por Luiz Carlos Azenha
Recentemente assistimos a um episódio que levou um certo tipo de jornalismo ao paroxismo: o "sumiço" de Belchior, seguido da especulação sobre o destino do cantor e, afinal, da descoberta do paradeiro dele. Talvez uma consulta ao Google ou alguns telefonemas -- como se fazia nos bons tempos -- teriam sido suficientes para matar a pauta*.
*Pauta é o termo que jornalistas usam para definir um assunto a ser investigado.
Mas vivemos a época do parajornalismo e dos parajornalistas. Não é um fenômeno casual. Faz tempo a fronteira entre jornalismo e entretenimento se desfez e a busca por audiência se sobrepôs ao interesse público como objetivo central da profissão. O "caso" Belchior é sinal dos tempos. Outros virão. Onde é que anda o palhaço Carequinha? E o José Vasconcelos? E o Ferrugem?
Dia desses escrevi sobre os jovens que sentem saudade de um tempo que não viveram. Talvez eles tenham sido convencidos pela conversa boa dos pais que cresceram nos anos 60, quando "sexo, drogas e rock'n'roll" significavam ruptura com um mundo hierarquizado e patriarcal. Cheguei a discutir com uma jovem jornalista que dizia maravilhas do vinil, enquanto eu elogiava o fato de poder carregar uma discoteca de 15 mil músicas em um ipod.
Espero, em breve, ver a reabilitação das Vemaguetes, das Romi-Isetta e do óleo de fígado de bacalhau. Não entendeu? Dê um google.
O fenômeno dos parajornalistas é contemporâneo da queda do muro de Berlim nas redações. O muro que separava o departamento comercial do reduto dos jornalistas. Os jornais se tornaram divisões de grandes corporações da mídia. Os interesses políticos e econômicos dessas empresas colocaram em xeque o pacto que sempre foi a razão de existência dos jornais -- o pacto com os leitores, o compromisso com a verdade factual.
É isso que está na origem de episódios como o da ficha falsa de Dilma Rousseff ou a projeção da "Folha" segundo a qual, em dois meses -- que se completam no dia 17 de setembro -- o número de casos de gripe suína seria tamanho que teríamos 70 mil mortes causadas pela doença.
É preciso discernir entre esses dois tipos de "parajornalismo". O de Belchior, pelo menos, é inócuo -- a não ser para o próprio cantor. Mas o parajornalismo pode ser criminoso. Quando não intencionalmente, por pura preguiça mental. Por desleixo. Por adesão às pautas sensacionalistas. Por descompromisso com a função social da profissão.
Vou usar um exemplo extremo para vocês entenderem exatamente a que me refiro. Suponha que um marciano recém desembarcado no planeta se coloque no jardim de sua casa. De onde observa seu marido ou filho entretido com o motor de um automóvel, debruçado sobre o capô aberto. Julgando a partir de critérios pessoais, o marciano decide denunciar seu parente por abuso sexual do automóvel.
Como jornalista, como é que você deveria proceder? Reproduzir acriticamente a acusação, destruir a reputação de uma pessoa e se escorar na suposta "objetividade" jornalística que manda ouvir os dois lados? Ou exercer a cautela, não sucumbir à tentação da audiência e ter cuidado para não perpetrar um justiçamento midiático?
Lamento informar-lhes que os parajornalistas não titubeiam um minuto em acusar primeiro e perguntar depois.
Projetam nos outros seus próprios preconceitos e seu moralismo de cardume. Às favas com a verdade factual. Se uma pesquisa determinar que mais de 50% dos entrevistados acham que o homem observado pelo marciano em "conjunção carnal" com um automóvel é culpado, é o que basta. É provável que publiquem a manchete: "Maioria dos brasileiros acha que homem transou com o próprio automóvel". Até o próximo escândalo.
Fonte: Vi o Mundo
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