadas, como Vale e CSN, acumularem resultados muito positivos ao longo dos anos. Mas ao sentirem os primeiros efeitos da crise, já pensam imediatamente em reduzir direitos de trabalhadores. O que o senhor acha disso?
EAS - Existe na legislação a participação em lucros e resultados. Na verdade, nenhuma empresa a pratica. A companhia define com os sindicatos dar uma bonificação no final de ano. A rigor, isso não é praticado pelo empresariado. Ninguém tem a lealdade e transparência nessa relação capital-trabalho. Quando se fala em participação de lucros e resultados, ninguém quer discutir. Não se tem aplicação real, é camuflada através de negociação.
CA – De certa forma, a flexibilização no trabalho já existe em alguns setores, exercida por empresas que, para fugir do regime CLT, terceirizam serviços, contratando funcionários como pessoa jurídica – que são obrigados a criar empresa e dar nota fiscal ao empregador. Qual seria o efeito da flexibilização nesse contexto?
EAS - No frigir dos ovos de tudo, aquilo que era de fato, passa a ser de direito. Se reconhecido isso do ponto de vista legislativo, já está legalizada uma situação que era ilegal. Essa ganância pelo lucro, realmente acaba trazendo a concentração de renda, a precarização dos direitos e empobrecimento da classe trabalhadora.
Fonte: Conversa Afiada
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