sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Judiciário brasileiro - O poder que mais falhou no Brasil

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Ele ri de quê mesmo?


por Wálter Fanganiello Maierovitch

Rui barbosa deixou escrito que a “majestade dos tribunais se assenta na estima pública”. Essa estima, Rui Barbosa, como homem público, auxiliou o Judiciário a conquistar. Com a Constituição de 1891 em vigor, foi o primeiro a sustentar caber aos tribunais o exame da constitucionalidade das leis e dos atos administrativos.

Juízes e desembargadores passaram então a responder a processos criminais por terem declarado a inconstitucionalidade de leis e de atos administrativos estaduais e federais. No particular, os magistrados ganharam o apoio e o respeito da população, que precisava de órgãos isentos para dirimir controvérsias.

No curso da vida republicana verificaram-se, porém, variações acerca da credibilidade no Supremo Tribunal Federal (STF), órgão de cúpula do Judiciário e inspirado na Suprema Corte norte-americana. Por aqui, o critério de arregimentação de ministros para o STF é sempre criticado, da mesma maneira que a vitaliciedade e a ineficácia do mecanismo tendente a distanciar o ministro de alguma coloração político-partidária. Nos EUA, durante anos, vigorou o detestável modelo do juiz wasp (branco, anglo-saxão e protestante), que a latina Sonia Sotomayor acaba de derrubar.

João Mangabeira, jurista e político de muito respeito, preso mais de ano por resistir à ditadura do Estado Novo e falecido em 27 de abril de 1964, afirmou que o STF havia sido “o poder que mais falhou na República”. A respeito dá para imaginar o que diriam hoje Barbosa e Mangabeira, seu discípulo e conterrâneo dileto. Nos últimos 40 anos, o Pretório Excelso não condenou nenhum político. No STF de hoje, alguns ministros fazem prejulgamentos e legislam. Em desrespeito à harmonia entre os poderes, o presidente da Corte, Gilmar Mendes, chamou o chefe supremo da nação às falas, exigiu demissões de servidores do Executivo, além de reclamar haver sido vítima de grampo telefônico, nunca comprovado.

O Tribunal Superior Eleitoral, composto de ministros do Supremo, cassou o governador do Maranhão, Jackson Lago, e “elegeu” no lugar dos cidadãos maranhenses Roseana Sarney, perdedora do pleito. Fora isso, o STF já teve como presidente um Nelson Jobim, que confessou, em livro e quando deputado federal, ter traído a confiança dos pares constituintes e inserido sem aprovação artigos da sua lavra na nova Constituição. Jobim declarou ainda que, na Corte, liderava a “bancada” do governo FHC.

A saudosa dupla baiana supracitada se escandalizaria com a liminar do ministro plantonista, Gilmar Mendes, a cassar a decisão de um juiz de primeira instância, impositiva da prisão preventiva ao banqueiro Daniel Dantas. Ao conceder liminar em habeas corpus, Mendes desobedeceu comezinhas regras processuais e fez tábula rasa da Súmula 691 do próprio STF. Como o destino vive a pregar peças, sem excluir os de vestes talares, no fim de agosto o médico Roger Abdelmassih, acusado de 56 estupros e sem nenhuma acusação de corrupção como Dantas, não teve igual tratamento procedimental. A ministra Ellen Gracie aplicou a súmula desprezada por Mendes e que impede o pular instâncias, antes de se julgar o mérito do habeas corpus.

A ministra Gracie, de se lembrar, foi autora de teratológica decisão a vedar a realização de perícia oficial em discos rígidos do Banco Opportunity, de Dantas. Ou melhor, ela proibiu a verificação da materialidade de graves crimes imputados. A decisão foi semelhante à que impede, diante de um inquérito policial a apurar homicídio, o exame em um cadáver crivado de balas.

Ellen Gracie, recentemente, e para usar do simbolismo contido numa expressão da sabedoria popular lusitana, quis passar de cavalo a burro. Acabou reprovada por falta de conhecimentos exigíveis no exame de ingresso na Organização Mundial do Comércio (OMC), embora tivesse contado com todo o apoio do governo Lula. Como não logrou o intento, a ministra resolveu dar mais um tempo no desprezado STF, onde chegou pelas mãos de Jobim. Não fora escolhida por FHC para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), inferior ao STF. Mas, com o apoio de Jobim, cresceu o seu merecimento e FHC a escolheu para o STF.

Mangabeira cansou de divulgar uma velha lição: não se pede por uma cadeira no STF, mas, caso haja convite, não se pode declinar da maior honraria e conquista pessoal conferida a um cidadão brasileiro. Do além-túmulo, talvez Rui Barbosa esteja a confortar Mangabeira com a frase latina o tempora, o mores.

Lógico, sem deixar de apontar o pioneirismo de Francisco Rezek, que saiu do STF para ser ministro-chanceler de Fernando Collor. Ao se dar mal nas funções, exigiu a volta ao STF. Voltou, mas logo depois fez de novo o STF de trampolim. E pulou para a Corte de Haia (Holanda), que permitia residência em Paris.

No recente julgamento sobre o caso Antonio Palocci era mesmo discutível o recebimento da denúncia contra ele, que goza de foro privilegiado por prerrogativa da sua função de deputado federal. Em post que publiquei dois dias antes do julgamento, inclinei-me pela mera suposição de crime e não pela presença de indícios com lastro de suficiência com referência a Palocci. Tudo, entretanto, com a certeza de que nem sempre a verdade real coincide com a verdade contida nos autos processuais.

O que impressionou na sessão do STF foi, porém, a suspeita de “prato feito” preparado por Mendes. Mais uma vez, ele contrariou a pacífica jurisprudência do STF e induvidoso texto legal. Como a denúncia foi rejeitada com relação a Palocci, findara a competência do STF referente aos codenunciados Jorge Mattoso e Marcelo Netto. Assim, os autos deveriam ser encaminhados à primeira instância, para exame do recebimento da denúncia em relação aos dois últimos.

Mendes, com apoio em Ellen Gracie, decidiu apreciar o recebimento da denúncia com relação a eles e apesar da perda do privilégio de foro. Gracie disse que havia um imbricamento, aliás, como em todos os casos em que se acusa um mandante (Palocci) e os executores de ordens (Mattoso e Netto). Só que, antes, o STF seguia a lei e não apreciava recebimentos de denúncia sem competência, como destacou o ministro Cezar Peluso.

Não bastasse, Mendes deu uma interpretação nova da lei sobre suspensão processual. Achou que a proposta de transação, no caso de Mattoso, carecia ser apresentada depois do recebimento da denúncia. Ante a rejeição das acusações contra Palocci e Netto, agora cabe a Mattoso, que confessou ter mandado acessar a conta corrente do jardineiro e isentou Palocci, optar pela transação na primeira instância. Caso seja esta a escolha, pela lei, a transação não implica confissão ou reconhecimento de culpa. E não conta como antecedentes criminais.

Por último, só falta o caseiro Francenildo dos Santos Costa perder a ação indenizatória contra a Caixa Econômica Federal. Rui Barbosa e João Mangabeira não suportariam tal golpe. Seguramente morrerão de novo, nas bibliotecas.

Fonte: Carta Capital

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Um comentário:

Unknown disse...

Tadinho do Francenildo

O governo Lula é uma fábrica de mártires republicanos.
O famigerado Roberto Jefferson, réu confesso, pego com a mão na cumbuca, teve sua biografia reformulada depois de derrubar José Dirceu. Lina Vieira, burocrata de competência discutível, comprometida politicamente, salivou um palpite insignificante sobre evento que não conseguiu provar e se transformou na Garganta Profunda do Dilmagate. Francenildo, o caseiro honesto do lupanar, sublimou as suspeitas de receber propina e cometer falsidade ideológica, entrando no panteão da moralidade.
O que une esses heróis é a cumplicidade inicial com algum tipo de ilicitude, depois renegada e expurgada publicamente. Os escândalos resultam de uma soma de conveniências: forneça-me uma vítima e eu livrarei a sua cara. Esse tráfico de interesses fica mais evidente quando verificamos que episódios muito semelhantes já tiveram desfechos quase opostos, dependendo dos personagens envolvidos.
Vazamentos para a imprensa das capivaras petistas possuem “interesse público”, são demonstrações de jornalismo investigativo. Mas divulgar tucanagens comprometedoras viola sigilo bancário, é antiético, autoritário, stalinista. Os irmãos Vedoin tentaram desmascarar o esquema dos Sanguessugas com os mesmos instrumentos usados por Jefferson, só que mexeram no ninho de José Serra, e ali ninguém bole. A lista das jujubas do casal FHC virou peça de “clara motivação política”, porque, oras bolas, onde já se viu um troço desses? – e o “dossiê” falsificado de Dilma Rousseff na Folha foi, tipo assim, um erro técnico.
Como se sabe, entretanto, este mundinho azul dá uma volta por dia. Gargalho às escâncaras diante das mudanças de humor jornalístico provocadas pela imprevisível condição humana. Até mesmo o egrégio STF, que parecia tão justo e implacável no julgamento do Mensalão, já não parece tão justo ou implacável depois de inocentar Antônio Palocci. Repetindo a previsão sobre Marina Silva, será impagável assistir seu martírio em brasa assim que começar a atrapalhar os planos de José Serra.