Em novembro, os cidadãos norte-americanos vamos às urnas. Temos a chance de derrotar a mais desastrosa coalizão política da história dos EUA. A que mais danos fez à imagem e ao legado do país. A que mais rastros de sangue, mentiras, déficits e ilegalidades deixou atrás de si. Barack Obama será o candidato do Partido Democrata, como já sabiam os leitores deste blog desde 20 de fevereiro. Ontem, depois de uma sucessão de endossos de super-delegados ao longo do dia, Obama chegou ao número mágico com a vitória em Montana. A festa da vitória foi bem no terreiro deles. A escolha do lugar foi deliberada: em Minnesota, onde o Partido Republicano realizará sua convenção em setembro para confirmar John McCain como seu candidato, Barack e Michelle Obama reuniram 20.000 pessoas. Foi um momento inédito, mágico da política. Quando a possibilidade soa como um átimo, esse átimo merece a eternidade. O discurso de Barack, dedicado a unir o partido, foi recheado de longos elogios a Hillary Clinton.
Sabia-se que não haveria discurso de concessão de Hillary. Não é do estilo dela reconhecer que perdeu. Ao longo destas primárias, nem uma única vez Hillary Clinton felicitou Barack Obama por suas vitórias. Ao longo da campanha, nem uma única vez Barack Obama deixou de parabenizar Hillary por seus triunfos, incluindo-se aqui o de Dakota do Sul na noite passada. Nessa singela diferença, já fica nítido que separou as duas campanhas.
Mas ninguém esperava o patético e lamentável espetáculo que foi o discurso presenciado por algumas centenas de pessoas no porão de Baruch College, em Manhattan, lugar deliberadamente escolhido por não ter televisões nem possibilidade de sinal para celulares ou Blackberries, de tal forma que ninguém se inteirasse de que o mundo já havia reconhecido Barack Obama como o candidato do Partido Democrata. Para começar, o chefe de campanha Terry McAuliffe – como é possível que em algum país da América do Sul ainda exista gente inteligente acreditando ser feminista uma campanha dirigida por Terry McAuliffe? -- anuncia Hillary com a seguinte pergunta: Vocês estão prontos para a próxima presidente dos Estados Unidos? Sim, eles vivem no universo paralelo. No discurso de Hillary, nem uma única palavra de reconhecimento da vitória de Obama. Depois, a estranhíssima frase I won't be making any decisions tonight, como se houvesse alguma decisão a tomar. Para completar, a repetição patológica de que ela é a melhor candidata (tudo ao som de “Simply the Best” de Tina Turner) e a martelada esquizofrênica de que ela “teve mais votos” -- bizarra matemática à qual eles chegam excluindo os estados que usaram assembléias em vez de cédulas. E excluindo os estados que começam com I e com M. E excluindo os estados de três sílabas. E excluindo não sei mais qual estado no malabarismo de Mark Penn. É como se o Vasco, depois de ser derrotado pelo Flamengo na decisão estadual, decidisse comprar uma taça no armazém da esquina e desse a volta olímpica em torno de São Januário. É inacreditável.
Como sabem os leitores deste blog, eu acompanho política bem de perto. Acho que nunca disse desde quando. Pois bem, é desde a gloriosa campanha de Sandra Starling ao governo de Minas, pelo PT, em 1982, na qual cumpri algum papel, como sabe ela. Nunca, na minha vida, vi uma campanha tão sem classe, tão baixa. Até a manhã de ontem, eu era dos que ainda acreditavam ser possível uma chapa Obama / Hillary. A partir de ontem à noite, juntei-me às centenas de milhares de eleitores norte-americanos que já enviaram mensagens a Barack: Hillary, de jeito nenhum. É fundamental para a democracia americana que se acelere a decadência de um clã que não soube ajustar-se ao bonde da história. É uma dinastia responsável por dois mandatos presidenciais bastante bons (e, em comparação retrospectiva com os anos Bush, melhores ainda), mas que infelizmente não soube cair com dignidade. Chegaram ao final chamando jornalistas de "scumbag" (dou o prêmio para a tradução mais criativa do insulto) por matérias verídicas e recheadas de fontes. Meu amigo Pedro Dória, que é consideravelmente mais moderado, cauteloso e elegante que eu para expressar desgosto, não resistiu e disse: É incrível. Ela não larga o osso.
Pois agora vamos à luta contra os responsáveis pelo desastre que os EUA criaram para si e para o mundo nestes oito anos. Vamos, de preferência sem Clintons na cédula. A unidade do Partido Democrata se dará por outras vias. Não é digna da vice-presidência de Obama uma candidata que se recusa a reconhecer a derrota, pede a seus eleitores que mandem emails com sugestões sobre o que fazer e enviem contribuições para que ela saia do buraco financeiro em que se meteu, enquanto dá sinais de que está interessada na vice-presidência, mas também sinaliza que não a aceitará e que não admitirá que o cargo seja oferecido a outra mulher. Essa é a heroína feminista que não é apoiada por NOW, nem por NARAL, nem por MoveOn.org, mas que algumas sul-americanas mal informadas insistem em coroar como a herdeira da luta das mulheres dos anos 60. Nós, eleitores americanos democratas, poderíamos estar festejando unidos agora. Mas estamos muito ocupados decidindo qual é a melhor estratégia para evitar que esse clã vingativo e ressentido nos destrua. A tática agora é aquela que tenho certeza ser conhecida do meu amigo Marco Weissheimer: chega de articulação. Queremos bater chapa.
Este eleitor americano já se juntou ao movimento que defende a extraordinária mulher Kathleen Sebelius, governadora de Kansas, para a vice-presidência na chapa do possível primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos. Estou otimista. Moderadamente otimista, como bom atleticano já calejado por tragédias. Mas acho que dá. As pesquisas de opinião decidirão se o Biscoito transmitirá de Missouri ou da Flórida no dia 04 de novembro. Louisiana é deles, apesar da lavada que lhes daremos em New Orleans.
Atualização: Vejam se faz sentido tomar Hillary como vice. Seus porta-vozes já iniciaram a pressão para que ela seja escolhida, mas seu chefe de campanha continua dizendo que ela venceu. Como lidar com esse povo?
Atualização II: Aí vai uma pequena amostra da revolta entre os democratas.
Fonte: O Biscoito Fino e a Massa
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