segunda-feira, 2 de junho de 2008

Repórteres de O Dia torturados: Liberdade de imprensa ou de empresa?

por Antônio Mello

É a pergunta que me faço, quando ouço e leio que a cruel situação vivida por três repórteres do jornal carioca O Dia está sendo vendida como um atentado à liberdade de imprensa.

Essa é uma visão equivocada, que tira o foco da verdadeira questão: como uma empresa jornalística deixa três de seus funcionários arriscarem suas vidas para produzir uma reportagem que tinha tudo para dar errado, e deu?

Se já é difícil uma matéria dessas num morro dominado pelos traficantes, onde você pode (pelo menos em tese – eu disse “em tese”) contar com o socorro da polícia, é um risco enorme colocar três repórteres incógnitos numa favela comandada pelas milícias, onde os bandidos são policiais. Nessas horas, nem rezando para Julinho da Adelaide para chamar o ladrão.

Descobertos, os repórteres foram barbaramente torturados, por mais de sete horas, e só não morreram sei lá por quê. Ou sei: a certeza da impunidade, o que ficaria mais difícil, caso eles fossem mortos, pois isso aumentaria a mobilização da sociedade.

Sei é que isso está sendo bastante explorado pelo jornal, tanto em sua versão de papel, como na online.

Vale o risco? Vale arriscar a vida de três repórteres? Por pouco, o caso não explodia na mesma data da morte de outro jornalista investigativo, Tim Lopes. Até hoje, passados sete anos, uma história ainda não de todo contada.

O jornalista Mário Augusto Jakobskind escreveu um livro sobre o tema, e numa entrevista levantou aspectos pouco aprofundados na época, como qual teria sido a responsabilidade do jornalismo da Globo no caso. Afinal, Tim Lopes havia recebido o Prêmio Esso, ficara conhecido – o que deveria ser um impeditivo para quem quer fazer matérias investigativas, na condição de anônimo infiltrado.

Tim Lopes foi o primeiro ganhador deste prêmio na categoria de telejornalismo. Ao receber o prêmio, em dezembro de 2001, a emissora em que trabalhava o apresentou publicamente em todos os noticiários. Uma das condições para quem faz jornalismo investigativo é se manter no anonimato. Quando sua imagem foi conhecida, a condição de jornalista investigativo deveria ser deixada de lado. Mas ele continuou e foi escalado para ir à Vila Cruzeiro, supostamente para cobrir um baile funk, onde, segundo a Globo, se praticava sexo explícito. A Globo diz que Tim Lopes apresentou a pauta, enquanto a viúva Alessandra Wagner garante que os planos dele eram deixar de lado as reportagens arriscadas, como a que foi escalado para fazer. O livro mostra tudo isso e apresenta também algumas contradições nos depoimentos de diretores da Globo, que uma hora falavam uma coisa e depois, outra. Quem ler com atenção os depoimentos e entrevistas vai verificar facilmente que muita coisa que foi dita não resiste a uma mínima análise.

Na entrevista, Jakobskind denuncia até o comportamento do Sindicato dos Jornalistas:

O caso Tim Lopes é um exemplo concreto de como funciona o esquema do pensamento único. Ou seja, através de um fato você apresenta ao leitor ou telespectador a "única verdade", simplesmente ignorando outros eventuais questionamentos que colocam em dúvida a versão oficial. Tendo como carro-chefe a Rede Globo, a opinião pública só foi informada sobre o assassinato de Tim Lopes no que interessava à emissora. Diretores da "Vênus Platinada" saíram em campo de uma forma avassaladora, vendendo a "verdade". Até mesmo na área sindical dos jornalistas, esses mesmos diretores, que antes da tragédia nunca chegaram a passar por perto da sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, que dirá entrar, participavam ativamente das mobilizações relativas ao episódio e de assembléias. A direção sindical, ao invés de se posicionar de forma isenta, aceitando pelo menos examinar as colocações que questionavam o procedimento da TV Globo, simplesmente fechou questão em torno da versão da emissora. Ficou parecendo que houve uma espécie de permuta, ou seja, transmitir a verdade da Globo em troca de cinco minutos de fama... Nunca o Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro apareceu tanto na tela da Globo como a partir daquele episódio.

E você, o que acha? Liberdade de imprensa ou liberdade das empresas jornalísticas, que se aproveitam do período difícil que atravessa o mercado de trabalho dos jornalistas (quando muitos são obrigados a engolir não apenas sapos mas até camelo...), para explorar ao máximo o trabalho de seus contratados?

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Fonte: Blog do Mello

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