por Marcello Salles
As relações entre os chefões da imprensa e os partidos PMDB e DEM devem ser muito profícuas. Essa é a única explicação para que essas siglas ainda não tenha ido parar nas manchetes. Há denúncias formalizadas pelo Ministério Público e investigações da Polícia Federal que comprovam a participação de vereadores, deputados estaduais, um prefeito e um ex-governador (e presidente do PMDB no RJ) dessas duas siglas em esquemas de lavagem de dinheiro, facilitação de contrabando, evasão de divisas, corrupção ativa e formação de quadrilha armada. Um deles responde até pelo assassinato do inspetor de polícia Félix dos Santos Tostes, acusado de chefiar milícia em Rio das Pedras.
Anthony Garotinho, ex-governador e presidente do PMDB no Rio de Janeiro;
Álvaro Lins, deputado estadual (PMDB);
Jerônimo Guimarães, o Jerominho (vereador, PMDB);
Núbia Cozzolino (prefeita de Magé, RJ, PMDB);
Nadinho de Rio das Pedras (vereador, DEM);
Natalino Guimarães (deputado estadual, DEM).
Na quinta-feira (29/5), o ex-governador do Rio, Antonhy Garotinho, foi denunciado pelo Ministério Público e o ex-chefe da Polícia Civil, Álvaro Lins, foi preso pela Polícia Federal. São acusados de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha armada. Garotinho é presidente do PMDB no estado e Lins é deputado estadual pelo mesmo partido. O Globo dedicou 6 páginas ao tema e destacou 25 repórteres para a cobertura. Entretanto... Em nenhum dos 11 títulos nas seis páginas aparece a sigla PMDB. E em apenas um dos 14 subtítulos, o da última página da série de matérias, vemos a legenda. No dia seguinte foram 9 títulos e 12 subtítulos, sem que a sigla PMDB aparecesse em nenhum deles.
Notas esparsas nos jornais de hoje sinalizam com o aumento desta lista. De acordo com a coluna do Ancelmo Góis, “autoridades do Rio identificaram dois políticos cariocas – um vereador e um deputado – que têm ligações com a milícia que domina a Favela do Batan, aquela onde dois repórteres de “O Dia” foram torturados”. Na coluna de Merval Pereira é citado o deputado federal Leonardo Picciani (PMDB), que estaria envolvido com o esquema de Álvaro Lins. Essas duas colunas são publicadas pelo jornal O Globo. No JB, a coluna da Anna Ramalho anota frase do deputado federal Marcelo Itagiba, também do PMDB fluminense: “As milícias são uma boa idéia... que não deram certo”.
Houvesse jornalismo de verdade no Rio de Janeiro, o público já teria sido informado, com o devido destaque, que o partido do prefeito da cidade, César Maia (DEM), e o partido do governador do estado, Sérgio Cabral (PMDB), estão implicados em crimes da maior gravidade. César Maia, vale lembrar, sempre considerou que as “milícias” eram um mal menor. Chegou a chamá-las de “autodefesas comunitárias”, num elogio ao modelo de segurança colombiano, que por sua vez é bastante enaltecido pela imprensa brasileira. Os telejornais têm evitado mencionar esses partidos e os jornais não os levam para as manchetes. Quem estudou comunicação sabe que a maioria dos leitores de jornal só lê os títulos e os subtítulos e, quando muito, o primeiro parágrafo. É importante registrar que, em 2005, por muito menos o PT foi esculhambado em manchetes de jornal e em fartas reportagens de rádio e televisão. As corporações de mídia destacaram seus melhores repórteres para investigar cada detalhe do partido, que foi rotulado de “mensaleiro” pra baixo. O mesmo PT que ainda não teve coragem de enfrentar o oligopólio que controla os meios de comunicação no país.
Com esse tipo de divulgação restrita, as corporações de mídia matam dois coelhos com uma canetada só: preservam seus interesses político-financeiros (incluindo a verba publicitária), e agridem a imagem do setor público como um todo, ao fazer parecer que todos os políticos são iguais. Assim, reforçam a falsa idéia de que “público é ruim, atrasado, corrupto” e “privado é bom, moderno, dinâmico”.
Realinhamento da cobertura – O Jornal Nacional desta segunda-feira (2/6) divulgou com entusiasmo a operação cinematográfica da polícia na favela da Rocinha. Segundo a Secretaria de Segurança, foram apreendidas 2,5 toneladas de maconha, retiradas por um helicóptero, “que fez várias viagens” até remover toda a erva. Ao tratar do crime cometido contra a equipe do jornal O DIA, o telejornal evitou o termo “tortura”, substituído por “agressão”, e preferiu creditar os espancamentos, choques elétricos e sufocamentos com saco plástico a “milicianos”, embora a própria SeSeg tenha admitido que policiais participaram da ação criminosa. Só no final da matéria um texto explicativa surgia explicando que as “milícias” são compostas por policiais e ex-policiais.
Desse modo, nota-se um realinhamento gradual da cobertura segundo os parâmetros do governo estadual. Embora nunca tenha abandonado completamente este eixo, a cobertura da TV Globo, assim como a dos demais veículos da mídia hegemônica, adotaram por 48h uma incomum postura crítica em relação à violência policial. Os jornais de hoje mostram que apenas O DIA mantém essa posição firme, enquanto os demais a atenuam bastante.
É fundamental registrar que geralmente as denúncias de violência policial são ignoradas pelas corporações de mídia, que parecem só ter despertado para sua existência após a sessão de tortura contra uma repórter, um fotógrafo e um motorista do diário carioca. Quando o repórter alternativo Brad Will foi assassinado pela polícia mexicana, em Oaxaca, 2006, a imprensa não registrou, o que denota a existência de duas categorias de jornalista na avaliação das corporações. Quando brasileiros pobres, moradores de favelas, denunciam tapas na cara, espancamentos, e execuções sumárias cometidas por policiais, os diretores dos jornais não levam a sério e oferecem apenas notinhas de rodapé, quando muito, pois a regra é a omissão, o que revela a existência de duas categorias de seres humanos, novamente na avaliação das empresas capitalistas.
Lembro quando dezenas de entidades e duas centenas de pessoas assinaram, em novembro passado, o manifesto contra as políticas de extermínio do governador Sérgio Cabral. O Globo deu a notícia no final do primeiro caderno, escondida entre os obituários, sem nenhuma chamada na capa. Se a cobertura jornalística desse conta da verdadeira dimensão do envolvimento de policiais com a criminalidade no Rio, talvez os índices de violência em nosso estado não fossem tão assustadoramente elevados.
A coletiva do secretário
Marcelo Salles/fazendomedia.com
Em entrevista coletiva realizada neste domingo (1o/6), o secretário de Segurança Pública José Mariano Beltrame confirmou que policiais participaram da sessão de tortura contra jornalistas do diário carioca O DIA e um morador da favela do Batan, em Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Apesar de já ter identificado os criminosos, Beltrame afirmou que ainda não tem provas para prendê-los. “Identificar é fácil, o difícil é constituir prova. O policial, quando encontrado à paisana numa comunidade e inquirido, sempre alega que está visitando familiares”.
A coletiva foi realizada no quarto andar do prédio da Secretaria de Segurança, na Central do Brasil. Estava marcada para 18h, mas começou às 18h30. Estendeu-se até as 19h02, incluindo explanação inicial do secretário (cerca de 10 minutos), as perguntas dos jornalistas + respostas (15 minutos) e o atendimento às TVs (breves 7 minutos). Havia cerca de 30 jornalistas, no total.
Na explanação inicial, Beltrame repetiu que o que aconteceu com a equipe do jornal O DIA é inaceitável e agride a liberdade de imprensa, que isso não será tolerado e que as investigações estão em curso. Ele enfatizou a importância do trabalho da imprensa, "olhos e ouvidos da sociedade" e disse que eles do governo necessitam do trabalho da imprensa, “do trabalho dos senhores”. “A imprensa teve, tem e terá um papel determinante para mudar a sociedade”. Em dado momento ele deixou escapar algo como “Se aqueles jornalistas realmente passaram por aquela situação”. Imediatamente eu e um colega perguntamos se havia alguma dúvida da SeSeg a respeito da veracidade da denúncia publicada no DIA. Ele respondeu que não, e ofereceu um exemplo: há uma “diferença entre a denúncia do roubo de uma moto até a conclusão do inquérito”. Ele disse ainda que não tem os exames de corpo de delito como prova e depois voltou a dizer que não duvida do que foi publicado e prova disso seria toda a mobilização que está sendo realizada em torno dela, inclusive esta coletiva.
Entre as perguntas, gostei da do Jaime, do JB Online, que quis saber em que medida os comandantes de batalhões podem ser responsabilizados pelo envolvimento de policiais nessas atividades ilícitas, as mal chamadas milícias (para saber porque digo mal chamadas, consultar dicionário e verificar os significados do termo “milícia” – na minha opinião ele atenua uma situação gravíssima, funcionando como eufemismo, conforme pode ser visto numa matéria publicada no Fazendo Media ainda em 2006, quando ninguém imaginava que jornalistas poderiam ser torturados por esses bandos armados. Na época as milícias eram abertamente defendidas por autoridades como o prefeito César Maia, que usava o termo “auto-defesa comunitária” como forma de legitimar o serviço sujo). Beltrame respondeu vagamente que eles podem ser responsabilizados na medida em que tomam conhecimento dessas atividades e não atuam para coibi-la; assim estariam prevaricando. E mais não disse.
Outro colega perguntou se aqueles e outros jornalistas do DIA correm risco de vida. Eu e um colega emendamos: “gostaria de estender a preocupação a todos os jornalistas, seja de que veículo for”. Beltrame foi taxativo: “Todos correm risco sim, após a publicação da matéria”.
O secretário alegou facilidade para identificar os policiais envolvidos com milícias, mas dificuldade em constituir provas. “Uma coisa é a denúncia, outra é sua comprovação”. Durante a entrevista Beltrame procurou valorizar seu trabalho: “Pegamos a secretaria com 120 favelas dominadas por milícias, hoje são menos de cem”.
Fonte: Fazendo Media
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