Os supracitados ex-presidentes criaram a Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia. Na semana passada, reuniu-se a comissão brasileira. No particular, convém relembrar os governos da trinca mencionada e as suas ferrenhas posturas de criminalizar os usuários e tratar como párias os dependentes, que não conseguiam assistência médico-sanitária ou tratamentos. Nem pensar no uso terapêutico da maconha, em locais seguros para consumo, pill testing ou tratamento para encarcerados, pois entendiam como casos de polícia criminal.
No segundo mandato, FHC solicitou ao presidente da Câmara, o então deputado Aécio Neves, a colocação em votação, em regime de urgência, de projeto de lei sobre drogas proibidas, que considerava excelente e tramitava há anos no Congresso. Depois da aprovação, FHC percebeu que não dava para sancioná-lo, de tão reacionário e retrógrado: previa, inclusive, pena alternativa de interdição do usuário para o exercício do comércio e proibição para casar. Em resumo, a lei de 1976 era melhor.
O usuário continuou a ser tratado, por FHC, como criminoso. E não lhe faltou insistente proposta para seguir o então progressista modelo português, segundo o qual o porte de drogas para uso próprio era enquadrado como infração meramente administrativa, ou seja, não criminal.
Nos estertores do seu segundo mandato, FHC resolveu anunciar uma política sobre drogas, certamente com a intenção de contribuir com o governo do novo presidente. Não foi difícil, como registrado pelo jornalista Fernando Rodrigues, constatar que a tal política se tratava de uma cópia carbonada da norte-americana, cujo fracasso até o democrata Bill Clinton admitiu, jogando nas costas do czar antidrogas da Casa Branca, um general afinado com o Partido Republicano desde o tempo de combatente no Vietnã. O segundo companheiro de FHC é o ex-presidente colombiano César Gaviria, cujo mandato durou de 1990 a 1994. Foi no mandato de Gaviria que Pablo Escobar, chefe do cartel de Medellín, construiu uma luxuosa e confortável prisão, só para ele, na cidade de Enviago.
O povo colombiano apelidou a prisão de La Catedral, ou seja, o santuário onde Escobar comandava o tráfico e do qual entrava e saía quando bem entendesse. Em razão de temer ataques aéreos da CIA-DEA, os homens de Escobar passaram a controlar os radares do Aeroporto Nacional Rionegro, próximo de La Catedral.
No governo Gaviria, o referido Escobar montou a Tranquilândia, ou seja, um megaespaço onde funcionavam os laboratórios de refino de cocaína. Tinha até pista para atender as frotas de aviões do Expresso da Cocaína, de propriedade de Escobar: um dos pousos de helicópteros fotografados na Tranquilândia levava o falecido pai do atual presidente Uribe.
No governo Gaviria, não só prosperaram os cartéis de Medellín e Cali, dirigidos, respectivamente, por Pablo Escobar e os irmãos Orejuela. Os paramilitares direitistas das AUC se fortaleceram e passaram, antes das Farc, a traficar cocaína. Sobre a chamada dos americanos (do DEA) para matar Pablo Escobar, com uso de interposta força colombiana chamada Bloque de Búsqueda, o ex-presidente Gaviria pouco fala. Gaviria cuidou mesmo de uma sinecura, pós-mandato, ou seja, virou secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, cujo braço de combate às drogas não realizou nada de útil.
Quanto ao terceiro, Ernesto Zedillo, com mandato de 1994 a 2000, este foi o responsável pela quebra da economia do México. No seu governo, o dólar subiu 100%, a provocar a falência de milhares de empresas e o maior índice de desemprego da história do país. A única indústria a prosperar foi a do narcotráfico: bateu-se o recorde de remessa de cocaína para os EUA.
Como se percebe, a trinca poderá, pelos currículos, dar grande contribuição à humanidade, na questão das drogas. A propósito, na semana passada, FHC revelou que a recipiendária dos trabalhos do Conselho será a ONU. Estranho, pois a ONU mantém em vigor, sem alterações, a Convenção Única sobre Drogas Ilícitas, de 1961. Em outras palavras, desde 1961 encontra-se em vigor uma convenção criminalizante, que seguiu o falido modelo dos EUA. Em 1971 e 1988 foram criadas, sem mudar a de 1961, duas outras convenções, sobre psicotrópicos e tráfico ilícito. Em conclusão, nada muda na ONU desde 1961.
Pano rápido. A Comissão Latino-Americana, nesse tema, esconde outros interesses que Freud talvez explicasse. No fundo, uma “enganação”, a parar na gaveta 171, proêmio, da ONU.
Fonte: Carta Capital
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