segunda-feira, 2 de junho de 2008

Fases da luta anti-neoliberal

por Emir Sader

A luta contra o neoliberalismo já tem história, já passou por várias fases – da resistência ao inicio da construção de alternativas – e agora enfrenta um novo momento, o da contra-ofensiva da direita.
No mesmo ano do lançamento do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) -1994-, os zapatistas conclamavam a resistir à nova onda hegemônica. Ignacio Ramonet chamava, em editorial do Le Monde Diplomatique -1997-, a lutar contra o “pensamento único” e o Consenso de Washington.

O Forum Social Mundial – 2001 -convocava à construção de “um outro mundo possível”. As manifestações contra a OMC, iniciadas em Seattle – 2001 -, revelavam a extensão do mal estar com o novo modelo hegemônico e o potencial popular da luta de resistência. Era uma fase de resistência, de defensiva, diante da virada regressiva de proporções históricas gigantescas operada pela passagem de um mundo bipolar ao unipolar, sob hegemonia imperial norte-americana, e do modelo regulador ao modelo neoliberal.

No plano governamental, a consolidação da hegemonia neoliberal, produziu-se pela passagem da geração direitista inicial que a lançou – a de Pinochet, Reagan, Thatcher – para a segunda, que alguns dos seus protagonistas reivindicaram como a “terceira via” – Clinton, Blair, Cardoso -, ocupando quase todo o espectro político. Essa força compacta começou a ser furada com a eleição de Hugo Chavez na Venezuela – 1998 -, concentrando-se na América Latina a partir desse momento, com a derrota eleitoral dos principais promotores do novo modelo – Cardoso, Menem, Fujimori, Carlos Andrés Perez, o PRI -, revelando o seu fracasso.

No entanto, essa reação popular refletida nos triunfos eleitorais que sucederam ao de Chavez – Lula (2002), Kirchner (2003), Tabaré Vazquez (2004), aos que se pode acrescentar o de Daniel Ortega (2006) –, apresentaram um cenário diferente do que se pensava. Ainda que vitoriosos contra governos ortodoxamente neoliberais, esses novos governantes não apontaram para a ruptura com o modelo neoliberal, mantendo-o, com distintos graus de flexibilização – principalmente pelo peso que passaram a ter as políticas sociais.

Esses matizes, somados à opção pelos processos de integração regional – antes de tudo o Mercosul -, e à derrota da Alca – ao que eles colaboraram ativamente - revelavam, no entanto, diferenças significativas em relação aos governos que os antecederam, contribuindo para o surgimento de um cenário político inédito no continente, pela existência simultânea de uma quantidade de variadas formas de governos que se opunham aos tratados e políticas de livre comércio pregadas pelos Estados Unidos, assim como a sua política de “guerra infinita” – que teve apenas na Colômbia uma adesão explícita na região.

As vitórias de Evo Morales (2005) e de Rafael Correa (2006), ao lado do lançamento da Alba, do Banco do Sul, do gasoduto continental, da adesão da Venezuela e da Bolívia ao Mercosul, deram contornos mais amplos e fortaleceram um eixo de governos que, além do privilegio dos processos de integração regional, começavam a construir modelos de ruptura com o neoliberalismo, modelos neoliberais. O triunfo eleitoral de Fernando Lugo (2008) alarga o campo dos governos progressistas no continente, ao que pode somar-se proximamente El Salvador.

No entanto, a partir de 2007, depois de pega relativamente de surpresa pela proliferação de governos progressistas na região, a direita retomou capacidade de iniciativa. Estes governos haviam capitalizado, no plano eleitoral, o descontentamento social gerado pelas políticas neoliberais, avançando neste plano – o elo mais frágil da cadeia neoliberal.

Para recompor sua capacidade de iniciativa, a direita – cujo campo conta com a velha direita oligárquica e com as correntes social-democratas que aderiram ao neoliberalismo – lançou mão das esferas sobre as quais sua hegemonia não havia sido tocada ou que conservava, no essencial, sua força: o poder econômico e o mediático. Essa contra-ofensiva assumiu caras um pouco distintas em cada país, porém com elementos comuns: crítica da presença do Estado e de seus processos de regulação, dos processos de integração regional e com o Sul do mundo. Temas como a “corrupção” – centrado sempre nos governos e no Estado -, o desabastecimento, a autonomia dos governos regionais contra a centralização estatal, as supostas “ameaças” à “liberdade de imprensa” – identificada para eles com imprensa privada, etc.

Passada a surpresa da multiplicação de governos em que o controle do aparato estatal escapava a seu controle direto, a direita retomou a iniciativa. No Brasil, com as campanhas de denúncias contra o governo Lula; na Venezuela, depois da tentativa de golpe de 2002, na defesa dos monopólios privados da mídia, a corrupção e o desabastecimento; na Bolívia, contra a reforma agrária, a nova Constituição e o uso dos novos impostos à exportação do gás para que o governo central realize políticas sociais; na Argentina, contra formas de regulação de preços e o desabastecimento; no Equador, contra a nova Constituição e as novas formas de regulação estatal. Conta também com os dois principais governos de direita na região – México e Colômbia -, tentando abrir um processo de privatização da empresa estatal do petróleo, Pemex, no primeiro, intensificando o epicentro das guerras infinitas na região, no segundo caso.

Depois de ter ficado na defensiva nos anos de expansão da economia internacional, que favoreceu a obtenção de recursos do comercio exterior para intensificar suas políticas sociais, a direita retoma a ofensiva também neste plano, de denuncias sobre os riscos de retomada da inflação, sobre a necessidade de novos ajustes, de elevação novamente das taxas de juros, buscando retomar a prioridade da estabilidade monetária sobre a expansão econômica.

A fase atual está marcada pelo recrudecimento dos enfrentamentos entre os governos progressistas e a oposição de direita, no plano político e ideológico. As tentativas de desqualificação do papel do Estado ganha destaque central como tema centralizador do conjunto de debates e polêmicas entre direita e esquerda. Se perfilam hoje no continente países que seguem com o esquema do Estado mínimo – com o México tentando dar início a um processo de privatização da empresa petrolífera Pemex, como exemplo do novo ímpeto privatizador do neoliberalismo no continente, com o Perú, aderido recentemente, assim como a Costa Rica e o Chile, embora concertando alguns dos graves buracos do seu outrora modelo de previdência privada, mantêm-se como o “caso” exibido como de sucesso desta vertente -, por um lado.

Por outro, países buscam a refundação dos seus Estados, em base a esquemas posneoliberais e posliberais, no sentido de buscar novas formas de representação política, mais além do formalismo liberal, como são os casos da Bolívia, do Equados – ambos buscando fundar Estados plurinacionais, pluriétnicos, pluriculturais – e da Venezuela. Entre eles, se situam países que colocam em prática níveis de regulação do Estado, sem recompor os Estados prévios ao neoliberalismo, mas freando o desmantelamento dos aparatos estatais e fortalecendo capacidades setoriais de regulação estatal, brecando os processos de privatização anterior, fomentando o novo crescimento do trabalho formal e reequipando o funcionalismo público e os serviços públicos – de que os casos do Brasil e da Argentina são exemplos.

O destino do neoliberalismo no continente não está definido. Ele continua hegemônico, seja pelos países que mantêm ortodoxamente o modelo, seja porque ele continua hegemônico em vários dos principais países do continente, de uma ou outra forma – Brasil, México, Argentina, Colômbia, Chile, Peru, Uruguai, Costa Rica, - em um mundo dominado pelo neoliberalismo. Seu destino será decidido antes de tudo nos três países de economias mais fortes. Entre eles, por enquanto o México avança consolidando a hegemonia neoliberal, a Argentina e o Brasil preservam o modelo, com flexibilizações, porém ameaçados por forças opositoras de direita.

O espaço mais significativo de construção pós-neoliberal é a Alba – Iniciativa Bolivariana para as Américas -, em que os países que dela participam – Venezuela, Cuba, Bolívia, Nicarágua, mais intercâmbios importantes com o Equador -, constróem relações de intercâmbio solidárias, buscando responder às necessidades e possibilidades de cada país, de forma alternativa às leis do “livre comércio” da OMC, praticando o que o Fórum Social Mundial chama de “comércio justo”. Este é um espaço tipicamente pós-neoliberal, que depende da consolidação dos processos políticos nesses países.

Fonte: Blog do Emir Sader
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