segunda-feira, 16 de junho de 2008

País corre grande risco de déficit externo, diz Belluzzo



O economista e professor da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo entende que o Brasil corre um risco "muito grande" de um déficit externo. Integrante do conselho econômico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele defende a necessidade de frear o crédito no país e diz que a política de juros do Banco Central nos últimos anos torna o custo de combate à inflação mais elevado.

Em entrevista à Folha de S.Paulo publicada nesta segunda-feira (16), Belluzzo se define ideologicamente como "keynesiano socialista reformista", fala da crise internacional e defende a ação do governo em negócios privados.
Leia abaixo os principais trechos:

O maior problema da nossa economia é a inflação ou o câmbio valorizado?
Os dois. A valorização do câmbio reflete um equívoco intertemporal, palavra feia, da política monetária. Quando ocorreu a grande melhoria do cenário externo, o Brasil deveria ter baixado os juros mais do que baixou para impedir que o câmbio se valorizasse tanto. Hoje, é um problema pensar numa desvalorização cambial porque estamos no meio de um choque de commodities.

Agora estamos elevando uma taxa de juros real, a mais alta do planeta, por causa da inflação.
Exatamente. Estamos nessa situação porque o passado importa, ao contrário do que dizem os economistas. Há países em situação pior por conta da maior vulnerabilidade ao choque de commodities. Não podemos separar os fatores internos e externos. É claro que há um choque externo que pega a economia num momento de grande aceleração da demanda, e isso tem efeitos para contaminar o resto dos preços. É só olhar o núcleo da inflação. A inflação cheia está se acelerando, mas o núcleo também está.

O que é o núcleo?
Excluem-se os preços mais voláteis, como energia e alimentos. Com a demanda acelerada, a inflação começa a se espalhar pelo sistema de preços como um todo.

Há descoordenação entre as políticas fiscal e monetária? O BC precisa ser mais rigoroso ao elevar os juros para compensar um esforço fiscal aquém do necessário agora?
Houve custos fiscais com a política monetária. É preciso reequilibrar o jogo. É preciso o mínimo de compatibilidade entre as políticas fiscal e monetária. Por conta do passado, tem um pé que está faltando. Armínio Fraga [ex-presidente do BC] sugeriu regra de crescimento do gasto público. Se o PIB cresce a 5% ao ano, o gasto público cresceria até 2%, 2,5%. Estou de acordo.

O sr. participa de reuniões com Lula na qualidade de conselheiro. Por que ele não adota essa regra?
Foi sugestão sensata do Armínio, mas não foi discutida por nós. Falamos no aumento do superávit primário. A regra do Armínio é menos rigorosa do que recomendamos eu, o Delfim Netto [economista e ex-deputado federal], o Luciano Coutinho [presidente do BNDES] e o Guido [Mantega, ministro da Fazenda].

Existe a equipe econômica do B? Como são as reuniões de conselheiros econômicos com Lula?
Não existe equipe econômica do B. O Guido Mantega e o Henrique Meirelles [presidente do BC] estão lá presentes. Eles muitas vezes contestam veementemente o que a gente diz. O debate é assim mesmo. É preciso aprender a ter as suas idéias contestadas. No Brasil, o sujeito fica irritado quando alguém discorda dele. As reuniões são informais. Quando uma pessoa dá uma cavalada na outra, Lula pede para parar. Ele ouve muito. A discussão é aberta. Cada um fala o que acha. A Dilma [Rousseff, ministra da Casa Civil] vai quando pode. O Ciro [Gomes, deputado federal pelo PSB do Ceará] e o Aloizio Mercadante [senador do PT paulista] também.

A descoordenação das políticas fiscal e monetária legará bomba-relógio ao sucessor de Lula?
Não, pelo seguinte: o Lula tem uma peculiaridade. Ao contrário de outras personalidades, ele não tem medo de olhar a dificuldade de frente. Reconhece que é uma situação difícil. Ele disse: "Vamos nos antecipar para impedir que a situação chegue a um ponto irreversível". O Lula sabe que a inflação pega em cheio as classes menos abastadas porque viveu essa experiência na pele.

O governo elevou a meta de superávit primário de 3,8% do PIB para 4,3%. Nos bastidores, diz-se no governo que esse superávit pode chegar a 4,5% na gestão do caixa.
Pode, mas não quero me meter na gestão do Guido [Mantega]. Ele já está suficientemente pressionado. Acho que pode chegar a 4,5%, sim. Dependerá da gestão. O que sugeri é que tem de ser mais de 4,3%.

Essa elevação do superávit amenizará a alta dos juros?
O choque inflacionário e sua disseminação não são de fácil administração. A inflação ficará acima do centro da meta, que é de 4,5% ao ano. [A elevação do superávit] será suficiente para impedir que [a inflação] saia do controle.

Qual será a inflação deste ano?
De 6%, 6% e pouco, mas é difícil prever com exatidão. O importante é manter a inflação dentro da margem de dois pontos percentuais [para cima ou para baixo, faixa para absorver imprevistos].

Que outras medidas, além de subir os juros, o BC pode tomar para combater a inflação?
O BC pode cuidar da velocidade da expansão do crédito. Não é apenas o gasto público que está crescendo rápido. O crédito no Brasil ainda é pequeno na comparação com outros países, mas a velocidade do crescimento é muito grande.

A idéia de um fundo soberano foi muito criticada por especialistas. Para alguns, dourou-se a pílula para elevar o superávit primário?
Se fosse isso, já estaria bom [risos]. Daqui a dois anos, o Brasil terá uma condição privilegiada por conta da sua dotação de recursos naturais, agora da descoberta do petróleo. O preço do petróleo provavelmente não se manterá nesse nível. Vai ficar num nível satisfatório para tornar rentável a exploração das reservas. O Brasil não poderá ser tolerante com a inflação nos próximos dois anos. Tem de olhar para a frente e fazer um sacrifício para a hora em que a economia mundial iniciar a recuperação.

Esse modelo atual de desenvolvimento não levará o país a ser menos industrializado e mais dependente do setor de commodities?
É a questão colocada por todo mundo com o mínimo de juízo. Não podemos virar a Arábia Saudita dos trópicos. Seria um desastre. Não há necessariamente uma oposição entre uma boa dotação de recursos naturais, exportador de commodities e industrializado. O exemplo maior são os EUA do século 19 para cá. Os EUA conseguiram porque nunca houve país mais protecionista, graças ao pensador da manufatura americana, Alexander Hamilton, o primeiro secretário do Tesouro dos EUA, foi morto num duelo porque era mulherengo [risos].

O resultado do PIB no primeiro trimestre, impulsionado pelo gasto público, não é literalmente uma bomba-relógio inflacionária?
Estão crescendo o gasto público e o consumo privado por causa do crédito. O crédito cresce numa velocidade muito maior do que o gasto público. É preciso uma gestão de demanda. Deixar as duas coisas crescendo tem impacto explosivo. Aí é bomba-relógio.

Que medida deveria ser adotada para limitar o crédito?
Cuidado com as regras prudenciais do sistema financeiro. O BC tem de propor um conjunto de regras para que o sistema bancário seja mais restrito ao conceder crédito.

O sr. sugeriu isso a Lula?
Sugeri, sim.

Concorda com a teoria de que o Brasil sofre uma "inflação importada", contra a qual a elevação dos juros não adiantaria nada?
Não dá para fazer uma separação entre inflação importada e inflação interna. São as duas coisas.

O BC, então, acertou ao subir juros para combater a inflação?
O BC tinha de se adiantar ao perceber que a inflação estava mudando de patamar. Mas eu disse ao Meirelles: o problema é que, se a taxa de juros estivesse a 8,5% ao ano, e ele subisse meio ponto e depois mais meio ponto, não seria criado diferencial tão grande que afetaria a taxa de câmbio. A taxa de juros estava errada, estava errada. Quando as condições externas ficaram muito favoráveis, a taxa de juros tinha de ter caído mais rapidamente.

O Meirelles respondeu?
Ele é democrático. Estávamos almoçando. Não contestou. Fez um meneio com a cabeça.

Meneio de concordância?
Não sei (risos).

Há risco de crise no balanço de pagamentos na gestão Lula?
Risco muito grande. Os mesmos fatores que contribuem para valorizar o câmbio contribuem para deteriorar o balanço de pagamentos.

Se houver crise no balanço de pagamentos, quais os efeitos?
Uma crise em geral é antecipada pelos mercados. Se acham que há risco, eles vão se mandar. No que se mandam, haveria um salto [desvalorização] no câmbio. Seria o pior dos mundos. Nos próximos meses, com a mudança de patamar inflacionário, um choque cambial seria a pior coisa. Poderia haver inflação descontrolada.

A crise dos EUA resultará em perda de poder daquele país?
A solução dos problemas atuais não será feita sem a presença importante dos EUA. Os EUA vêm empurrando para o mundo uma crise desde os anos 70. O mundo tinha de se ajustar a eles. Agora, é mais complicado. Os EUA vão ter de negociar. Não conseguirão impor o ajuste ao mundo.

Como China, Índia e Europa reagirão à crise dos EUA e qual espaço ocuparão no futuro?
São e serão protagonistas mais importantes do que já foram. Boa parte do sistema manufatureiro dos EUA, com suas empresas, está no exterior. Os EUA têm o núcleo inovador da indústria. Continua ali. Mas, ao mesmo tempo, haverá maior partilhamento entre os países. A economia mundial tem outra estrutura. Houve mesmo uma globalização produtiva.

O BNDES deve atuar em negócios como a compra da Brasil Telecom pela Oi?
Deve. Uma das funções de um banco de desenvolvimento é estruturar empresas nacionais com capacidade de competição no exterior.

O caso Varig não é exemplo de que o governo Lula interfere em demasia nos negócios privados?
São os negócios privados que interferem nos Estados nacionais. É uma velha hipocrisia liberal achar que o Estado se mete na economia. É a economia que se mete dentro do Estado. Se houve favorecimento [no caso Varig], é outra questão, mas o Estado acaba sendo chamado a interferir. Pergunte a um grande empresário o que ele faz quando tem um problema. Bate à porta do governo. O governo deve ter regras do que pode ou não pode atender.

Fonte: Vermelho


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