terça-feira, 21 de outubro de 2008

COMO O PARTIDO DOS RICOS VENCE ELEIÇÃO DIZENDO DEFENDER OS POBRES

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por Luiz Carlos Azenha

Quem é leitor deste site há muito tempo sabe que um dos assuntos de meu interesse é o crescente uso da mídia corporativa tanto em campanhas políticas quanto em guerras comerciais. Às vezes as duas coisas se combinam.

Desde que George W. Bush se elegeu em 2000, graças a uma fraude eleitoral e à supressão de votos na Flórida, me interesso especialmente pelo uso da informação em campanhas eleitorais. Li sobre a fraude na mais recente campanha presidencial do México e sobre a campanha internacional que tem o objetivo de apear Hugo Chávez do poder, que usou todo tipo de artifício para tentar derrotar o venezuelano, inclusive naquele referendo em que Chávez foi confirmado no cargo, em 2004.

Sempre que existe uma forte polarização política, como a que vivemos atualmente no Brasil, aumenta a possibilidade de golpes de toda ordem. É preciso ficar de olho não só no uso do noticiário como no das pesquisas e na possibilidade de fraude eletrônica. Como repórter, testemunhei "por dentro" o comportamento de uma emissora de televisão na campanha presidencial de 2006. Houve uso do noticiário para dar ênfase a determinados assuntos e esconder outros e o engajamento até mesmo de programas de entretenimento na "venda" de uma candidatura.

As técnicas de marketing político precisam ser reveladas e estudadas. E nada melhor do que estudar o que acontece nos Estados Unidos para entender o que pode vir a acontecer no Brasil. Os marqueteiros americanos, afinal, já vieram vender suas próprias bruxarias a candidatos brasileiros. James Carville, que ajudou Bill Clinton a se eleger, assessorou Fernando Henrique Cardoso.

Tomem como exemplo a transmutação de Gilberto Kassab em "administrador eficiente", quase apolítico, apoiado (pelo menos no horário eleitoral) por gente simples da periferia.

É com esse espírito que traduzo o seguinte artigo, publicado pelo New York Times com o título de "Os verdadeiros encanadores" e assinado por Paul Krugman:

Quarenta anos atrás Richard Nixon fez uma descoberta de marketing. Ao explorar as divisões dos Estados Unidos -- sobre o Vietnã, sobre mudanças culturais e, sobretudo, sobre divisões raciais -- ele foi capaz de reinventar a marca republicana. O partido dos plutocratas foi reempacotado como o partido da "maioria silenciosa", do homem comum -- dos brancos, nem é preciso dizer -- que não gostavam das mudanças sociais que estavam acontecendo.

Era uma fórmula ganhadora. E a grande coisa é que a nova embalagem não exigiu mudanças no conteúdo do pacote -- na verdade, o Partido Republicano conseguiu vencer eleições ainda que suas políticas tenham se tornado mais pró-plutocratas e favorecendo cada vez menos os trabalhadores americanos.

A estratégia final de John McCain, na reta decisiva, é baseada na crença de que a velha fórmula ainda funciona.

E assim vemos Sarah Palin expressando seu prazer em visitar as partes "pró-americanas" do país -- sim, somos todos traidores aqui na área central de Nova Jersey. Enquanto isso temos John McCain fazendo de Samuel J. Wurzelbacher, o João encanador -- que confrontou Barack Obama durante a campanha, alegando que o candidato democrata iria aumentar os impostos dele -- a peça central de seu ataque contra as propostas econômicas de Obama.

E quando ficou claro que havia alguns problemas com o novo ícone da direita, como o fato de que não tem licença de encanador ou a comparação que Joe fez de Obama com Sammy Davis Jr., os conservadores se fizeram de vítimas: viram só como essas elites odeiam o homem comum?

Mas o que está acontecendo de verdade com os encanadores de Ohio e com os americanos em geral?

Em primeiro lugar, não estão ganhando um monte de dinheiro. Talvez você se lembre que em um dos debates entre candidatos democratas o Charles Gibson, da rede ABC, sugeriu que o salário da classe média era de 200 mil dólares por ano. Mas diga isso a um encanador de Ohio: de acordo com estatística de maio de 2007 do Bureau de Trabalho, a renda média anual de "encanadores" em Ohio foi de 47.930 dólares.

Segundo, a renda real dos encanadores estagnou ou caiu, mesmo nos anos supostamente bons. O governo Bush nos garantiu que a economia estava bombando em 2007 -- mas a renda do encanador de Ohio em 2007 foi apenas 15,5% maior que em 2000, não suficiente para cobrir o aumento de 17,7% nos preços do Meio Oeste. E assim como a renda dos encanadores de Ohio caiu, a dos americanos em geral também: a renda média por domicílio, ajustada para considerar a inflação, era menor em 2007 do que em 2000.

Terceiro, encanadores de Ohio têm dificuldades para conseguir seguro de saúde, especialmente se eles trabalharem para firmas pequenas. De acordo com a Fundação Kaiser Family, em 2007 apenas 45% das companhias com menos de 10 empregados ofereceram benefícios de saúde, menos que os 57% de 2000.

E considerem que esses dados são de 2007 -- um dos melhores. Agora que o "boom do Bush" acabou, podemos ver que obteve um feito: pela primeira vez uma expansão econômica não conseguiu elevar a renda da maioria dos americanos acima do pico anterior.

Desde então, naturalmente, as coisas foram ladeira abaixo, com milhões de americanos perdendo seus empregos e suas casas. E todos os dados sugerem que as coisas vão ficar muito piores nos próximos anos.

O que isso diz sobre os candidatos? Quem realmente defende os encanadores de Ohio?

McCain diz que a política de Obama levaria a um desastre econômico. Mas as políticas do presidente Bush já levaram a um desastre -- e ainda que ele diga que não as políticas de McCain seriam essencialmente a continuidade das de Bush, além do fato de que ele tem as mesmas posições de Bush contra o governo e contra a regulamentação do mercado.

E quanto à acusação de João, o encanador, de que os americanos comuns teriam impostos mais altos em um governo de Obama? O fato é que Obama propõe aumentar impostos apenas para as duas faixas de renda mais altas -- com renda superior a 184.400 dólares por ano, já com deducões.

Talvez haja alguns encanadores em algum lugar que ganhem tanto e que perderiam com a modesta taxação de Obama sobre dividendos e ganhos de capital -- os Estados Unidos são um grande país e é possível que haja um encanador de alta renda que tenha ações na bolsa. Mas o encanador típico pagará menos, não mais, impostos em um governo de Obama, e teria muito mais chance de conseguir seguro de saúde [Obama tem um plano nacional nesse sentido].

Não pretendo dizer que todos ficariam melhor com o plano econômico de Obama. João, o encanador, com certeza sim; mas Richie, o gerente de um fundo de ações, vai perder.

Mas esse é exatamente o ponto. O Partido Republicano pode ser qualquer coisa hoje em dia, mas não é o partido dos trabalhadores americanos.

Fonte: Vi o Mundo

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