domingo, 12 de outubro de 2008

Cratera do Metrô SP - A Gravidade da Falta de Lei

por Daniel Clemente

Trata-se de um laudo técnico ou de um boletim de ocorrência contra Isaac Newton? O engenheiro britânico Nick Barton, contratado pelo Consórcio Via Amarela responsável pelo desastre nas escavações do metrô de São Paulo no dia 12 de janeiro de 2007, procurou justificar a tragédia culpando a Lei da Gravidade, salientando que o acidente teria sido inevitável devido às “características geológicas complicadas” da região e que “por azar, uma rocha de 15 mil toneladas localizada em cima do túnel do metrô não foi detectada”. Caso o engenheiro “especialista em artigos para inglês ver” esteja certo, atesta a irresponsabilidade do Consórcio Via Amarela da mesma forma, pois demonstrando que as características geológicas da região são complicadas, então, seria no mínimo imprudência realizar escavações numa área urbana altamente habitada sem a precisão de baixo risco de acidentes.

Mas se o objetivo do engenheiro gringo era de agradar quem o pagou, prontamente conseguiu, aliás, engenheiro, advogado e outros tantos diplomados por vezes procuram engavetar suas aulas de ética obtidas nas universidades para o melhor andamento da prosperidade profissional, e com a ética virada para quem paga mais o seu trabalho, satisfez os empresários tupiniquins, levando um diretor do Consórcio a elogiar a “objetividade” do laudo técnico. Como elogiar um laudo em que o objetivo é absolver o crime e atestar a impunidade? De laudo à defesa, de engenheiro a advogado, de réu à vítima de Newton.

O desabamento na obra do metrô revela a existência de um desmoronamento nas condições de trabalho e de emprego no Brasil, e neste caso, na engenharia civil. O excesso de terceirização estimulada pela busca de maiores lucros e competitividade leva à precariedade salarial, à baixa qualificação profissional e racionamento no material utilizado para efetuar a obra. Fatores que implicam numa matemática sádica, dividindo e diminuindo direitos civis trabalhistas, colocando-os na posição de zero “à esquerda”.

Utilizando-se cálculos tão frios quanto a construção de uma avenida por cima de um bosque, a “Lei de Gerson” culpa a Lei da Gravidade colocando Isaac Newton no banco dos réus, e a gravidade da falta de lei transforma a morte em estatística, modificando apenas o placar que contabiliza a quantidade de dias que a empresa não tem um acidente de trabalho, que não incapacitou, que não mutilou, que não matou um trabalhador ou alguém que esteja na área de risco. A fatalidade preenche os programas de retrospectiva anual, cria heróis voluntaristas, aquece a tela fria com sensacionalismo, gera reportagens de baixo custo e comove mais o público do que as já rotineiras notícias de enchentes e caos no trânsito na Cidade de São Paulo.

A Lei da Gravidade por muitas vezes atua na política econômica brasileira, e se manifestou mais intensamente sob a Lei do Chumbo vivida no Brasil e na América Latina quando o poder de botas usurpou das constituições latino-americanas, devido ao “perigo exemplar cubano”. Assumindo o Palácio do Planalto em 1974, o General Ernesto Geisel implantou o II Plano Nacional de Metas num momento em que as economias mundiais estavam freando seus investimentos e o Brasil adotaria através do aumento da dívida externa investimentos em sua estrutura industrial. Geisel foi mais uma vítima de Newton e tal fato ficou evidente quando o General anunciou ao povo brasileiro o projeto denominado “Fuga para Frente”:“antes o Brasil estava à beira do precipício, agora com o II PND, vamos dar um passo à frente”. Muitas leis são falhas, mas a de Newton não, caímos!


Daniel Clemente é historiador.

Fonte: Caros Amigos

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