terça-feira, 7 de abril de 2009

Quem é o chefe?

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por Uri Avnery*

NO PRIMEIRO dia do novo governo israelense, não restaram mais dúvidas: é um governo de Lieberman.

O dia começou com uma celebração no gabinete do Presidente. Todos os membros deste governo inchado – 30 ministros e 8 ministros interinos – vestiram seus melhores trajes e posaram para uma foto em grupo. Binyamin Netanyahu leu um discurso de pouca inspiração, que incluiu todos os clichês necessários para tranquilizar a comunidade internacional: o governo está comprometido com a paz, pretende negociar com a Autoridade Palestina, bla-bla-bla.

Avigdor Lieberman saiu correndo de lá para o Ministério das Relações Exteriores, para a cerimônia de troca de ministros. Ele também discursou – mas não foi de maneira alguma um discurso de rotina.

“Si vis pacem, para bellum – se você quer paz, se prepare para a guerra,” declarou o novo ministro das Relações Exteriores. Quando um diplomata cita este ditado romano antigo, o mundo não presta atenção à primeira parte, apenas à segunda. Vindo da boca do já infame Lieberman, foi uma clara ameaça: o novo governo israelense está trilhando um caminho de Guerra, não de paz.

Com esta frase, Lieberman negou o discurso de Netanyahu e virou manchete dos principais jornais do mundo. Ele confirmou as maiores apreensões relacionadas à criação deste governo.
Não satisfeito em citar os romanos, ele explicou especificamente porque escolheu esse mote. Concessões, ele disse, não trazem a paz, mas justamente o contrário. O mundo respeitava e admirava Israel quando o país venceu a Guerra dos Seis Dias.

Duas falácias em uma só sentença. Devolver os territórios ocupados não é uma “concessão”. Quando um ladrão é obrigado a devolver o roubo ou quando um sem-teto abandona um apartamento que havia invadido e não era dele, isso não é uma “concessão”. E a admiração por Israel em 1967 veio de um mundo que nos via como um país pequeno e valente que havia enfrentado exércitos poderosos que queriam nos destruir. Mas hoje Israel parece um brutal Golias, enquanto os palestinos com seu território ocupado são vistos como Davi com seu estilingue, lutando por sua vida.

Com este discurso, Lieberman foi bem-sucedido em chamar a atenção do mundo, mas se saiu melhor ainda humilhando Netanyahu. Ele expôs as declarações do novo primeiro-ministro como nada mais do que bolhas de sabão.

No entanto, o mundo (como escrevi na semana passada) quer ser enganado. Um porta-voz da Casa Branca anunciou que, no que concerne à administração americana, é o bla-bla-bla de Netanyahu que conta, e não o discurso sem rodeios de Lieberman. E Hillary Clinton não teve vergonha de telefonar para Lieberman e parabenizá-lo pela posse como chanceler.

ESTE FOI o primeiro teste de forças dentro do triângulo de poder Netanyahu-Lieberman-Barak. Lieberman demonstrou seu desrespeito tanto por Netanyahu quanto por Barak.
Sua base política está segura, porque ele é a única pessoa que pode bater de frente com o governo quando quiser. Depois que o discutiu a formação do novo governo, apenas 69 membros participaram da votação. Se forem acrescentados os cinco membros do Partido Trabalhista que “estavam presentes, mas não se envolveram no pleito” (um recurso parlamentar menos negativo do que se abster da votação), o governo recebeu 74 votos. O que significa que: sem os 15 membros de Lieberman, o governo não possui maioria.

Seu discurso tinha como intenção destacar essa realidade política. É como se ele tivesse dito a Netanyahu: Se você pretende me calar, desista. De fato, ele apontou uma arma para a cabeça de Netanyahu – neste caso, pode ter sido com uma Luger Parabellum, um revólver alemão cujo nome deriva do mesmo ditado romano que Lieberman citou em seu discurso.

O amplo significado da fala de Lieberman só se revelou uma hora mais tarde. Da cerimônia no Ministério das Relações Exteriores, ele correu para outra entrega de postos ministeriais, desta vez no Ministério de Segurança Interna (formalmente chamado de Ministério da Polícia).

Que negócios a tratar ele tinha ali? Nenhum. E é muito incomum que um ministro participe deste tipo de cerimônia em outro ministério. A verdade é que, o novo ministro de Segurança Interna, Yitzhak Aharonovitch, pertence ao partido de Lieberman, mas isso não é o que importa. Afinal, ele não participou de cerimônia semelhante no Ministério de Imigração, onde outro membro de seu partido assumiu o posto.

O mistério acabou no dia seguinte, quando o recém-instalado ministro das Relações Exteriores passou sete horas sendo interrogado pela polícia, sobre questões envolvendo suspeita de suborno e lavagem de dinheiro, em conexão com grandes quantias que eram transferidas do exterior para uma companhia que pertence a sua filha de 23 anos.

Isso explica a presença de Lieberman na cerimônia do ministério policial. Ele foi fotografado ao lado dos chefes do departamento de investigação criminal. É difícil não ver sua participação ali como nada mais do que uma ameaça direta e descarada àqueles que iriam lhe interrogar no dia seguinte.

Sua presença na cerimônia declarou: eu sou o homem que indicou o ministro que agora tem nas mãos o futuro de cada uma de suas carreiras, para promoção ou demissão. E a mesma mensagem foi dada aos juízes: eu escolhi o novo ministro da Justiça e eu decidirei sobre a vida profissional de todos vocês.

ISSO TUDO me recorda de uma recepção diplomática na embaixada do Egito há exatos 10 anos. Ali eu conheci a maioria dos membros do novo governo que tinha acabado de ser formado por Ehud Barak. Todos eles estavam deprimidos.

Barak havia feito algo que beirava o sadismo: ele havia indicado cada ministro para o posto menos adequado para cada um. O gentil e educado professor Shlomo Ben-Ami se tornou ministro da Segurança Interna (posto no qual foi um fracasso durante os conflitos de 2000, quando não conseguiu impedir que sua polícia matasse uma dúzia de cidadãos árabes). Yossi Beilin, um diplomata de mente muito criativa, um candidato natural ao Ministério das Relações Exteriores, foi apontado ministro da Justiça. E por ai em diante. Em conversas particulares, todos eles desabafaram sua insatisfação com as decisões de Barak.

Agora Netanyahu superou Barak. A indicação de Lieberman como ministro das Relações Exteriores beira a insanidade. A escolha de Yuval Steinitz, um professor de filosofia e amigo pessoal da esposa de Netanyahu, Sarah, um homem desprovido de qualquer experiência no campo econômico, para ministro da Fazenda, em meio a uma crise financeira mundial é absurda. A indicação do líder nº2 do Likud, Silvan Shalom, para dois novos ministérios o tornou um inimigo mortal. A criação de uma longa lista de novos ministérios, apenas para fornecer emprego para seus amigos, tornou o governo uma piada pública (“um ministro para o Correio eletrônico Recebido e um ministro para o Correio Enviado).

MAS UM governo não é uma piada. E Lieberman não está de brincadeira. Longe disso.
Já no seu primeiro dia, ele deixou claro que ele – ele e não Netanyahu ou Barak – vai definir o estilo do novo governo, tanto por causa de sua forte posição política como devido a sua forte presença pessoal e caráter agressivo.

Ele vai manter este governo enquanto ele lhe for conveniente e irá largá-lo no momento em que sentir que novas eleições lhe darão poder maior.

Seu estilo violento e rude é tão natural quanto calculado. É idealizado para ameaçar, para ter apelo junto aos tipos mais primitivos da sociedade, para chamar a atenção pública e garantir a cobertura da mídia. Tudo isso remonta a outros países e outros regimes. O primeiro a parabenizar Lieberman – e não por acaso – foi o ministro ex-facista das Relações Exteriores da Itália.

Esta semana, declarações antigas de Lieberman foram divulgadas repetidas vezes. Uma vez ele propôs explodir a represa de Aswan, um ato que teria causado um dilúvio das proporções de um tsunami e teria matado milhões de egípcios. Em outro momento, ele defendeu que fosse dado um ultimato aos palestinos: às 8h da manhã vamos bombardear seus centros comerciais, às 14h será a vez dos bancos, e daí em diante.

Ele também já propôs afogar milhares de prisioneiros palestinos, oferecendo-se para fornecer os ônibus necessários para levá-los até a costa. Em outro momento, ele defendeu a deportação de 90% dos 1,2 milhão de cidadãos árabes que vivem em Israel. Recentemente, ele mandou o presidente do Egito, Hosni Mubarak, “ir para o inferno”.

Na última campanha para a eleição sua plataforma pregava a suspensão da cidadania de qualquer árabe que não provasse sua lealdade à Israel. Este era também seu principal slogan de campanha. Isso, também, remonta a programas de certos países em outros momentos da História.

Isto se junta a uma hostilidade aberta às “elites” de Israel e tudo está relacionado aos fundadores do Estado de Israel.

ALGUMAS PESSOAS acreditam que Lieberman não é de fato um novo fenômeno e que ele simplesmente traz à tona tendências que já estavam presentes o tempo todo, mas enterradas sob uma fina camada de hipocrisia.

Qual é sua solução para o histórico conflito entre árabes e israelenses? No passado, ele citou um regime de cantões para os palestinos. Eles viveriam em vários enclaves na Cisjordânia e na faixa de Gaza, que não teriam ligação entre si e seriam dominados por Israel. Nenhum Estado palestino obviamente, nenhuma parte árabe ao leste de Jerusalém. Ele até propôs acrescentar a esses cantões algumas áreas de Israel densamente habitadas por populações palestinas, que teriam sua cidadania israelense revogada.

Isto não está muito distante das idéias de Sharon, nem das de Netanyahu, que declara que os palestinos devem “se auto-governar” – obviamente, sem um Estado, sem moeda, sem controle de fronteiras, portos ou aeroportos.

Na cerimônia no Ministério das Relações Exteriores,Lieberman declarou que o acordo de Annapolis, que foi liderado pelo presidente Americano George W. Bush, não tem validade e que apenas o “Mapa das Estradas” conta. O porta-voz do ministério das Relações Exteriores se apressou em explicar que o “Mapa das Estradas” também cita “dois Estados”. Eles se esqueceram de avisar ao mundo que o governo de Israel havia aceitado o “Mapa das Estradas” apenas com 14 condições que distorcem completamente o conteúdo original da idéia. Por exemplo: que os palestinos devem “destruir a infra-estrutura terrorista” (O que é isso? Quem decide?) antes de Israel realizar qualquer medida, incluindo a paralisação de construção de colônias.

(Isso lembra a história do judeu rico de Shtetl, que deixou no seu testamento, sua fortuna dividida entre parentes e amigos e acrescentou: “Caso eu morra, este testamento deve ser anulado”).

No que diz respeito ao conflito Israel-Palestina, a controvérsia entre Olmert e Livni, de um lado, e Netanyahu e Lieberman, do outro, trata-se mais de tática do que de estratégia. A estratégia de todos eles é impedir a criação de um Estado palestino normal, livre e viável. Tzipi Livni apostou em uma tática de negociações intermináveis, decorada com pronunciamentos sobre paz e “dois Estados-Nações”. Não à toa Netanyahu ironizou: Você teve anos para chegar a um acordo com os palestinos. Então, por que não conseguiu?

Este debate não é sobre paz, mas sobre um “processo de paz” .
Mas neste meio-tempo, Tizipi Livni assume seu novo posto como líder da oposição. Seus primeiros discursos foram vigorosos e duros. Em breve saberemos se ela conseguirá ocupar com sucesso esta posição.

* Jornalista e colunista israelense, ex-membro do Knesset, é presidente do grupo pacifista de esquerda “Gush Shalom”. - avnery@actcom.co.il

Fonte: Blog do Bourdoukan

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