por Rui Ferreira
Os paulistas estão com sorte. Nos próximos meses, poderão desfrutar de dois prazeres artísticos que, normalmente, só são apresentados juntos em Paris. Tratam-se das exposições de dois mestres da fotografia francesa: Henri Cartier-Bresson (1908-2004) e Robert Doisneau (1912-1974).
Considerados por muitos críticos como os “pais” da fotografia moderna francesa – ao lado de Jacques Henri Lartigue (1894-1986) –, os dois artistas sempre afirmaram que, se fossem “pais” de alguma coisa, seriam do fotojornalismo moderno, terreno onde se destacaram e deixaram uma legião de admiradores, inclusive no Brasil.
Os registros históricos de Bresson
Henri Cartier-Bresson entrou definitivamente para a história da fotografia em 1948, quando estava na Índia e acompanhou o líder do movimento de independência indiana, Mahatma Gandhi (1869-1948), por uma semana. O que os dois nem imaginavam é que esta seria a última da vida de Gandhi, que foi assassinado quase que diante dos olhos e das lentes de Cartier-Bresson. São dele as mais importantes fotografias da agonia de Gandhi. Apesar de lamentar a morte do indiano, Bresson declarou que nada o impediria de registrar esse momento histórico. Alguns o criticaram por isso.
Mais tarde, Bresson viajou para a China, onde fez as mais conhecidas imagens da Revolução Cultural chinesa (1966-1976), a exemplo da fotografia dos últimos eunucos imperiais, antes que os guardas vermelhos assassinassem a maioria.
Outro momento importante do fotógrafo francês aconteceu na antiga União Soviética. Quando José Stalin morreu, o embaixador soviético em Paris, sensível à obra de Bresson, entregou-lhe imediatamente um visto para Moscou, sem ao menos consultar seus superiores. E Cartier-Bresson regressou do país com a primeira imagem de Nikita Kruschev, depois que este assumiu o poder e liderou a ex-União Soviética de 1953 a 1964. Foi a primeira vez que os franceses, e o mundo, puderem ver como viviam os soviéticos na Rússia do pós-guerra. As fotografias foram publicadas em diversas revistas pelo mundo.
Em São Paulo, a exposição é baseada no livro “Henri Cartier-Bresson, Fotógrafo”. Apesar de não ser a melhor coletânea do fotógrafo, é possível ter uma ideia da sua obra. São 133 imagens feitas em 23 países, no período de 1926 a 1979, e provam a capacidade poética que Bresson conseguiu destacar nos detalhes aparentemente mais insignificantes.
A mostra é acompanhada de uma exposição paralela, chamada “Bressonianas”, que reúne obras de sete brasileiros considerados seguidores de Bresson, entre eles Carlos Moreira, Cristiano Mascaro e Marcelo Buainain.
Os ensaios fotográficos de Doisneau
Lembra-se daquela fotografia de dois “namorados” se beijando diante de um café à beira do rio Sena? Pois é. Eles nem eram namorados, nem sequer se conheciam, mas a imagem se transformou na fotografia mais conhecida de Robert Doisneau. Na verdade, eles eram atores contratados pelo fotógrafo. É que Doisneau - apesar de ser tão bom como Cartier-Bresson, ainda que muitos discordem da comparação -, sempre prestou atenção à fotografia artística. A “mentirinha” foi descoberta em meados dos anos 1970, quando a moça, já uma avó de família, revelou a montagem a uma revista francesa, que estava organizando um concurso para descobrir por onde estava o casalzinho.
A fotografia foi, durante décadas, definida como a “captura de um instante fugaz, mas real”. A falsificação do instante dos dois apaixonados do rio Sena – conhecida como “O Beijo do Hotel de Ville” - nunca foi rechaçada nem pela crítica nem pelo público. Pelo contrário, a obra de Doisneau saiu imaculada da revelação, entre outras razões porque a imagem tinha uma particularidade única: até o momento em que foi flagrada, não existia na França um só registro de um casal se beijando à beira do Sena, um pecado quase mortal num país que se vende como a “pátria dos apaixonados”.
Nos anos 30, Doisneau começou a levar sua câmera Leica para o trabalho, na fábrica de automóveis Renault, sem imaginar que estava criando uma vertente do fotojornalismo: o ensaio fotográfico. Durante décadas, ao mesmo tempo que montava automóveis, Doisneau foi fotografando o ambiente que o rodeava, os colegas operários, os automóveis tomando forma, os momentos de descanso, as greves, além de imagens do cotidiano relacionadas ao mundo do automóvel.
Parte desta trajetória de Doisneau pode ser conferida na exposição em São Paulo, que traz 106 imagens nas quais o autor explora ao máximo as cenas da vida comum. Apesar da popularidade da fotografia a cores, Doisneau nunca se rendeu aos seus encantos e, para ele, o mundo sempre esteve entre o preto e o branco, passando pelo cinzento. Diziam até que esta era a sua tonalidade preferida.
Fonte: Opera Mundi
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