por Marcelo Salles
Privatização nebulosa e interesses eleitorais são algumas das causas da violência do Exército contra moradores do Morro da Providência. E o jornalismo oportunista levou 6 meses para descobrir a pauta.
Carlos Latuff
Moradores da Providência exibem imagem de protesto doada pelo cartunista Carlos Latuff
De repente parece que a mídia grande descobriu que forças do Exército Brasileiro ocupavam o Morro da Providência, no Centro do Rio de Janeiro. Mais: jornais, rádios e televisão descobriram que os militares agridem, seqüestram, torturam e matam moradores daquela favela. O único detalhe é que essa descoberta se deu com seis meses de atraso. Duzentos homens do Exército ocupam a favela desde 12 de dezembro do ano passado. Desde então cometem abusos contra moradores, o que foi denunciado pela imprensa popular e alternativa. O jornal A Nova Democracia, em sua edição de janeiro deste ano, subiu a Providência e ouviu Márcia Silva, presidente da Associação dos Moradores: "Tudo o que é bom a gente aceita, mas isso não está agradando a comunidade. Estamos com nossa liberdade vigiada. Às sete horas da noite você não vê mais ninguém na rua. As crianças estão presas dentro de casa. Só se vê fuzil 24h por dia. E nem todos os soldados são educados. Invadem casas sem autorização, revistam crianças, arrombam portas e já até jogaram gás de pimenta. Além disso, eles urinam no meio da rua, na frente de mulheres e crianças". A presença dos militares na favela faz parte de um acordo entre os ministérios da Defesa e das Cidades para garantir a reforma de 780 casas, um projeto de R$ 16,6 milhões patrocinado pelo senador Marcelo Crivella (PRB) com nítido interesse eleitoral - segundo Márcia Silva, "das três primeiras casas que serviram de modelo, duas eram de ‘fiéis’. A outra entrou porque estava no meio". O bispo da Igreja Universal é o líder nas pesquisas de intenção de voto para a prefeitura do Rio de Janeiro nas eleições de outubro deste ano. Cobertura capitalista Além disso, é preciso ressaltar que boa parte da cobertura foi direcionada para torpedear a candidatura de Marcelo Crivella. O bispo sofre evidente perseguição dos veículos das Organizações Globo, concorrente direta da Rede Record que, por sua vez, apóia Crivella. Não obstante a disputa entre duas das maiores corporações de mídia do país, o fato é que a ocupação do Morro da Providência está repleta de irregularidades. Para além das violações de direitos humanos, os militares são acusados de atuarem na favela sem base legal. Mesmo assim, foi o próprio Exército quem escolheu uma empresa privada, a Pred-Lar, para tocar as obras. Segundo a organização Contas Abertas, que fiscaliza os gastos públicos, esta empresa recebeu empenho de quase R$ 1 bilhão da Comissão Regional de Obras da 1ª Região Militar no dia 7 de dezembro de 2007. A defesa de interesses eleitorais e privados pelas Forças Armadas não é novidade no Brasil, assim como não constitui fato novo o jornalismo oportunista das grandes corporações. A diferença é que agora nós podemos dizer às autoridades deste país: David, Marcos e Wellington poderiam estar vivos se os senhores se preocupassem em ler a imprensa popular e alternativa. Simplesmente porque aqui o lucro não está acima da vida, como acontece nas corporações de mídia. Fonte: Fazendo Media
Embora essas denúncias já fossem de conhecimento público, a mídia grande só passou a se interessar pelo Morro da Providência depois que três jovens foram torturados por militares e entregues para serem mortos por traficantes varejistas do Morro da Mineira, controlado pela gangue Amigos dos Amigos - facção rival do Comando Vermelho, que domina a Providência. Na lógica capitalista, a violência é amiga da audiência.
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