quarta-feira, 8 de outubro de 2008

As mulheres no cangaço & sertão perfumado

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por Fatima Oliveira*

Um movimento heróico ou um banditismo cruel?

Intriga-me e fascina-me a vida das mulheres do cangaço, pois, apesar das adversidades do cotidiano, o ar de feminilidade que os registros fotográficos mostram delas é de uma beleza exuberante, das roupas aos anéis e colares - como adornos das pistolas presas na cintura. Sem falar que eram as mulheres mais cheirosas do sertão.



No artigo "Sertão perfumado", as historiadoras Janaina Mello e Mônica dos Santos relatam: "Até o final de 1929 e início de 1930, não se tem notícias da presença feminina no cangaço. Após uma batalha na fazenda Favelas, perto de Juazeiro, na Bahia, os soldados encontraram um lenço cor-de-rosa perfumado (...) A primeira a se juntar aos bandos de cangaceiros foi Maria Gomes de Oliveira, que ficou conhecida pelo apelido de Maria Bonita, dado por Lampião. Era chamada de dona Maria pelos cangaceiros, em sinal de respeito, pois era a mulher do chefe. Também foi chamada de Santinha por seu homem nos momentos de carinho e felicidade. Com o ingresso feminino no cangaço, um ar de romantismo invadiu o sertão nordestino e muitas Marias também sonhavam com a liberdade que poderiam conquistar".

Vários foram os caminhos pelos quais as mulheres aportaram no cangaço. Nem sempre a paixão era um deles. Por medo, muitas foram doadas aos cangaceiros por suas famílias. Outro método deles era o seqüestro de moças. "Por amor, seqüestro ou consentimento, seja qual for a razão, essas mulheres aprenderam a amar seus homens e tentaram levar uma vida digna com eles. A sua presença contribuiu para melhor aceitação dos cangaceiros na sociedade, humanizando-os".

Há diferentes interpretações sobre o cangaço. Para uns, um movimento heróico contra as injustiças sociais do latifúndio nordestino. Para outros, um banditismo cruel. Avalio que o cangaço ainda é um capítulo em aberto na história oficial do Brasil. Há disparidades de visões sobre o tema na história acadêmica e na memória popular.

O livro "Moreno e Durvinha - Sangue, Amor e Fuga no Cangaço", de João de Sousa Lima (Editora Fonte Viva), versa sobre a saga, do sertão de Sergipe a Minas Gerais, empreendida por Durvinha (1915-2008) e Moreno (97 anos). Ele, do bando de Virgílio (cunhado de Lampião). Ela, viúva de Virgílio, pertencia ao bando de Lampião. Um casal sobrevivente do cangaço que, em 2 de fevereiro de 1940, caiu na estrada, pelas margens do rio do-Chico, até Augusto de Lima (MG), onde viraram vendedores de farinha. Eram Durvalina Gomes de Sá (nome real: Jovina Maria da Conceição Souto) e Antônio Inácio da Silva (José Antonio Souto). Em 1960, mudaram-se para Belo Horizonte. No bairro Tupi, onde moravam, eram conhecidos por dona Durvinha e sr. José Antônio Souto, ou Zé Pernambuco. Em outubro de 2005, revelaram o segredo de suas vidas para os filhos.

O professor Alberto Frederico Lins, no artigo "A mulher no cangaço", diz que, a exemplo do cinema, escritores e teatrólogos que se debruçaram sobre as tragédias dos sertões têm esquecido que "o rebelde só ia para a caatinga matar e ser morto porque sofrera a injustiça do mais forte na pessoa da filha, da noiva, da mulher ou da amante. Raríssimamente ia por outro motivo"; e que "A mulher, quer como amante, quer como esposa, sempre foi uma constante na vida do cangaceiro nos anos derradeiros. Passar-se-ia sem tudo, menos sem a esperança de, no primeiro pouso seguro, acasalar-se, encostar-se, aguentar-se à mulher fiel, recompensando-se das misérias, das fomes, das andanças e das sedes terríveis".


*Fatima Oliveira, Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e
Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das
Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005

Fonte: Vermelho

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