Milton Hatoum
De São Paulo
Vários leitores me enviaram mensagens com comentários sobre a crônica Amazônia: um pouco antes do fim. Um senhor simpático - que há trinta anos mora em Rondônia - argumentou que o plantio da soja fertiliza o solo duro da região. O solo nu, desmatado; o solo que acolhe o novo milagre redentor, o maná do novo eldorado: a soja. Esse leitor criticou a generalização do meu texto, dando a entender que eu desconheço a região amazônica.
Bom, não sei se há alguma vantagem em "fertilizar" um solo de que foram arrancadas centenas de espécies de árvores que abrigavam centenas de espécies de animais e formavam o micro-clima e, mais que isto, o ecossistema de uma região. Reitero que devastar a floresta para plantar soja é um crime contra a natureza e os nativos da Amazônia. Não generalizei nada, caro leitor. Critiquei o desmatamento de grandes áreas florestais no Mato Grosso e em Rondônia, que eu conheci antes da chegada de "empreendedores" (ou aventureiros) que transformaram esses dois estados do Norte num hiper-lucrativo negócio da agroindústria.
Aliás, um negócio movido pela mesma mentalidade predadora dos "arrozeiros" do Sul que se instalaram em Roraima na década de 1970 e agora querem expulsar os índios da reserva Raposa Serra do Sol (Roraima). Todos visam apenas e unicamente o lucro exorbitante, e todos têm ótimos contatos políticos em Brasília. Para esses latifundiários arrozeiros, os índios são verdadeiros obstáculos ao "desenvolvimento" da nação. Mas para os índios - que habitam o território de Roraima há mais de quinhentos anos -, esses arrozeiros são ladrões de terra.
De fato, não conheço toda a Amazônia. Ninguém conhece. Mesmo porque há tantas Amazônias... E o que eu defendo é isso mesmo: o conhecimento da região e o envolvimento dos vinte e cinco milhões de brasileiros nas decisões sobre o destino da Amazônia. Talvez minha visão seja pessimista por eu ter nascido em Manaus e vivido trinta anos na Amazônia. E também por ter visitado tantas cidades e vilas ribeirinhas e viajado por tantos rios.
Uma coisa é certa: a devastação da floresta equatorial produzirá efeitos nocivos à agricultura de outras regiões do Brasil, como alertaram Thomas Lovejoy e Gomercindo Rodrigues em artigo publicado na Folha de S. Paulo (25-09-2007):
"À época que Chico Mendes lutava para assegurar o futuro dos seringueiros e da floresta, um dos mais respeitados cientistas brasileiros, Eneas Salati, analisava proporções de isótopos de oxigênio na precipitação pluviométrica amazônica do Atlântico ao Peru. Sua conclusão foi irrefutável: a Amazônia produz a parte maior de sua própria chuva. A implicação óbvia foi que o excesso de desmatamento poderia degradar o ciclo hidrológico. Hoje, imagens obtidas por sensoriamento remoto mostram que o ciclo hidrológico não apenas é essencial para a manutenção da grande floresta, mas também garante uma parcela significativa da chuva que cai ao sul da Amazônia, em Mato Grosso, em São Paulo e até mesmo no norte da Argentina. Quando a umidade do ciclo, que se desloca em direção ocidental, atinge o paredão dos Andes, uma parte importante dela é desviada para o sul.
Boa parte da cana-de-açúcar, soja e outras safras agroindustriais nessas regiões depende da máquina de chuva da Amazônia. O mesmo acontece com parte importante da geração de energia hidrelétrica no Brasil. A economia brasileira não pode se dar ao luxo de perder a contribuição importante da máquina de chuva amazônica. A grande pergunta científica e política é: quanto desflorestamento prejudicará a máquina de chuva?"
Não por acaso os autores do artigo juntaram ciência e política na "grande pergunta" que relaciona o tamanho do desmatamento com a degradação do ciclo hidrológico. Também no Brasil, o avanço de pesquisas científicas esbarra em interesses políticos muito bem representados em Brasília. Alguns deputados, senadores e governadores desprezam o fato de que a agroindústria e a criação de gado em áreas da floresta equatorial são opções econômicas desastrosas para o meio ambiente e para os nativos da Amazônia.
Por outro lado, contrariando a opinião dos autores do artigo citado, não defendo o desmatamento zero. Além de inviável, isso é historicamente falso. Índios e caboclos queimam ou derrubam pequenas áreas da floresta para "botar roça", como se diz na Amazônia. Queimar cinco, vinte ou trinta hectares não perturba o ecossistema. É um meio de sobrevivência.
Além disso, os nativos da Amazônia aproveitam todos os elementos da natureza. Essas pessoas sabem que a vocação econômica da floresta reside na exploração racional dos produtos da própria natureza, e não na sua devastação criminosa, bárbara, estúpida. Aliás, esse é o teor de quase todas as mensagens que recebi. Os brasileiros de Norte a Sul sabem disso.
E aos leitores que me pediram uma bibliografia sobre a região Norte, sugiro a leitura do livro Amazônia: do discurso à práxis (Edusp), de Aziz Nacib Ab'Saber, geógrafo e professor emérito da USP.
Fale com Milton Hatoum: milton.hatoum@terra.com.br
Fonte: Terra Magazine
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