segunda-feira, 2 de junho de 2008

Sobre a tortura contra equipe do DIA

por Marcelo Salles

Há cerca de um ano, o Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, concedeu entrevista coletiva sobre o esquema de patrulhamento durante o Jogos Pan-Americanos. A imprensa inteira estava lá. Lembro que os coleguinhas perguntaram bastante sobre os corredores viários que seriam monitorados, a composição de cada equipe da PM, a estratégia geral e etc. Quando chegou minha vez, perguntei: "E o que o senhor está fazendo para combater as milícias?". Beltrame deu uma resposta rápida. Em linhas gerais, disse apenas que estavam investigando. O secretário recebeu uma ajuda providencial de um repórter do Globo, que parece ter notado seu incômodo ao tratar do assunto e logo tratou de alternar a pauta: "Agora o senhor pode voltar a falar do patrulhamento?". o que foi feito, naturalmente.

Por que me recordo desta história? Porque o jornal O DIA deste domingo (1/6, imagem ao lado) traz uma matéria que relata uma sessão de tortura cometida por policiais contra uma equipe do jornal (repórter, fotógrafo e motorista). Roleta-russa, choques elétricos e sufocamentos com saco plástico foram alguns dos métodos utilizados. Quero prestar aqui minha solidariedade aos colegas agredidos, que felizmente estão a salvo em local seguro. Entretanto, não vou entrar no clima de "agressão à democracia" porque a violência foi dirigida contra jornalistas. Acho que toda vez que alguém é torturado nesse país, jornalista ou não, deveria servir para lembrarmos que o Brasil ainda precisa evoluir muito para ser considerado uma democracia.

Existe outro aspecto que precisamos reafirmar: a forma como as corporações de mídia trabalham é uma das principais causas da violência nas grandes cidades. Posso provar isto de inúmeras maneiras, a começar pela brutal concentração que existe no setor, que viola o artigo 220 da Constituição Federal e, portanto, configura uma violência contra o povo brasileiro, que é mantido refém de uma meia dúzia de conglomerados midiáticos. Também poderia ir pelo lado da publicidade capitalista, que sem dúvida é uma das maiores fomentadoras da delinqüencia que existe por aí. Isso fica claro quando vemos um produto ser transformado em objeto de desejo a ponto de um jovem matar outro para se apossar de um tênis. Mas vamos ficar com o exemplo das mal chamadas milícias, que não são outra coisa que não o crime organizado operando a partir da polícia, órgão subordinado à Secretaria de Segurança Pública (SeSeg). Quem vive no Rio de Janeiro e/ou acompanha a imprensa carioca sabe que as mal chamadas milícias sempre foram tratadas como um mal menor. Este é exatamente o mesmo olhar da SeSeg. Para as corporações de mídia e a SeSeg, o grande mal, o diabo na Terra, sempre foram os traficantes varejistas (aqueles que recebem o rótulo de "bandido" e, no coletivo, "tráfico", como se o tráfico também não operasse fora das favelas).

Também é preciso sublinhar que a cobertura da mídia voltada para a criminalização da pobreza compromete a segurança dos repórteres. Se os jornais associam favela à violência, é evidente que os moradores das favelas não pensarão duas vezes em entregar o trabalhador da notícia. Matemática pura: "Se você me agride com sua notícia, vou revidar". O pior é que o sujeito não sabe que quem define o tipo de cobertura não é o repórter, que geralmente procura desempenhar um bom trabalho, mas os donos das empresas, que muitas vezes nem jornalistas são. Claro que há repórteres que topam fazer o jogo do capitalista, mas esses, coitados, são meros reprodutores de imbecilidades.

Quem vive no Rio de Janeiro ouve denúncias, muitas delas, de que a polícia defende o Terceiro Comando e ataca o Comando Vermelho. Foi o que aconteceu em Vigário Geral, onde um morador me disse que a polícia chegou a alugar, por R$ 50 mil, um caveirão para os adversários do Comando Vermelho. É o que está acontecendo no Leme, nos morros Chapéu Mangueira e Babilônia, apesar de o sentido das reportagens a esse respeito ser outro. Quem vive no Rio de Janeiro também sabe muito bem que as mal chamadas milícias ocupam até algumas cadeiras na Assembléia Legislativa. E na Câmara de Vereadores. É tudo tão evidente que no ano passado dois parlamentares (um do DEM e outro do PMDB) foram presos debaixo de acusações de formação de quadrilha, homicídio e daí pra baixo. Ora, até que um sujeito consiga ser eleito com voto de redutos milicianos é preciso algum tempo. Não se criam tais condições da noite para o dia. Há pelo menos 3 anos as mal chamadas milícias não são novidade no Rio, quando o jornal O Globo publicou matéria a respeito. Ora, será que a SeSeg ainda não teve tempo para desarticular os quadrilheiros? E o governador Sérgio Cabral (PMDB), será que não sabia?

Infelizmente, fica parecendo que as autoridades competentes não podem ou não querem combater o crime dentro da polícia. É daí que nascem políticos corruptos e narcodeputados, que movimentam junto ao mercado privado o esquema de compra e venda das drogas e das armas que serão utilizadas para torturar ou matar nas favelas e esquinas do Rio de Janeiro.

Fonte: Fazendo Media


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