sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Rondônia - Ivo Cassol - Basta cassá-lo?

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Basta cassá-lo? O governador está no limiar da degola, envolvido com falcatruas, mas a Era Cassol ameaça continuar, com a colaboração do senador Expedito.


Por Leandro Fortes, de Porto Velho

O cenário é a Expovel 2009, última edição da tradicional feira de exposição agropecuária realizada em Porto Velho, capital de Rondônia, ocorrida em junho passado. Em um estande da emissora de tevê local RBR, o apresentador, um caboclo de peruca loira e óculos escuros de lentes gigantes, dá gritinhos afetados para simular, aparentemente, uma paródia gay de um quadro clássico do Programa Raul Gil. Ele alinha diante de si uma série de chapéus com as abas voltadas para baixo, de forma a esconder os nomes grafados no fundo do forro. A brincadeira consiste em instar um convidado a tirar ou não o chapéu, na forma de reverência simbólica, para o nome. O convidado, ninguém menos que o governador do estado, Ivo Narciso Cassol, esforça-se para transformar constrangimento em irreverência, mas o resultado, como era de esperar, é desastroso. Consegue, no máximo, reforçar uma caricatura de si mesmo.

A participação do governador em programas desse tipo revela bem os caminhos tomados pela política vigente em Rondônia, estado com 1,3 milhão de habitantes. Eleito pelo PPS, em 2006, Ivo Cassol não tinha partido até o mês passado, quando ingressou no PP de forma ilegal, segundo o procurador regional eleitoral. Processado em todas as instâncias judiciais possíveis, nas áreas criminal, eleitoral e administrativa, Cassol está prestes a ser julgado – e cassado – pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por encabeçar uma chapa eleitoral com configuração de quadrilha. Juntamente com o senador Expedito Júnior (RO), também cassado, mas com mandato garantido por uma chicana regimental do Senado Federal, o governador é, possivelmente, protagonista do único caso registrado de compra de votos com depósito em conta corrente da história universal da corrupção moderna.

Pelo menos a denúncia apresentada pelo ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Sousa, encaminhada ao Supremo Tribunal Federal, em 3 de agosto de 2007, não deixa margem a dúvidas. No documento, o esquema de corrupção eleitoral em Rondônia, levado a cabo em setembro de 2006, é demonstrado passo a passo. De acordo com o ex-procurador-geral, com base em inquérito aberto pela Polícia Federal, Ivo Cassol doou, por meio do comitê financeiro de campanha do PPS, 200,5 mil reais para a campanha de Expedito Júnior ao Senado. Logo em seguida, essa quantia foi utilizada para comprar votos de servidores da empresa de segurança Rocha Segurança e Vigilância Ltda., mediante pagamento de 100 reais para cada vigilante subornado – com dinheiro depositado em conta corrente de todos os subornados.

Flagrado pela PF, Ivo Cassol ainda tentou montar uma farsa para justificar os pagamentos, graças a uma falsa arrecadação de dinheiro, auxiliado na operação por um empresário da região, Libório Hiroshi Takeda. O expediente não deu certo. O governador apelou então para a intimidação pura e simples de cinco vigilantes, que, além de não concordarem em receber a propina, denunciaram o esquema de compra de votos aos federais. Os funcionários passaram a ser seguidos e assediados por policiais civis e a casa da mãe de um deles foi atacada a tiros. Os disparos foram deflagrados do interior de um carro, posteriormente identificado como viatura da Polícia Civil de Rondônia.

Escutas telefônicas realizadas pela PF constataram ainda que dois delegados da Polícia Civil, Hélio Lopes Filho e Renato Eduardo de Souza, ambos denunciados pelo ex-procurador-geral, forjaram depoimentos de testemunhas favoráveis a Ivo Cassol e Expedito Júnior. Uma delas, Agenor Martins de Carvalho, o “Japa”, era motorista do deputado estadual Euclides Maciel (PSL), então líder do governo na Assembleia Legislativa.

Sem escapatória e sob a sombra de uma nova ação judicial, desta feita por improbidade administrativa, Ivo Cassol passou a apostar no medo dos abastados locais, e com o apoio das dezenas de sites noticiosos patrocinados pelo governo estadual na internet começou a se apresentar como uma espécie de Luís XV da Amazônia. Ousado recurso: aquele rei, autor da frase “depois de mim, o dilúvio”, precedeu a Revolução Francesa, sucedido por Luís XVI, o soberano guilhotinado. Mesmo assim, impávido, Cassol tem alegado que, sem ele, a economia do estado irá à bancarrota.

Para reforçar o discurso, conseguiu articular uma campanha local feita nos moldes do fracassado “Cansei”, da elite paulistana contra o governo Lula, aquela comandada pelo promotor de eventos João Dória Jr. O “Movimento Pró-Rondônia” foi organizado pela Federação das Indústrias de Rondônia (Fiero) e entidades ligadas a empresários do comércio local. Tem como missão lutar pela “estabilidade política” no estado, decorrente da possibilidade de Cassol ser cassado pelo TSE. Em manifestações montadas em Porto Velho, segundo apuração do Ministério Público Federal, os servidores estaduais têm sido obrigados a participar dos eventos, sob ameaça de perseguição funcional ou, no caso dos 7,2 mil funcionários comissionados, demissão sumária.

Sem argumentos legais para brigar na Justiça, Cassol decidiu eleger um culpado por tudo de ruim que acontece a ele: o procurador da República Reginaldo Trindade, única autoridade em Rondônia a enfrentar, de fato, o governador. O nome de Trindade estava gravado no forro de um dos chapéus levantados no programa da RBR pelo tresloucado apresentador de peruca loira. Na oportunidade, confrontado com o nome do inimigo, o governador, claro, negou-se a tirar o chapéu. E listou os motivos: “Esse homem tira tudo meu, meu sono, meu sossego”.

Na verdade, o procurador começou a tirar o sono e o sossego do governador quando ainda era promotor de Justiça, entre 1996 e 2002, na comarca de Rolim de Moura, município cujo prefeito de então era Ivo Cassol. Como representante do Ministério Público Estadual, Reginaldo Trindade investigou um esquema de fraudes nas licitações feitas pela prefeitura e, ato contínuo, ingressou com oito ações civis de improbidade administrativa contra Cassol e diversos auxiliares. Desde então, o clima entre os dois é de guerra em campo aberto, embora nem sempre o governador tenha optado por uma luta limpa.

Em audiências públicas e entrevistas à imprensa, Ivo Cassol costuma chamar o procurador da República de “psicopata com índole vingativa”. Para neutralizar a ação de Trindade, o governador organizou dossiês caluniosos repassados a jornalistas amigos e tentou representar contra ele no Conselho Nacional do Ministério Público. Também levantou uma exceção de suspeição contra o procurador no TRE para tentar anular o processo de cassação no qual acabou condenado, em novembro de 2008. Manteve-se no cargo porque o tribunal não seguiu a jurisprudência em voga de também citar judicialmente, no mesmo processo, o vice-governador. “Não tem jeito”, resigna-se Reginaldo Trindade. “Para se fazer de vítima, ele (Cassol) passou a me acusar de responsável por todos os males e problemas que enfrenta na Justiça”, avalia.

Essa disposição se tornou mais clara ainda no ano passado, quando a Operação Titanic, da Polícia Federal, prendeu o filho do governador, Ivo Júnior Cassol, e um sobrinho, Alessandro Cassol Zabott. Capturados no Espírito Santo, em abril de 2008, os dois foram parar na cadeia por suspeita de tráfico de influência dentro do governo estadual. Trindade garante nem sequer ter sido informado da ação policial. Cassol apressou-se, porém, a acusá-lo na imprensa de ser responsável pela nova perseguição ao clã. “Nunca participei dessa investigação”, diz Trindade. “O governador deduziu que eu estaria envolvido porque um dos procuradores do caso foi meu colega de turma no Ministério Público”, explica.

O processo político de Rondônia é vítima de um paradoxo com potencial de, num futuro próximo, gerar ainda mais instabilidade no estado, caso se confirme a cassação de Ivo Cassol pelo plenário do TSE. Isso porque, embora afundado em denúncias de corrupção, compra de votos e uso ilegal da máquina pública, Cassol detém enorme poder institucional e político. Dos 24 deputados estaduais da Assembleia Legislativa de Rondônia apenas três, todos do PT, são de oposição. Mesmo assim, com atuações bem tímidas. Cassol também comanda abertamente o Tribunal de Contas do Estado e tem ingerência direta em diversos sindicatos locais, inclusive o dos jornalistas. Dos mais de 60 sites jornalísticos existentes no estado – um fenômeno nacional de internet –, apenas um, o “Tudo Rondônia”, do jornalista Rubens Coutinho, lhe faz oposição.

Dessa forma, a provável cassação não deverá significar o fim da Era Cassol em Rondônia, mas uma variação sobre o mesmo tema, graças à legislação eleitoral, além da boa vontade do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), no caso do senador Expedito Júnior. Para se ter uma noção da situação emblemática de Rondônia, os problemas do governador transcendem a cassação. Há três meses, o juiz federal Flávio da Silva Andrade determinou o afastamento de Cassol do cargo por crime de improbidade administrativa. A origem foi uma ação assinada por três procuradores da República, entre os quais Reginaldo Trindade, na qual se acusa o governador e quatro delegados da Polícia Civil pela utilização da máquina de segurança pública para intimidar testemunhas do caso da compra de votos.

No Tribunal de Justiça do estado, quase no fim do prazo de 48 horas determinado pelo juiz federal, o desembargador Tourinho Neto acatou um recurso dos advogados de Ivo Cassol e ordenou a permanência dele no cargo. Um mês depois, em junho passado, o Ministério Público Federal de Rondônia, por meio da Procuradoria-Geral Eleitoral, revidou com um recurso contra a expedição de diploma junto ao TSE. Na ação, também relativa à acusação de compra de votos, pediu a cassação de Cassol e, finalmente, também do vice, João Cahulla.

No TSE, o relator do processo de cassação de Ivo Cassol é o ministro Arnaldo Versiani. Todos os pareceres técnicos sobre a ação, avalizados por servidores do tribunal, apontam para a culpa do governador e seu decorrente afastamento do cargo de governador de Rondônia, mesma trilha a ser tomada, um degrau abaixo, pelo vice-governador. Os demais ministros trabalham com a previsão de que o caso seja posto em pauta pelo presidente do tribunal, ministro Ayres Brito, ainda na primeira quinzena de setembro. Cassol torce para esse prazo se estender até outubro.

Explica-se: de qualquer maneira, tanto o governador Ivo Cassol como o senador Expedito Júnior, mesmo cassados agora, só ficarão inelegíveis até outubro. Isso porque a lei eleitoral de inelegibilidade prevê essa punição por três anos a partir da eleição na qual foi constatado crime eleitoral – e não da data da cassação. Como ambos foram eleitos em outubro de 2006, a dupla vai estar logo disponível ao eleitor rondoniense. Expedito Júnior talvez nem esteja sem mandato, porque a mesa diretora do Senado se recusa a acatar a decisão do TSE, com base em uma interpretação do regimento interno. Assim, o senador José Sarney decidiu não tomar providência alguma até esgotados todos os recursos judiciais possíveis, sejam lá quais forem.

Estranhamente, o mesmo tratamento não teve, em 2004, o senador João Capiberibe, do PSB do Amapá. Cassado pelo TSE, sob acusação de ter comprado dois votos a 26 reais cada, Capiberibe foi praticamente enxotado do Senado, apesar do pedido assinado por 51 senadores para que a mesa diretora lhe desse mais tempo para recorrer da decisão. Naquela época, presidia o Senado Federal o mesmíssimo José Sarney, adversário político de Capiberibe no Amapá, hoje tão zeloso quanto aos direitos de Expedito Júnior.

No caso de Cassol, a perspectiva é particularmente alentadora. Como não houve segundo turno nas eleições de 2006, a decisão do TSE deverá seguir o modelo adotado na sentença proferida, em junho, quando foi cassado o governador de Tocantins, Marcelo Miranda (PMDB). Na falta de segundo turno no estado, o cargo deixado terá de ser ocupado mediante eleição indireta, exclusiva da Assembleia Legislativa. Na segunda-feira 24, o Supremo Tribunal Federal negou uma ação de Miranda para tentar anular o processo no TSE, onde a cassação poderá ser referendada a qualquer momento. Há, porém, uma diferença entre um caso e outro.

Em Rondônia, com a Assembleia sob controle, Ivo Cassol preocupa-se apenas em ajeitar as coisas, no caso de acontecer o pior. Se a eleição indireta for realizada a partir de outubro, ele poderá indicar, inclusive, o senador Expedito Júnior para sucedê-lo em um mandato-tampão, com direito à reeleição. Isso porque, em 2010, Cassol pretende se candidatar ao Senado Federal. “Promover uma mudança política em Rondônia será muito difícil”, avalia a senadora Fátima Cleide (PT), segunda colocada na eleição estadual de 2006. “Com eleição indireta, é certo que o próximo governador que assumir vai ficar na mão dele (Cassol)”, afirma.

Até lá, no entanto, o Ministério Público Federal promete não dar paz a Cassol. Na sexta-feira 21, a Procuradoria Regional Eleitoral de Rondônia ingressou no TRE com outro pedido de decretação da perda do mandato do governador, desta vez, por infidelidade partidária. Ao sair do PPS e se filiar ao PP, alegam os procuradores, Ivo Cassol deixou de cumprir os requisitos legais da Justiça Eleitoral. Segundo o procurador regional eleitoral Heitor Alves Soares, Cassol se filiou à nova sigla antes de se desvincular formalmente do partido pelo qual foi eleito governador do estado. Soares baseou-se em uma resolução do STF sobre o assunto para pedir mais uma cassação de Cassol.

Procurado por CartaCapital, o governador não quis se manifestar sobre o julgamento no TSE. Por meio da assessoria de imprensa, informou estar tranquilo e certo de que não será cassado.

Fonte: Carta Capital

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