por Leonardo Sakamoto
Neste inverno, São Paulo está alternando dias secos, de um ar vergonhosamente irrespirável, com trombas d’água, que transformam ruas e avenidas em córregos e rios.
Nos dias secos, as condições metereológicas agravam a poluição tornando a capital paulista insuportável. No fim de tarde, o sol fica vermelho-fogo dando boas vindas à lua dourada – tudo por conta da suspensão de partículas. Perdemos o horizonte (imagine uma neblina feita de sujeira que não se dissipa) e o céu da cidade. Quem chega de avião encontra um gigantesco aglomerado urbano envolto em um algodão sujo feito de pó. A situação mata aos poucos os habitantes da metrópole, além de causar doenças no curto prazo. O Estado diz que controla a emissão de poluentes, mas garante dinheiro a rodo para quem quer comprar automóveis em vez de investir o mesmo tanto em transporte coletivo, menos poluente. É a economia, estúpido!
Do que adianta uma lei que impede o fumo dentro de estabelecimentos, se do lado de fora somos todos fumantes passivos da metrópole?
Em cidades de inverno rigoroso, há governos estrangeiros que decretam feriado quando neva muito. Em lugares escaldantes, ondas de calor muito intensas liberam os trabalhadores de seus afazeres. Com isso, resguardam a saúde de seus moradores. O problema é que aqui, em São Paulo, o problema é invisível ou, melhor dizendo, translúcido. E, com isso, passa batido. Talvez também porque não dê para justificar por fúria da natureza as burradas que nós fizemos ao longo dos anos em nome do crescimento burro. Carros e motos demais, transporte coletivo de menos, indústrias operando de forma arcaica, padrão de consumo tosco.
Quem sabe a redução nos lucros, impostos e salários provocada pelo feriado forçado não mudasse a forma com a qual o setor empresarial, governo e sociedade encaram o problema?
Ao mesmo tempo, está chovendo em São Paulo. E muito. Para quem é de fora e não sabe, São Paulo é uma cidade impermeabilizada. Em que os rios foram retificados e seus cursos originais viraram avenidas. Que alagam no inverno e no verão. Em que quase toda terra nua que escoava a água foi coberta por asfalto e concreto. Que alagam no inverno e no verão.
E apesar dos lamúrios da classe média, que fica presa no trânsito, demorar para voltar para casa é o de menos. Pelo menos há a certeza de que ainda há uma casa para se voltar. O problema é quem chega e encontra a cozinha, a sala, o quarto, o banheiro alagados. Nas últimas madrugadas, barracos deslizaram, crianças morreram soterradas. E nos próximos dias, continuaremos a ver as cenas de sempre: alguém será levado pela correnteza e famílias perderão tudo, sendo alojadas em ginásios de escolas públicas. Vão ganhar espaço na mídia, mas o debate vai durar só até o asfalto secar. É principalmente na periferia, onde gente vale menos. Ou melhor, vale em anos pares, quando há eleição.
Eu gostaria muito que, um dia, uma grande chuva chegasse escura no meio da tarde. Veriam, em pouco tempo, tratar-se de um pé d’água bíblico, maior que as tempestades que atingem o planalto de Piratininga. E começasse a cair, toda ela, apenas nos bairros nobres da cidade. A água subiria com o lixo entupindo as bocas de lobo e iria inundar casas, encharcar tapetes, afogar alguns carros e arrastar colchões. O pessoal teria que ir para algum hotel, mas os hotéis também estaria alagados, bem como as casas de amigos. Então, seriam construídos alojamentos emergenciais na Daslu, com uma fila de sopão de funghi. No mínimo, interessante ver os Jardins terem seu dia de ZL.
Talvez, com isso, seriam implantadas ações para amenizar o sofrimento desse povaréu, que foi empurrado para as várzeas e vales de rios pela especulação imobiliária e a pobreza. Dividindo a mesma situação, talvez enxergassem no outro não apenas um personagem da matéria da TV e sim um igual e juntos buscassem alguma solução.
Ou talvez não desse em nada. Mas pelo menos ia lavar a alma de quem é lavado pela chuva todos os anos.
Fonte: Blog do Sakamoto
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