terça-feira, 3 de junho de 2008

Sem fazer a lição de casa

por Manuela Azenha

O papel da mídia na cultura da sustentabilidade. Este foi o tema escolhido para abrir o primeiro dia da Conferência Internacional 2008 – Empresas e Responsabilidade Social, que foi realizada entre os dias 26 e 30 de maio em São Paulo.

No Grande Auditório do espaço Anhembi, estiveram presentes Ignacio Ramonet, diretor-presidente do jornal Le Monde Diplomatique, Ingrid Bejerman e Pollyana Ferrari, professoras universitárias de jornalismo e Julio Moreno, coordenador do Núcleo de Jornalismo da TV Cultura.

No debate, a discussão foi centrada na contribuição insuficiente da mídia no desenvolvimento sustentável. Houve um consenso de que além da abordagem pouco aprofundada sobre esse tema, a imprensa como empresa socialmente responsável, “não tem cumprido sua lição de casa”, nas palavras de Pollyana Ferrari.
Segundo Ramonet, a mídia teria três objetivos primordiais. O primeiro seria o respeito à qualidade de informação. Citou uma pesquisa feita nos EUA revelando que 66% dos jornalistas norte-americanos acham que questões financeiras interferem no que é produzido. A publicidade, como financiadora principal das empresas de meio de comunicação, teria uma forte influência sobre os conteúdos abordados pela mídia. Exemplificou com os casos do tabaco e do amianto, que tiveram seus malefícios à saúde ocultados pela mídia por conta do peso de seus anúncios.

Em segundo lugar, o respeito ao cidadão. Mais uma vez, pela forte presença da publicidade, o cidadão seria confundido com consumidor. “O abuso da propaganda contamina o indivíduo, que é desviado de suas verdadeiras necessidades”.

Por fim, Ramonet falou da mídia como empresa com deveres socialmente responsáveis, estes que não cumpre. O maltrato aos empregados, a precariedade não só do jornalista mas do jornalismo em si, além do descuido com o meio ambiente.

Foi apontado pelos debatedores que a mídia falha em contribuir para o comportamento socialmente responsável. Tanto pela pauta jornalística, em que não há espaço para discussões aprofundadas sobre esse tema, quanto pela própria empresa midiática e sua relação pouco sustentável com a sociedade.
Quando questionados se as novas tecnologias seriam uma resposta às imperfeições dos meios de comunicações, Ramonet foi pouco otimista. Pollyana Ferrari ressaltou o papel importante da internet no fortalecimento de movimentos sociais como instrumento eficaz de divulgação, comunicação e organização.

Apesar de reconhecer as vantagens da internet, como no caso da realização do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, no qual foi um dos promotores, Ramonet diz que “A internet criou uma ilusão. Tínhamos a esperança de que seria a solução para a democratização da informação mas o que vemos hoje é que na maioria dos países, os cinco sites mais visitados são os das grandes empresas de comunicação”.

Em outras palavras, as fontes de informação se mantiveram as mesmas. “Não houve liberação nem transformação, ideais que o surgimento da internet trazia consigo”. Comentou também sobre os efeitos da inclusão ao jornalismo, provocados pelas novas tecnologias.“Com celulares, blogs, todos se sentem jornalistas, todos podem ser jornalistas. Então, cabe se perguntar: o que é um jornalista?”

A crise de identidade do jornalista se dá nesse cenário em que os meios sofrem de falta de credibilidade e os instrumentos técnicos são altamente difundidos. “Quando não há democracia, há a desconfiança de que a informação seja oficial, planfetária”. Afirmou que a tecnologia em si nunca é a resposta, mas sim, o uso dela. “O microfone ou o rádio não pode ser culpado pelo nazismo. O Hitler foi o responsável pelas suas idéias.”
O debate sobre o desempenho da mídia terminou com uma pergunta do público que ficou em aberto: como pode a mídia tratar da responsabilidade social se ela mesma não é socialmente responsável?

Fonte: Carta Capital
Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: