quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Petróleo - Nem Iraque nem Venezuela

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Petróleo - Nem Iraque nem Venezuela



Para o físico Luiz Pinguelli Rosa, devemos nos espelhar na Noruega.

Entrevista concedida a Sergio Lirio - na Carta Capital

Após deixar o comando da Eletrobrás, em 2004, o físico Luiz Pinguelli Rosa voltou à universidade decepcionado com a incapacidade do governo Lula de reorganizar o setor elétrico, destruído pela malfadada experiência de liberalização na administração de Fernando Henrique Cardoso e pelo racionamento de 2001. O físico, escaldado, alimentava uma renitente dúvida sobre o modelo de exploração do pré-sal alinhavado no Planalto. Mas desta vez seus piores temores não se concretizaram. “Saiu até melhor do que eu esperava”, disse à CartaCapital o atual diretor da Coppe, o centro que organiza os programas de pós-graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo Pinguelli Rosa, o governo age certo ao dar sentido de urgência aos projetos encaminhados ao Congresso. Por quê? “A taxa de corrupção pode diminuir.”

CartaCapital: O que o senhor achou da proposta do governo?
Luiz Pinguelli Rosa:
Saiu até melhor do que eu esperava. A principal mudança é a adoção do modelo de partilha e não da concessão. Isso dá maior poder ao Brasil sobre o destino do petróleo. Também acho importante garantir à Petrobras o papel de empresa tecnológica, responsável pela exploração e operação. Assim se permite a continuidade de investimentos da indústria brasileira, como a Petrobras já faz. Outro ponto importante é o fundo para onde se destinará parte dos recursos. Só espero que essa receita, no futuro, não vá toda para garantir o superávit primário, como aconteceu no caso da CPMF. Tem de ser direcionada para desenvolver o Brasil, atenuar nossa desigualdade social, investir em tecnologia e infraestrutura. O petróleo, além disso, não deve matar nossa vantagem na utilização de hidreletricidade e combustíveis renováveis. O fundo deve ser pensado também para o controle de emissões de gases de efeito estufa e no uso de fontes alternativas de energia.

CC: O senhor acha necessário criar uma nova estatal?
LPR:
É uma maneira de fazer as coisas. E nem é a essência do modelo. É como a pedra na sopa de pedra. Poderiam tirá-la e tomar a sopa, mas com ela tudo bem, é uma maneira. A Petrobras é uma empresa de economia mista. Para operar a parte contábil da operação, cria-se uma estatal. Não é nenhum bicho de sete cabeças. A Noruega faz isso. É uma cópia do modelo norueguês.

CC: Ao mesmo tempo, o governo decidiu fazer uma capitalização da Petrobras.
LPR:
E ela poderia ser até maior.

CC: Mas se há o objetivo de ter o controle estatal e há a ideia de capitalização, não faria mais sentido, dentro dessa visão, simplesmente reestatizar a Petrobras?
LPR:
Não é o estilo do presidente Lula. Acho que ele já foi no limite. A reação na imprensa é uma coisa horrorosa. Os jornais de hoje (terça-feira 1º) me dão a impressão de estarmos às vésperas da derrubada do João Goulart. Eu vi na televisão algumas pessoas tremendo a boca de raiva. Existe um desequilíbrio emocional, acho que o espírito do Roberto Campos baixou, alguma coisa assim. O governo Lula é um moderado, com um componente nacionalista. Não chega a ser um governo nacionalista.

CC: Não será criada uma barafunda institucional com a Petrobras, a Petrosal, a ANP? Uma entrando no território da outra?
LPR:
Há sim uma complicação institucional, mas é o preço do neoliberalismo anterior. Veja o setor elétrico brasileiro, reformulado no governo Fernando Henrique. É um desastre, uma confusão. Temos a agência reguladora, a Aneel, o operador do sistema, o mercado atacadista. Uma bagunça. E temos hoje a tarifa mais cara de energia do mundo. É muito mais fácil administrar um sistema mais unificado, ao estilo francês, com uma grande empresa nacional e, talvez, algumas outras locais. Você tem razão. É um sistema complicado, ao estilo neoliberal. O Lula não rompeu com esse estilo.

CC: Houve muitas reclamações das empresas privadas...
LPR:
Reclamações é uma gentileza sua. Foram estrebuchos (risos).

CC: O sistema de partilhas e o papel predominante da Petrobras não vão afugentar os investidores privados? Será possível tocar essa operação sem eles?
LPR:
Se não houver interesse privado, paciência. Então o governo pode optar por deixar só a Petrobras. Mas não me parece o caso. Os privados estão na Venezuela. Poucos realmente saíram de lá, apesar da birra com o governo Chávez. Outros entraram. O setor privado não está na China? A China o que é? É um país estatal. Isso é uma besteira, acho uma espécie de chantagem. Se der lucro, eles estarão.

CC: Falou-se, no evento de lançamento do modelo, que a capitalização da Petrobras custaria o equivalente a 10 dólares por barril. O preço internacional está em 60 dólares. Faria sentido para a Petrobras?
LPR:
É mais uma manobra contábil. As empresas privadas fazem todo o tempo isso umas com as outras nas fusões. É a mesma coisa, nada muito diferente. Não acho que os valores estejam definidos.

CC: Qual seria a melhor estratégia para o País: produzir mais e rápido, na tentativa de desfazer gargalos sociais e de infraestrutura históricos, ou se adequar à demanda mundial?
LPR:
A segunda hipótese. Temos de adequar a um ritmo nacional, uma vez que toda vantagem da mudança do sistema para partilha é ter mais controle do fluxo de petróleo produzido. Não acho bom o Brasil virar um novo Iraque. Nem uma Venezuela. É bom continuarmos como somos ou nos parecermos com a Noruega, que não vive só de petróleo.

CC: O governo foi, voltou e, por fim, decidiu encaminhar o projeto ao Congresso em regime de urgência. É preciso pressa para discutir esse assunto?
LPR:
É melhor o regime de urgência.

CC: Por quê?
LPR:
A taxa de corrupção pode diminuir.

CC: Não aumenta?
LPR:
Quanto mais tempo, mais vão inventar modos diferentes de fazer as coisas. Acho um grande problema a pressão que o Congresso vai sofrer. Os lobbies vão estar lá. Sem falar na pressão da mídia, afinada com uma visão liberal das coisas. Essa coalizão pode enterrar esse projeto, pois ele é muito fácil de ser desmontado. Se tirar um pedaço, perde a coerência, vira um samba do crioulo doido. Não entendi até agora por que dividir em quatro projetos de lei em vez de mandar um só. É uma concessão ao Congresso e que complica a tramitação. Espero, ao menos, que o regime de urgência permita aos setores que se opõem à visão neoliberal se concentrarem, se organizarem para fazer um contrapressão aos interesses de grupos econômicos e à unanimidade da mídia.

Fonte: Carta Capital

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