terça-feira, 8 de setembro de 2009

Mais humildade aos especialistas

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O soco no estômago da economia brasileira foi forte, é fato. O ano de 2009, por exemplo, começou com reversão abrupta no crescimento da classe média, incluindo a classe média popular. Hoje, no entanto, apenas os corações mais empedernidos têm convicção de que estivemos mais para o lúgubre cenário previsto pelos luminares e muito menos para a marolinha imaginada pelo presidente Lula. Que penalização você daria a quem previu o pior a ponto de assustar o país e levar empresários a superestimar o impacto da crise e demitir mais gente do que precisavam? O artigo é de Rodrigo de Almeida.


Mais humildade aos especialistas

Recebido com descrédito, respondido com galhofa, replicado com ironia, o palpite presidencial de que a crise econômica chegaria ao Brasil com força de marolinha completará um ano em breve. Em outubro do ano passado, o país deparava-se com previsões sombrias de luminares do mercado e da imprensa, cuja síntese geral revelava que o tsunâmi global varreria o país de roldão – o desfecho do obituário nacional, escrito por Wall Street, era uma questão de tempo. Ganhos sociais se esmaeceriam com os meses de crise. A ineficiência governamental não daria conta de responder adequadamente à tragédia que se prenunciava.

Essas previsões desabonadoras vinham de conservadores à direita e à esquerda. Mas eis que diversos indicadores como emprego, consumo das famílias e produção industrial começam a voltar ao patamar pré-crise, e sem pressão inflacionária. O soco no estômago da economia brasileira foi forte, é fato. O ano de 2009, por exemplo, começou com reversão abrupta no crescimento da classe média, incluindo a classe média popular. Hoje, no entanto, apenas os corações mais empedernidos têm convicção de que estivemos mais para o lúgubre cenário previsto pelos luminares e muito menos para a marolinha imaginada pelo presidente Lula.

Nos próximos dias, o economista Marcelo Neri, da FGV, vai divulgar um estudo segundo o qual os índices de desigualdade e renda voltaram aos mesmos níveis anteriores à crise (situavam-se no melhor patamar da história). Se santo de casa não faz milagre, lembre-se, também, que nomes como Kenneth Rogoff, da Universidade Harvard e ex-economista-chefe do FMI, e Jim O’Neill, do Goldman Sachs e criador da expressão Bric, acham que o Brasil saiu da crise global maior do que entrou.

Observando tanto o descompasso entre previsões sombrias e a realidade quanto os ataques sofridos por analistas mais otimistas, vem à memória o impressionante trabalho de um arguto professor de Berkeley, Califórnia: Philip E. Tetlock. Ele passou quase 20 anos analisando as previsões de centenas de especialistas sobre o destino de dezenas de países e publicou no livro Expert political judgment (Princeton University Press, US$ 22 na Amazon). Não se trata de um livro de crítica da mídia, mas o trabalho oferece lições relevantes para o leitor/espectador começar a ficar um pouco mais precavido com a palavra dos sábios antecipadores do futuro. Foi publicado há três anos, mas tem o vigor de um lançamento da semana passada.

Tratando superficialmente a análise de Tetlock sobre o julgamento político dos especialistas, descobrem-se três coisas que qualquer leitor deveria descobrir por experiência própria. Primeiro, colunistas (com o signatário à frente) sabem menos do que parece. Segundo, falham com bastante frequência. Terceiro, nunca são penalizados por seus equívocos. Diz ele: “Nenhuma sociedade criou ainda um método confiável de pontuação de acerto dos especialistas”.

O estudo mostrou que, entre os analistas de maior pessimismo, 70% das previsões se revelaram mais sombrias. Delas, só 12% acabaram por acontecer. Entre os mais otimistas, 65% dos cenários traçados foram mais rosados. Destes, 15% se materializaram. Ou seja, o grau de acerto é uma lástima, com leve vantagem para os otimistas (mas leve mesmo).

Claro que erros fazem parte do jogo mas, no caso da mídia, há uma responsabilidade adicional. Tetlock afirma: “A mídia não só não consegue eliminar as más ideias mas muitas vezes favorece ideias ruins, especialmente quando a verdade é muito confusa para ser embalada ordenadamente”. Tem vida longa, porém, a tendência de buscar chaves explicativas definitivas quando, muitas vezes, não resta outra saída se não jogar uma dúvida ao ar. Pode resultar em frustração do leitor ou espectador, mas se trata de ser feita uma avaliação de custos e danos.

Tetlock se perguntaria: qual a punição prevista para os especialistas brasileiros que previram o pavor em forma de crise naqueles meses de setembro e outubro? Que penalização você daria a quem previu o pior a ponto de assustar o país e levar empresários a superestimar o impacto da crise e demitir mais gente do que precisavam? Fala-se aqui de penalização moral, claro. De credibilidade.

O professor pede que experts tenham mais humildade. Desse modo, diz ele, o debate político poderia soar menos estridente. O problema é que, como diria o poeta irlandês William Butler Yeats, “falta convicção aos melhores, enquanto os piores estão cheios de apaixonada intensidade”. Ou, para ser mais humilde, prognóstico... só depois do jogo.

(*) Rodrigo de Almeida é colunista do Jornal do Brasil.

Artigo publicado originalmente no Jornal do Brasil e no blog Coisas da Política

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