domingo, 12 de outubro de 2008

As ‘Senhoras de Santana’ e o grande erro de Marta

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por Eduardo Guimarães


Ariane Leonardi, herdeira das “Senhoras de Santana”



As Senhoras de Santana” foram um grupo formado no começo da década de 1980 que protestava contra a televisão e se dizia a favor da censura.O grupo ganhou esse nome por morar e se reunir sempre na Rua Paderewsky, uma luxuosa rua no bairro de Santana, zona Norte de São Paulo.

Essas tais “Senhoras de Santana” lutavam contra o que consideravam “imoral” organizando “vigílias de oração” e até protestos na via pública. Um dos seus atos foi acampar na porta da Rede Globo exigindo que fosse tirado do ar o quadro da sexóloga Marta Suplicy no programa TV Mulher, no qual ela falava de sexo abertamente.

Quadro de Marta Suplicy no programa TV Mulher, no início dos anos 1980

O grupo logo ganhou má fama e acabou virando alvo de chacota. "Senhora de Santana", em São Paulo, tornou-se sinônimo de pessoa chata e inconveniente.

Uma das organizadoras do movimento era Ercília César Silveira, filha de um general. Como o país vivia sob ditadura militar, isso ajudou a piorar ainda mais a fama do grupo moralista.

Reportagem do jornal Valor Econômico que reproduzi aqui ontem revela que, quase trinta anos depois, poucos foram os avanços nos bastiões conservadores paulistanos como é Santana.

A reportagem do “Valor” escolheu um jovem pobre da periferia para ilustrar o eleitor de Marta e uma moça de 32 anos do bairro de Santana, a advogada Ariane Leonardi, para representar os anti-Marta do bairro em que a ex-prefeita teve uma de suas piores votações no domingo passado.

Reparem na expressão do rosto da moça. Se eu tivesse que escolher uma imagem para a soberba, para a arrogância, escolheria essa jovem. E suas idéias coadunam-se perfeitamente com as idéias das “Senhoras de Santana”, que há quase 30 anos já eram maduras ou até idosas.

Segundo Ariane Leonardi, ela repudia Marta porque sua família seria “desregrada”, porque seu filho “Supla” é um “roqueiro louco” e porque a ex-prefeita “não tem marido”, apesar de Marta ter se divorciado e se casado novamente.

O tempo parou para grande parte do povo paulistano, que vota em nulidades como Alckmin, Serra ou Kassab porque se enquadram no figurino de “papa-hóstias” que agrada à elite carola paulistana, ainda que a realidade de alguns desses políticos seja bem outra.

Do ponto de vista prático, também é compreensível que as pessoas dos bairros mais ricos votem em Kassab. Pesquisa da ONG Nova São Paulo divulgada em janeiro deste ano revela dados estarrecedores sobre a divisão do orçamento da prefeitura paulistana entre as diversas regiões da cidade.

A administração de José Serra e de Gilberto Kassab produziu tragédias como a do bairro paupérrimo Capela do Socorro, onde o orçamento anual da prefeitura é de R$ 25.058.714 para uma população de 602.237 habitantes, a maior população de um bairro da cidade. Ali, o orçamento per capita é de R$ 41,61, o menor da cidade.

Já na administração regional da Sé, que engloba os bairros mais ricos de São Paulo, o orçamento anual é de R$ 137.877.544, o maior de todas as subprefeituras, para uma população de 381.063 habitantes. O orçamento per capita, de R$ 361,82, é oito vezes maior do que o da Capela do Socorro.

Enquanto nos bairros pobres a população sofre por não ter asfalto, saneamento básico, por falta de tudo que se possa imaginar, tendo que se locomover afundando os pés na lama em dias de chuva, a administração Serra / Kassab gasta milhões numa única rua, como a Oscar Freire, na qual estão as mais famosas grifes de alta costura, freqüentada pela elite da elite paulistana.

Obras da prefeitura paulistana na rua Oscar Freire

O grande mistério desta eleição é descobrir por que Marta teve apenas 59% dos votos em Piraporinha, o bairro pobre citado pela reportagem do jornal “Valor”. Apesar de ser a região em que a ex-prefeita teve mais votos, como é possível que mais de 40% da população daquele bairro tenha votado em Kassab, um prefeito que vem usando os recursos da maioria para beneficiar uma exígua minoria dos paulistanos?

Eu já disse várias vezes e volto a repetir: não adianta Marta querer se “entender” com gente como a Ariane, filha das “Senhoras de Santana”, uma pobre vítima da soberba de uma elite alucinada que pensa que vive nos anos 1980, ou com grupos religiosos que a repudiam por defender os direitos dos homossexuais.

A única possibilidade de Marta virar o jogo em tão pouco tempo é ir falar para as regiões em que as pessoas foram largamente beneficiadas por sua administração. Muitas dessas pessoas estão se deixando enganar por Kassab. Deveriam ser informadas de quanto dinheiro ele tirou dos bairros pobres para investir nos ricos.

Marta, porém, como Lula, parece achar que poderá vencer o preconceito algum dia. Deveria se espelhar em países sul-americanos nos quais a esquerda desistiu dessa missão impossível e entendeu que a luta, no Brasil como no resto da América Latina, é de classes, e que, portanto, não dá para fazer um omelete sem quebrar os ovos.


Fonte: Cidadania.com


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