Os casos do dossiê e da Varig não batem em Dilma porque em ambos os episódios o buraco é mais em cima. Mas quem é que se arrisca a bater mais em cima?
Por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br
As crises do dossiê com gastos constrangedores do então presidente Fernando Henrique Cardoso e da venda da Varig aparentemente não afetaram, para pior, a imagem pública da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. A partir daí, há quem negue aos dois assuntos importância ou gravidade. A oposição, pelo jeito, está nessa. As más línguas dirão que ela, oposição, está doidinha para pegar uma beirada na popularidade governamental e nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento.
Se for assim, quem poderá condená-la? Não é mesmo trivial ou fácil saber resistir politicamente aos fascínios de um presidente e de uma administração populares. Lula tem garrafas para entregar, resultados para apresentar. E tem força estatal para empregar quando necessário. Daí que ressurja de tempos em tempos nas hostes oposicionistas a teoria de que o denuncismo não leva a lugar nenhum.
É possível que a recente aversão do PSDB e do Democratas ao denuncismo receba ainda a influência dos últimos acontecimentos no Rio Grande do Sul. Nesse estado, especialmente vocacionado para a pecuária extensiva e cujo símbolo é o cavaleiro gaúcho, revela-se como uma luva a atualidade do velho ditado: o castigo vem a cavalo.
Entre os anos de 2005 e 2006, tucanos e democratas viram na crise desencadeada pelas acusações de Roberto Jefferson motivos para especular com o impeachment do presidente da República — e para levar quase toda a cúpula do PT à guilhotina. Agora, quando se revela que aliados da governadora riograndense são suspeitos de ocupar a máquina pública para, digamos, alavancar recursos não contabilizados, a reação dos antes defensores da ética é de indignação, mas contra quem revela os fatos a investigar.
O que é, afinal, o denuncismo? Procurei nos dicionários e não achei. A palavra parece um neologismo em estado embrionário. Talvez a expressão possa significar a obsessão pela mazela alheia, mas só pela alheia. Se for isso, o denuncismo é mesmo uma deformidade. Que costuma ser vetorialmente corrigida pela existência de outro denuncismo, de sinal contrário. E o teatro da política segue.
Há entretanto uma variável que costuma escapar dessa lógica: o interesse público. É do interesse público saber exatamente como se produziu no Palácio do Planalto a planilha que, com dados pinçados de um banco eletrônico de informações sigilosas, seria (foi?) usada para refrear o ímpeto investigativo da oposição. É evidente que a estratégia palaciana deu certo, ainda que parcialmente, dado que a oposição de fato se recolheu. Ela resolveu deixar para lá as suspeitas de irregularidades no uso de cartões que pagam contas de Luiz Inácio Lula da Silva e da família do presidente.
Mas resta, teimosamente, o interesse geral. Esperam-se, nesse sentido, as manifestações da Polícia Federal e do Ministério Público. Assim como aguardam-se ansiosamente eventuais conclusões desses órgãos sobre a venda da Varig. Há suspeitas de que um ativo estatal (as concessões de linha aéreas) tenha sido privatizado no processo, sem amparo legal. Há também suspeitas de tráfico de influência protagonizado por gente do círculo de amizades do presidente da República. Fora as evidências de que a empresa foi repassada numa primeira etapa a estrangeiros, coisa que a lei proíbe.
Ah, sim, há o título desta coluna. Ouvem-se aqui e ali explicações com certo grau de sofisticação sobre por que os dois casos não afetam a imagem de Dilma Rousseff. Defende-se que o brasileiro comum não está nem aí para irregularidades supostamente cometidas pelos governantes, desde que a economia vá bem.
Será? É mais provável que os casos do dossiê e da Varig não batam em Dilma pela simples razão de que nada têm a ver com ela. A chefe da Casa Civil não foi acusada de gastar indevidamente com cartão corporativo. E ninguém, em sã consciência, imagina que possa partir da Casa Civil a decisão política de escarafunchar documentos relativos a ex-presidentes da República. E o dossiê não foi montado para evitar que se investigassem gastos de Dilma Rousseff. E o advogado suspeito de tráfico de influência na venda da Varig não é compadre de Dilma. E nenhuma decisão política ou administrativa sobre a venda da companhia aérea foi tomada na Casa Civil.
Os casos do dossiê e da Varig não batem em Dilma porque em ambos os episódios o buraco é mais em cima. Mas quem é que se arrisca a bater mais em cima?
Fonte: Blog do Alon Feuerwerker
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