quarta-feira, 2 de setembro de 2009

TV no ônibus, a comercialização das mentes e a lei Cidade Limpa

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arte: cc adbusters


por Luddista, no blog Apocalipse Motorizado

Conforme a previsão feita por este blog em 18 de Agosto, não levou muito tempo até que a legislação municipal que proibia a exibição de programação televisiva ao vivo dentro dos ônibus fosse alterada.

Apenas 11 dias depois de proibir os testes da Rede Globo em alguns coletivos da cidade, o Secretário Municipal de Transportes publicou uma portaria no último sábado (29) autorizando a iniciativa. Globo, Record e Bandeirantes devem disputar os olhares confinados de milhões de passageiros de ônibus da capital.

A iniciativa se insere em um conjunto de medidas que visam explorar ao máximo o potencial comercial do transporte sobre pneus, sem que isso signifique a melhora do serviço. Há poucos dias foi divulgado que a Prefeitura pretende acoplar ao Bilhete Único um cartão de crédito, transformando milhões de passageiros em potenciais endividados.

A portaria da SMT justifica-se em dois princípios: a Lei Cidade Limpa e o aumento de receita (só não fica claro quem será beneficiado por este aumento, já que em nenhum momento fala-se da destinação destes recursos ou obriga-se a Prefeitura a reinvestir o montante no sistema de ônibus).

Como é sabido até pelo mármore do Palácio Anhangabaú, a Lei Cidade Limpa não tem nada a ver com a extinção da publicidade do ambiente urbano. Trata-se, na verdade, de potencializar a exploração comercial de alguns espaços da cidade: retirar o excesso para tornar mais efetiva (e rentável) a veiculação de publicidade.

Em um primeiro momento, a proibição de anúncios trouxe alívio aos olhos e mentes superexpostos aos impulsos da propaganda. A segunda fase da Lei, em curso neste momento, pretende identificar e vender pontos-chave para que a exploração publicitária aconteça de forma “ordenada”.

Os critérios de “ordenamento” são vagos. Fala-se que apenas o loteamento da cidade em regiões para grandes empresas de marketing poderá fornecer recursos para equipar a cidade com mobiliário urbano como pontos de ônibus, bancos e lixeiras.

No entanto, em regiões nobres da cidade, o poder público vem investindo em mobiliário urbano pronto para ser explorado comercialmente (vide a quantidade absurda de lixeiras de concreto instaladas na Av. Paulista).

A política faz parte da “sedução” à iniciativa privada: oferecer pontos importantes e prontos para o uso deverá facilitar o negócio com as gigantes da propaganda, que provavelmente só será concretizado no biênio que antecede a próxima eleição municipal, quando a propaganda deve voltar definitivamente e em esquema de monopólio (ou, no máximo, oligopólio) “ordenado”.

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Qualquer estagiário de comunicação ou publicidade sabe que o excesso de informação e de estímulos visuais do mundo contemporâneo causa dispersão e dificulta a transmissão das mensagens. As redes de televisão descobriram há muito tempo que o controle remoto é um dos principais inimigos de seus departamentos de marketing.

Exibir a programação em um ambiente confinado é uma oportunidade incrível para as empresas de comunicação conseguirem manter sua presença na mente da população em um mundo fragmentado e disperso. E manter a presença na mente da população significa, essencialmente, preservar o poder político destas empresas no país.

Não se trata de teoria da conspiração ou radicalismo: é fato que a mídia brasileira, em especial a televisão, desempenha um papel que vai muito além da “mediação” de informações. Também é fato que o poder público quase sempre se curva aos interesses destas empresas.

Não seria diferente com a exibição de conteúdo ao vivo das grandes redes comerciais dentro dos ônibus. Não foi preciso nenhum movimento, protesto, ação judicial ou contestação pública das emissoras para que a Prefeitura revogasse uma determinação anterior para atender ao interesse das empresas. A SMT lavou as mãos. O secretário Alexandre de Moraes não se pronunciou sobre o assunto. Assinou a portaria e transferiu a responsabilidade à SPTrans, órgão que é o “patinho feio” do setor de transporte da capital.

A exposição compulsória de passageiros de ônibus à programação televisiva das redes comerciais é uma afronta. Não apenas porque o transporte coletivo da capital é caro e ainda muito aquém dos padrões mínimos de qualidade, mas também (e principalmente) por ser extremamente invasiva. Ninguém pode ser obrigado a ser exposto algumas horas do dia a telas com mensgens compulsórias, ainda mais dentro de um veículo que deveria servir ao transporte, um direito do cidadão.

Sorria, você será manipulado. E vai pagar R$2,30 por isso.
TVs em ônibus ficam silenciosas – Nós
Novo Bilhete Único de crédito para o endividamento em massa

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Sorria, você será manipulado (e vai pagar R$2,30 por isso)

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arte: cc tele-tubbies
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A notícia publicada na internet nesta segunda-feira era assustadora: “Ônibus de SP começam a transmitir programação da TV Globo”. Parecia piada de Primeiro de Abril, mas não era.

Na primeira fase do projeto, as televisões instaladas dentro de alguns ônibus da capital exibiriam trechos das novelas e de alguns programas jornalísticos no estilo programa de fofocas – apenas os “melhores momentos” com legendas em letras garrafais. Em seguida, a ideia era explorar o potencial trazido pela TV digital e transmitir ao vivo a programação para dentro dos ônibus.

Vale lembrar que o modelo da TV digital brasileira, aprovado pelo ex-funcionário da Globo e ministro das Comunicações Hélio Costa, atendeu a quase todas as exigências feitas pelas emissoras de televisão.

Um dia depois do anúncio, a Prefeitura resolveu suspender o projeto baseada em uma frágil portaria que prevê que o conteúdo das televisões dentro de ônibus deve ser enviado com uma semana de antecedência para a avaliação da SPTrans, o que inviabilizaria a exibição de programação ao vivo ou mesmo do resumo das novelas.

“Frágil” pois a história de adaptações da lei em benefício da emissora não é exceção. A Globo nasceu de uma ilegalidade: em 1962, o grupo de Roberto Marinho assinou um contrato ilegal com o grupo estrangeiro Time-Life (a participação de grupos estrangeiros em empresas de comunicação brasileiras era ilegal na época), conseguindo capital suficiente para montar o seu canal de televisão. Ficou por isso mesmo. Em 1970, a única emissora que poderia concorrer com a Globo em escala nacional (a Excelsior) teve sua concessão cassada pela ditadura militar. Nascia aí o maior monopólio comunicacional do país.

Para quem já contrariou a Constituição Federal, não será difícil superar uma portaria municipal.

A emissora que nasceu no Rio de Janeiro agora consolida seus domínios no território paulistano, centro econômico e político do podre país. A ex-prefeita Marta Suplicy chegou a mudar o nome de uma avenida em homenagem ao Cidadão Kane brasileiro. É de Marta também o projeto da ponte estaiada, concluído com euforia pela gestão Serra-Kassab e transformado antes do nascimento em “cartão postal da cidade”. Coincidentemente, o “cartão postal” fica ao lado da sede da emissora, construída no maior foco recente de especulação imobiliária, a chamada “região da Berrini”. A principal função da ponte é servir de cenário para o telediário oficial da cidade, o SPTV, exibido pela emissora dos Marinho.

O projeto de exibir conteúdo de uma emissora de televisão dentro de um espaço que, em última instância, pode ser chamado de “público” (o ônibus) é uma afronta ao bom senso e uma cusparada na cara de quem usa o (ainda) péssimo transporte público sobre pneus. Transformar um direito (o transporte) em veículo de colonização mental e tele-imbecilização compulsória é repugnante. Mais assustador ainda se considerarmos que o direito ao transporte é vendido ao cidadão.

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arte: cc tele-tubbies
[versão alternativa]

A inciativa da Globo não é única, ela apenas se antecipou à concorrência. Outras emissoras, como Record e Bandeirantes, também tem planos para utilizar os ônibus como veículo de tele-idiotização em massa. Sendo o transporte coletivo sobre pneus em São Paulo um grande negócio, e não um direito da população, é difícil imaginar que as iniciativas não irão vingar.

Uma televisão compulsória deve ser o sonho de todo canal de televisão na era da fragmentação digital. E certamente é mais um passo para a materialização de sonhos totalitários recorrentes na história humana.

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