quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O que podemos fazer para salvar a Amazônia?

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por Leonardo Sakamoto


A Repórter Brasil e a Papel Social lançaram ontem no seminário "Conexões Sustentáveis São Paulo - Amazônia" o estudo "Quem se beneficia com a destruição da floresta". O objetivo é aumentar o nível de informação sobre as relações econômicas para contribuir com uma mudança no modelo de desenvolvimento predatório que está consumindo a Amazônia e sua gente.

Grilagem de terras, corte ilegal de madeira, avanço de pastagens, monocultura agrícola e mineração predatória são os principais combustíveis da devastação da Amazônia. Em nome de um suposto progresso econômico e da geração de empregos, a floresta vem abaixo, quase sempre sem levar em conta as questões ambientais e a responsabilidade social. O manejo sustentável é uma exceção e o exemplo clássico é a madeira: ao menos 80% das árvores são derrubadas de forma predatória.

Povos indígenas, comunidades tradicionais e pequenos agricultores estão no topo da lista dos que saem perdendo. No entanto, essa relação é ainda mais longa, uma vez que não só o Brasil, mas o planeta inteiro é afetado pela exploração inconseqüente dos recursos naturais, já que a floresta em pé é decisiva para a manutenção da qualidade de vida de milhões de pessoas. Entre outras funções vitais, ela regula o regime de chuvas e a temperatura média de uma extensa área do globo.

Se tanta gente sai perdendo, quem ganha com a destruição da Amazônia? Essa foi a pergunta que originou este estudo e motivou esta pesquisa, que identificou exemplos de cadeias de responsabilidades ligadas ao problema.

A destruição da Amazônia tem uma forte relação com a economia de mercado. Na ponta da cadeia produtiva, diversos atores se beneficiam. Madeireiras, frigoríficos e agroindústrias estão diretamente ligadas ao problema, pois compram de fornecedores que estão na linha de frente do desmatamento. Posteriormente, distribuem produtos industrializados para uma ampla rede de compradores. O resultado final chega à casa dos paulistanos. Supermercados vendem carne produzida por frigoríficos que, por sua vez, compraram gado de fazendeiros que cometeram crimes ambientais e trabalhistas. Prédios são construídos com madeira oriunda de produtores que já foram flagrados destruindo a floresta.

Multinacionais que vendem produtos de madeira certificada, e que se dizem preocupadas com o aquecimento global, podem adquirir matéria-prima de uma madeireira multada nove vezes nos últimos quatro anos por desrespeitar a legislação ambiental? Supermercados podem comercializar carne comprada de um frigorífico que abate gado oriundo de produtores flagrados por desmatamento ilícito e trabalho escravo? Restaurantes podem vender hambúrgueres de produtores do bioma amazônico quando seus documentos de responsabilidade social avisam o consumidor de que isso não acontece? O poder público pode realizar obras de infra-estrutura com madeira comprada de uma empresa que se relaciona com madeireiras que atuam em áreas embargadas e são acusadas de crimes ambientais?

Tais perguntas precisam de respostas imediatas. A responsabilidade social empresarial deve ser exercida em sua plenitude e não apenas em ações de marketing social ou de filantropia. O consumidor precisa urgentemente ser educado e se educar para não comprar, sob nenhuma condição, produtos que tenham crimes ambientais e trabalhistas em sua cadeia de produção. O governo precisa tornar eficiente sua capacidade de fiscalização, educação e repressão às ações criminosas. O pode judiciário deve se agilizar e fazer o que for necessário para evitar que um processo por destruição ambiental ou por trabalho escravo se arraste por anos. Os agentes financiadores, públicos e privados, não podem mais injetar recursos em processos predatórios, seja através de compras públicas ou de financiamento à produção.

O ato da compra é um ato político poderoso. Através dele damos um voto de confiança para a forma pela qual determinada mercadoria é produzida. Um exercício democrático que não é exercido apenas a cada quatro anos, mas no nosso dia-a-dia. E que pode ditar o destino da maior floresta tropical do mundo e de sua gente. Ou seja, também cabe a cada um de nós, paulistanos, decidir o futuro da Amazônia.

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Roger Agnelli, da Vale, quer acabar com a pobreza


Ontem o presidente da Vale (do Rio Doce), Roger Agnelli, escreveu um artigo no jornal Folha de S. Paulo sob o título “A melhor forma de enfrentar o desmatamento é investir em educação, em saúde e na geração de oportunidades”.

Aproveitou as informações divulgadas recentemente pelo Ibama, que mostravam que os assentamentos do Incra estão na frente na lista dos maiores desmatadores, para cutucar um dos maiores inimigos da empresa: os trabalhadores rurais sem-terra. Não vou entrar no mérito desse cálculo (será que se juntássemos todas as terras de algumas famílias de sojicultores e pecuaristas do Norte do Mato Grosso, como o Ibama fez ao juntar os lotes de assentados, o número não seria absurdamente maior?...) Prefiro pinçar a tentativa de Agnelli de dobrar a realidade para se encaixar ao seu argumento.

Escreveu ele: “Não devemos perder tempo com discussões sobre a importância da reforma agrária. É necessário levarmos novos processos para os assentamentos e ajudar a banir de lá a pobreza, que, desumana, flagela homens, mulheres e crianças. É hora de promover a inclusão social dos assentados, porque, no fim das contas, o maior inimigo do ambiente é a miséria.”

Bonito. Mas o que ele não diz é que a imensa maioria das terras na Amazônia está na mão de grandes proprietários, que produzem gado, soja, algodão, milho para exportação e para o mercado interno. E, são eles, na quantidade total de hectares, que mais desmatam. O que ele também não diz é que os posseiros da região ainda são expulsos de suas terras para dar lugar aos latifúndios. Ou que a própria Vale comprou ilegalmente propriedades de assentados para garantir sua produção mineral. Ou seja, quando ele diz “banir de lá a pobreza” ele quer dizer isso literalmente, afastando os "impedimentos" para exploração do minério.

O maior inimigo do meio ambiente é o desenvolvimento predatório praticado pelo grande capital, que leva a riqueza a alguns e a miséria a muitos. A miséria, portanto, não é causa, mas conseqüência do desrespeito às terras e suas gentes. Em outros tempos, chamaríamos isso de “acumulação primitiva do capital”: aquela pilhagem de recursos naturais e de força de trabalho que acontece quando empreendimentos estão sendo implantados ou em expansão. Como na fronteira agrícola da Amazônia e do Cerrado brasileiros. Porém, hoje, chamamos isso de “aumento da capacidade produtiva”.

Não vou me adentrar nessa seara. Quem segue este blog há um tempo, sabe que já escrevi sobre isso antes. Mas é que as pessoas estão, cada vez mais, perdendo o pudor.

Fonte: Blog do Leonardo Sakamoto

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