por Lejeune Mirhan*
Há um terceiro nome entre Barak e de Obama. Sabemos que no mundo político nomes duplos são comuns e mesmo únicos (Lula, por exemplo). Ninguém usa nome triplo (Fernando Henrique Cardoso, que acaba sendo FHC, Antônio Carlos Magalhães, que vira ACM etc.). As pessoas querem falar pouco, pronunciar poucos nomes. Pois, por isso Barak Obama é o seu nome de ''guerra'' e assim ficou conhecido desde que entrou na vida política. No entanto, entre seus dois nomes, Obama tem um nome surpreendente. Ele se chama Hussein. Esse é por assim dizer o nome mais islâmico que conhecemos (além de Omar, Ali, Fátima entre mulheres etc.). Hussein foi filho de Ali, o quarto dos Califas (são os principais Califas que sucederam Maomé, após sua morte em 632). Portanto, Hussein foi neto do profeta Maomé (Mohamed), filho de sua filha Fátima. Foi morto na cidade considerada santa para os xiitas, hoje no Irã, chamado Kerbala, por volta do ano da nossa era cristão de 680.
Não quero levantar nenhuma semelhança entre o Hussein líder histórico do Partido de Ali (Xiaat Ali, daí a palavra xiita) e o Barak americano. No entanto, ele passou a ser hoje o centro das atenções tanto nos Estados Unidos, como no resto do mundo. Biografias dele foram lançadas nas livrarias (no Brasil, já traduzidas do inglês temos pelo menos duas). Não tenho dúvida alguma que Obama não é e nunca foi muçulmano. Ele é cristão e evangélico neo-pentencostal. No entanto, seu pai (já falecido) e sua avó materna são muçulmanos.
Não estou entre os que acham que as crianças que nascem em determinados lares de certas religiões devam ser classificadas como dessa religião. Aliás, o combativo biólogo inglês Richard Dawkins, em seu excelente livro The God Delusion (traduzido no Brasil com outro título, Deus, um Delírio), critica a educação religiosa e classificação de crianças como sendo ''crianças cristãs'', ''crianças muçulmanas''. No entanto, não podemos negar certas influências em nossa educação, vindo de nossos pais, sobre as religiões que estes professam. Eu pessoalmente, fui educado e criado em casa cristã, primeiramente ortodoxa e depois católica, tendo me afastado disso há mais de três décadas.
Bem, aqui entra o debate sobre essa questão que levanto no título acima: será possível um Hussein na presidência dos Estados Unidos? Quando pessoas têm me perguntado o que acho das eleições nos Estados Unidos, muitas vezes procuro sofisticar nas respostas e devolvo a pergunta assim: você quer saber do ponto de vista ideológico, político ou econômico? Explico. Do ponto de vista estritamente ideológico, seria melhor que vencesse as eleições um partido mais à esquerda, proletário, de trabalhadores, socialista. Mas, essa chance nos EUA é igual a zero. Do ponto de vista político, pessoalmente não tenho dúvida que o melhor seria a vitória de Obama e do ponto de vista econômico, provavelmente a vitória do Republicano McCain seria melhor para o Brasil, pois estes são, histórica e coerentemente, menos protecionistas por serem mais liberais na economia.
A polêmica sobre Obama
Antes que eu me aventure em terrenos pantanosos, alerto que não apoio nenhum candidato às eleições americanas, até porque sou brasileiro e isso cabe aos americanos decidirem. Posso, quando muito, acompanhar de perto esse processo e até torcer para que o pior seja derrotado, ou dito ao contrário, que vença o menos ruim, na impossibilidade de vencermos com um dos nossos.
Dito isso, tenho lido artigos de gente de esquerda e centro-esquerda, já descendo o sarrafo em Barak Hussein. Gente séria, comprometida com nossos ideais. Semana passada li um artigo do famoso colunista e direitista norte-americano, do The New York Times,Tomas Friedman, que escrevia do Cairo, onde esta passando um tempo. Ele registrava uma torcida organizada pela vitória de Obama. Os jornais deste 25 de junho registram certo mal estar entre muçulmanos americanos, cuja maioria apóia Obama, pelo fato de que ele não deu declaração de apoio à comunidade. Ora, mas que ingenuidade! Como ele, marcadamente cristão, criado em lar cristão, vivendo em um país de fundamentalistas cristãos, poderia dar uma declaração de simpatia a essa religião? Impossível.
Não cabe aqui fazer a defesa de Obama, de sua candidatura, até porque acho que ele é limitado para nossos padrões políticos nacionais, muito mais ao centro e mesmo centro-direita se compararmos com nosso governo. No entanto, não posso estar de acordo com setores de esquerda que batem de frente contra a sua candidatura. Dois casos quero mencionar, entre tantos outros que poderia fazê-lo. Um deles, é meu camarada Aloísio Sérgio Barroso, impoluto e vigoroso intelectual a quem respeito e que reproduz coluna do camarada Albano Nunes, do CC do PC Português. Ele coloca, como é comum, que tanto o Partido Democrata, como o Republicano, são faces de uma mesma moeda. E tem razão, mas não é indiferente que se ganhe um ou outro. Não creio que seja a mesma coisa exatamente. Existem nuances e temos que ver isso. Não há frações entre as classes dominantes? São todos exatamente iguais? Não possuem contradições entre si que podem e devem ser exploradas? Creio que sim.
O ponto central da crítica do camarada Albano é a declaração ruim e equivocada que Obama deu no dia seguinte que se sagrou em maioria entre delegados democratas. Este visitou a sede do lobby judaico nos EUA e disse que Jerusalém era a capital indivisível do Estado de Israel. O que a imprensa pouco noticiou foi que no dia seguinte, ele voltou atrás. Claro que em função da enxurrada de mensagens que recebeu de governos e países árabes e do mundo em geral. Veja que ele teve a sensibilidade de voltar atrás na polêmica declaração.
O slogan de sua campanha é ''Change'' (Mudança). Não detalha o que seria isso, quais mudanças. Mas é fundamentalmente mudar a era Bush e McCain representa o continuísmo disso, dessa era, da guerra preventiva, do atacar primeiro e discutir e dialogar depois (se sobrar alguma coisa). Eu indago se é indiferente para nós, das forças progressistas, vencer um presidente americano do PD, negro, que poderia reforçar o diálogo, não apoiar descaradamente Israel, reforçar os fóruns multilaterais da diplomacia. Claro que não é indiferente. Nós, de esquerda, mais conseqüentes, nunca anulamos o voto, nunca votamos em branco. Porque hoje deveríamos atacar Obama com a mesma virulência com que atacamos McCain? Seria um erro histórico.
Por fim, o outro artigo que recebi e li com atenção, foi o de Naomi Klein. Essa é uma ativista canadense, participante de Fóruns Sociais Mundiais, a quem respeito muito. Tempos atrás comentei que li o seu vigoroso The Schock Doutrine (chegando às livrarias como ''A Doutrina de Choque'', onde ela mostra como o capitalismo financeiro e neoliberal consegue ganhar dinheiro até com desastres e tragédias humanas pelo mundo afora). Mas, permito-me discordar da Naomi. Em seu artigo, intitulado Los Chicagos Boys de Obama em uma clara alusão que o programa econômico de Obama é neoliberal. Não se trata aqui também de fazer a defesa do seu programa econômico. Ele é capitalista. No entanto, tem defendido uma alteração na forma e alíquotas de cobrança de impostos. Nos Estados Unidos, praticamente só os pobres pagam imposto. Os ricos nada pagam. Isso pode e precisa ser alterado. Naomi critica Obama por ele se declarar a favor do livre mercado. Ora, mas o que ela queria que ele declarasse em meio a essa campanha? Que seria a favor do controle total ou mesmo parcial do Estado americano sobre preços, mercadorias, negócios, vendas, etc. Não tem como. É a maior sociedade capitalista do planeta. Barak não é e nunca foi socialista. Quando muito, ele procurará se diferenciar de McCain. Podem ter programas econômicos até próximos, política externa parecidas, mas há diferenças.
Em resumo, para deixar claro minha opinião sobre isso, não voto e nem tenho poder algum de influenciar as eleições estadunidense, mas não sou indiferente. Não está em julgamento um futuro governo Obama, mas sim a derrota de um projeto de continuísmo da chamada era Bush, que precisa ser derrotada. Neste momento, o instrumento que está colocado para essa derrota, goste ou não dele, é um negro, nascido de classe média baixa, filho de pai e avó muçulmana, que tenta em alguns momentos seguir os passos de Martin Luther King. Esse candidato a presidente dos Estados Unidos atende pelo nome de Hussein, Barak Obama. Mas também deixo claro que não tenho nenhuma ilusão de classe com ele e seus assessores. Não vai implantar nenhuma mudança profunda ou mesmo superficial no modelo, mas fará alguma diferença, ainda que pequena.
*Lejeune Mirhan, Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Escritor, Arabista e Professor Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa, Membro da International Sociological
Fonte: Vermelho
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