sexta-feira, 20 de junho de 2008

A volta dos que não foram

por Eduardo Guimarães


A garotada costumava brincar com essa frase quando eu ainda era imberbe, e isso quer dizer que faz muito – muito! – tempo. Era um tipo de pegadinha, quando surgiu.

Lembrei-me disso assistindo ao recente programa político-humorístico do PSDB. Mais especificamente, quando uma bela entrevistadora, com os olhos faiscantes de admiração – como será que ela fez aquilo? –, adiantava a bola para José Serra chutar, dizendo que estamos sob risco de “volta da inflação”.

Que volta? Desde quando deixamos de ter inflação no Brasil? Mesmo depois que Fernando Henrique Cardoso, alinhado às elucubrações de Ronald Reagan e Margareth Tatcher, em 1994, implementou, na condição de ministro da Fazenda de Itamar Franco, o Plano Real, a inflação continuou.

A partir da implantação, pela terceira ou quarta vez na América Latina, do modelo preconizado pelo Consenso de Washington, que previa âncora cambial e privatizações desabridas, os salários deixaram de ser reajustados sob a argumentação ridícula de que não havia mais inflação no Brasil. Só anos depois voltaram a ser corrigidos. A perda de poder aquisitivo, naquele processo, foi enorme.

E se FHC tivesse acabado mesmo com a inflação – e, se tivesse acabado, não teria sido ele a acabar, mas um receituário vindo de fora do país – você estaria pagando hoje pelo preço do chuchu, por exemplo, o mesmo que este custava em 1994.

Você não se lembra do preço do chuchu em 1994... Ok, eu também não. Mas você consegue se lembrar de quanto pagava de telefone ou pelo plano de saúde? Ou de quanto gastava no supermercado?

Tenho alguns dados sobre isso: em 1994, com 300 reais eu saía do supermercado com dois carrinhos abarrotados. O plano de saúde “top de linha” para a família (eu, minha mulher e três filhos) custava o mesmo que a compra de supermercado. E a conta de telefone, se não fizesse interurbanos era absolutamente desprezível.

E tem também a conta de luz e o preço da tapioca...

Será que a inflação terá “voltado”, como quer Serra, se a taxa deste ano ficar em 5,5 ou 6,5 por cento? Procurem saber a inflação de 1999, ano em que FHC quebrou o Brasil desvalorizando o real pela metade depois de passar 1998 inteiro dizendo que se Lula vencesse a eleição daquele ano ele é que desvalorizaria o real.

A inflação aumentou? Aumentou. E os aumentos nos alimentos não foram só de 5%, mas não é uma alta generalizada pela economia, ela ocorre com força mesmo é nos alimentos, seguindo uma tendência mundial. E ocorre num quadro em que as pessoas passaram a ter mais dinheiro no bolso.

Mas o programa do PSDB foi humorístico. Cuida-te “Casseta & Planeta”. Serra disse na tevê o mesmo que dizem Globos, Vejas, Folhas e assemelhados. E o mesmo que dizem FHC e séquito, que tudo de bom que está acontecendo no Brasil, sobretudo na economia, é mérito do ex-presidente, e que tudo de ruim é demérito do atual. Além, é claro, de que a inflação “está voltando”.

Eles “descobriram” que inflação em alta coincide com queda de popularidade de governantes. Os jornais do PIG andaram noticiando isso. Esqueceram uma pequena variável: essa estatística não combina com renda em alta, salários subindo e desemprego caindo. Eles estão olhando só para os períodos que se convencionou chamar de “estagflacionários”, nos quais mesclavam-se inflação alta e economia recessiva.

Bem, deixemos que eles fiquem eufóricos. De novo. Daqui a pouco voltarão a acabar com os estoques de Lexotan das farmácias. Sobretudo das paulistas. Mais especificamente as do bairro paulistano de Higienópolis.


Fonte: Blog Cidadania.com


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