quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Rio coloca dois “tucanos” no 2º turno

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É uma tragédia carioca: temos em Gabeira o melhor nome para disputar com chances a Prefeitura em muitos anos, mas este é um Gabeira falso, um Gabeira aprisionado pelo continuísmo de Cesar e pelo antipetismo do PSDB. Este Gabeira não é mais aquele.

Desta vez, a cidade do Rio de Janeiro conseguiu uma proeza e tanto: levou dois candidatos tucanos ao segundo turno da disputa pela Prefeitura. Dizia-se, com razão, que o PSDB tinha dois candidatos em São Paulo - o oficial (Geraldo Alckmin) e o preferido (Gilberto Kassab) -, mas lá, ao menos, terá de enfrentar o PT no segundo turno. No Rio de Janeiro, após uma campanha fortemente influenciada pelo poder da aliança entre a grande mídia e os institutos de pesquisa, a conquista “tucana” foi ainda maior: dois candidatos que, marquetagens e discursos aliancistas à parte, representam um enfrentamento ao projeto de transformação social do país iniciado no governo Lula.

Apadrinhado por Cesar Maia no início de sua carreira, Eduardo Paes deixou o então PFL e migrou para o PSDB ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso. Foi agraciado com o aconchego do ninho tucano, tornando-se secretário-geral do partido sob às benções de José Serra, político que, dizem as más línguas, ainda faz a cabeça do hoje peemedebista. Deputado federal pelo PSDB no auge da crise do mensalão, Paes se tornou figura de proa na CPI dos Bingos e uma das mais performáticas estrelas durante as infindáveis sessões transmitidas ao vivo pela TV Câmara. Não chegou a dizer que daria uma surra no presidente Lula, como ameaçou na ocasião o deputado ACM Neto (DEM-BA), mas disse, diante de milhares de telespectadores, que o presidente poderia sair direto do Palácio do Planalto para a prisão.

Paes seguiu sua vida política e, depois da vitória de Sérgio Cabral Filho para o Governo do Rio de Janeiro em 2006, filiou-se ao PMDB a convite do governador. No horizonte desse acordo, a possibilidade de Cabral ter um candidato peemedebista a prefeito da capital que fugisse, ainda que parcialmente, da influência dos grupos comandados pelo presidente da Assembléia Legislativa, Jorge Picciani, e pelo ex-governador Anthony Garotinho.

Até aqui, Cabral obteve sucesso na empreitada, e seu candidato está no segundo turno. Agora, Paes virou “parceiro” de Lula e, provavelmente, não quer mais vê-lo atrás das grades. O problema é que as pessoas próximas a Lula dizem que ele detesta Eduardo Paes e que gostaria de não subir em seu palanque. Caberá agora ao governador Cabral amansar o coração de Lula e costurar, em nome da aliança nacional, o apoio do PT a Paes no segundo turno. Mas, que o presidente não pense que terá na Prefeitura do Rio nada além que um aliado de ocasião. Não será surpresa se o camaleônico Paes voltar às suas cores originais e apoiar José Serra em 2010.

Contra este tucano disfarçado em pele de sapo (barbudo), disputará o voto do eleitor carioca um neotucano. É uma coisa triste, ver Fernando Gabeira apoiado por gente como Armínio Fraga, Ronaldo Cezar Coelho, Fernando Henrique Cardoso... Foi triste ver o honesto e transgressor Gabeira, figura de proa de um partido com gente tão valorosa como o PV, ser domesticado como candidato preferido da Rede Globo. Qual o preço ele deverá pagar por isso, se for eleito? Sem falar que seu vice, Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), foi vice-governador de Marcello Alencar em um governo que desmontou (ou acabou de desmontar) a estrutura do Estado do Rio de Janeiro. Péssimos antecedentes.

Ciente de que, apesar da pouca confiabilidade do candidato, as pressões em nível nacional deverão empurrar PT, PDT, PSB e PCdoB para o apoio a Paes, Gabeira já apresenta o discurso de que “não quer conquistar as direções dos partidos de esquerda, mas os eleitores de esquerda”. Está fazendo uma boa aposta, pois seu perfil, sua história e seu caráter parecem muito mais adequados ao chamado voto progressista. Mas, o problema é que esse novo Gabeira é um ilusionista, e só votarão nele aqueles eleitores de esquerda que não conhecerem suas novas companhias, suas novas idéias (choque de capitalismo) e, sobretudo, seu novo campo (o conservador) na política brasileira.

Entre os partidos de esquerda que ficaram fora do segundo turno, só restaram lamentos ou vagas declarações de que “valeu a pena”. Mas, na verdade, ninguém saiu feliz. O PT, com um bom candidato (Alessandro Molon) e sua necessidade de reafirmação, e o PCdoB, com a legítima aspiração do partido que tem o candidato (no caso, a candidata Jandira Feghali) em melhores condições nas pesquisas, não souberam chegar à necessária união. Quando acordaram, já era tarde demais, pois a grande mídia e os institutos de pesquisa usaram a ferramenta da rejeição a Marcelo Crivella (PRB) para alavancar Paes e, em seguida, Gabeira.

Do PSOL, em que pese o ótimo candidato que apresentou (Chico Alencar), há pouco o que se comentar, pois o partido aprofunda sua opção pelo gueto e pelo ódio ao PT, quando poderia estar liderando um movimento pela verdadeira união das esquerdas no Rio, com um programa avançado. Em seu processo de isolamento, o PSOL está cada vez mais parecido com o PSTU que, aliás, foi seu companheiro de coligação nestas eleições. É certo que ambos declararão voto nulo no segundo turno.

Por sua história e credibilidade, Fernando Gabeira teria cacife para pedir o apoio dos partidos de esquerda, mas, na verdade, a tendência é que ele receba de imediato o apoio do DEM, comandado pelo atual prefeito Cesar Maia (de quem o PV sempre foi parceiro, na figura do várias vezes secretário municipal Alfredo Sirkis). É uma tragédia carioca: temos em Gabeira o melhor nome para disputar com chances a Prefeitura em muitos anos, mas este é um Gabeira falso, um Gabeira aprisionado pelo continuísmo de Cesar e pelo antipetismo do PSDB. Este Gabeira não é mais aquele.

*Maurício Thuswohl é jornalista.

Fonte: Agência Carta Maior

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