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Mais um furo do Congresso em Foco
por Luiz Antônio MagalhãesO site Congresso em Foco é o veículo em que estão saindo a maior parte das denúncias sobre a farra das passagens. O site dá, depois os jornais correm atrás. É bom prestar atenção no site, que é da maior qualidade. É verdade que os escândalos no Congresso Nacional começaram com a farta distribuição de dossiês, que chegavam já prontinhos para uso dos jornalistas. Só que esta fase de certa forma já passou, tanto é que no Senado a onda denuncista praticamente parou. Agora, o que vale é jornalismo investigativo e isto o Congresso em Foco está fazendo. Abaixo, mais um furo do site.
Maioria da Câmara usou cotas para voos ao exterior
Dos 513 deputados federais, 261 utilizaram recursos para pagar quase 2 mil trechos internacionais, para 13 destinos aéreos
Lúcio Lambranho, Edson Sardinha e Eduardo Militão
Miami e Nova York, nos Estados Unidos. Paris, na França. Londres, na Inglaterra. Milão e Roma, na Itália. Bariloche e Buenos Aires, na Argentina. Madri, na Espanha. Frankfurt, na Alemanha. Santiago, no Chile. Montevidéu, no Uruguai. Caracas, na Venezuela.
O que há em comum a essas 13 cidades? Elas foram o destino de 1.883 voos internacionais pagos com a cota de passagens aéreas dos deputados no período de janeiro de 2007 a outubro de 2008, conforme levantamento feito pelo Congresso em Foco com base em registros fornecidos pelas companhias aéreas.
O dado mais surpreendente da pesquisa é o número de parlamentares que utilizaram sua cota para pagar voos ao exterior. No período citado, 261 deputados – ou seja, 51% do total de 513 – fizeram isso, boa parte deles viajando em companhia de cônjuges ou familiares.
Lista resumida com a quantidade de voos de cada um, em ordem decrescente
Lista completa, em ordem alfabética, com nome dos passageiros e destinos
Como mostrou na segunda-feira (20) o Congresso em Foco, os registros das companhias aéreas permitiram identificar quem mais usou suas cotas da Câmara para pagar passagens com destino a outros países. O grande destaque foi o deputado Dagoberto Nogueira (PDT-MS).
O tamanho do problema
Processamento feito por este site indica que as viagens internacionais pagas com a cota parlamentar custaram à Câmara R$ 4.765.946,91, sendo R$ 3.021.557,98 nos bilhetes emitidos e mais R$ 1.744.388,93 com taxas de embarque.
O tamanho do problema deve ser medido menos por cifras do que pelo seu alastramento. Assim como a lista dos líderes que também utilizaram a cota para viajar ao exterior, divulgada pelo Congresso em Foco no último sábado (confira aqui), os 261 deputados listados agora mostram que o uso controvertido da cota é suprapartidário. Comum a deputados de esquerda e de direita, das bancadas do governo e da oposição. No entanto, as circunstâncias em que os voos ocorreram, e as explicações apresentadas, variam muito (leia mais).
Os dados hoje revelados pelo Congresso em Foco também colocam em xeque a tese defendida no domingo (19) pelo presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), de que os problemas com as passagens aéreas se restringiriam a uns poucos deputados.
Cobrado por empresários sobre o mau uso do dinheiro público, durante o Fórum Empresarial, que reuniu 320 altos executivos brasileiros na ilha de Comandatuba, no sul da Bahia, ele afirmou, segundo a Agência Estado: "Os equívocos são 10, 12, 15 casos entre 513 deputados e 81 senadores, e não podem ser encarados como regra".
Como se vê, ao contrário do que imaginava o presidente da Câmara, o tamanho do problema é outro. O próprio Temer, como revelou o Congresso em Foco, usou a cota para viajar a passeio com a família para a cidade de Porto Seguro, no litoral da Bahia.
Legalidade questionada
Questionados sobre os seus procedimentos, os deputados ouvidos (clique aqui para ler o que eles dizem) invocaram, quase em uníssono, a absoluta legalidade da utilização da cota para o pagamento de viagens ao estrangeiro.
A questão não é, do ponto de vista jurídico, tão pacífica assim. Na semana passada, o Ministério Público Federal (MPF) chegou a encaminhar à Câmara recomendação na qual frisa que a cota não pode ser usada por terceiros, mas apenas pelos deputados, e mesmo assim se o deslocamento estiver relacionado com atividade necessária para o exercício do mandato (saiba mais). O próprio Temer, aliás, terminou encampando a ideia de restringir o uso das passagens aos parlamentares (leia).
Juristas ouvidos pelo Congresso em Foco manifestam entendimento semelhante ao do MPF. Para eles, a legislação em vigor seria suficiente para concluir que estariam ocorrendo pelo menos dois atos sem amparo legal: o uso da cota para pagar passagens internacionais e a entrega de bilhetes a amigos e parentes.
No primeiro caso, os juristas tomam como regra um dos princípios fundamentais do direito público: o pressuposto jurídico de que só pode ser considerado legal aquilo que é feito com base em determinação expressa da lei. Ou seja: tudo que não é explicitamente permitido em lei deve ser considerado proibido. Seria isso, concluem, o que ocorre com o uso da cota – que é destinada a voos domésticos – para bancar viagens ao exterior.
No segundo caso, eles citam a Constituição Federal, a legislação ordinária e as próprias normas regimentais da Câmara para inferir que é ilegal usar a cota em favor de terceiros, sobretudo em atividades que não estejam diretamente relacionadas ao mandato parlamentar. Princípios como impessoalidade e moralidade, argumentam, não são simples imperativos éticos abstratos, mas mandamentos constitucionais e legais aos quais estão sujeitos todos os detentores de mandato popular.
Temer e Aécio abriram as portas
Coube ao atual presidente da Câmara, Michel Temer, assinar a norma que alargou as possibilidades de utilização da cota parlamentar para passagens aéreas. O Ato 42, de 21 de junho de 2000, da Mesa Diretora, estabelece um crédito em viagens para os parlamentares conforme o estado de origem. O texto foi assinado quando Temer presidiu a Casa pela primeira vez.
A regra revogou o Ato 4, de 1971, que garantia aos deputados quatro passagens aéreas gratuitas por mês, uma das quais entre Brasília e a antiga capital federal, o Rio de Janeiro. A mudança foi justificada, na ocasião, como uma necessidade do exercício do mandato. Os parlamentares se queixavam que, com a restrição das viagens ao estado de origem, não podiam visitar outras unidades da federação para participar de debates nacionais.
A norma de 2000 foi alterada em 2002 pelo então presidente da Câmara, o atual governador Aécio Neves (PSDB-MG), que tornou a regra mais generosa para os parlamentares. Na época, a Mesa decidiu beneficiar seus integrantes e os líderes partidários com um acréscimo na cota mensal de passagens aéreas.
Com isso, os titulares da Mesa passaram a ter, além do valor previsto para suas respectivas bancadas, 70% do maior valor da cota, ou seja, do crédito estipulado para os representantes de Roraima.
Os suplentes de secretário e os líderes partidários e do governo também passaram a ter direito, desde então, a um adicional de 25% sobre a maior cota. Conforme revelou o Congresso em Foco no último dia 15, cinco dos 11 integrantes da Mesa Diretora utilizaram a cota da Câmara para bancar 49 viagens internacionais nos últimos dois anos (leia mais).
O fim do adicional dos líderes e dos integrantes da Mesa está entre as medidas anunciadas semana passada para moralizar o uso das passagens. O problema é que, além de reduzirem a cota em 20%, os deputados decidiram legalizar o repasse de suas passagens aéreas para familiares (leia mais). As passagens internacionais ficaram de fora da nova regulamentação, assim como a nova medida que a Mesa Diretora está prestes a oficializar, a proibição de uso da cota por terceiros.
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Passagens: problemão para o Congresso
A história das passagens aéreas cedidas a torto e a direito pelos parlamentares das duas casas do legislativo federal é uma questão mais complicada de ser resolvida do que aparenta. Até agora, as ideias para o "pacote moralizador" que o presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP) pretende implementar estão muito aquém do que a opinião pública espera, que é o veto, puro e simples, à permissão que os deputados e senadores têm para ceder passagens ou embolsá-las como crédito (no fundo, como dinheiro mesmo). Qualquer solução intermediária é ruim. Pior, já há quem defenda, na mídia e no Ministério Público, que os parlamentares devolvam os recursos que foram gastos indevidamente, o que já provocou um certo pânico no Congresso.Politicamente, o grande problema é que não há um grupo que possa estufar o peito e assumir, de cara limpa, a bandeira da moralidade, porque neste caso particular todos, sem exceção, se locupletaram. Cabe aqui, aliás, um parenteses: o PSOL argumenta que vai continuar dando passagens ao delegado Protógenes porque seriam atividades relacionadas ao mandato dos deputados que teriam oferecido os bilhetes. Pois o PSOL está errado, as passagens devem ser de uso exclusivo do parlamentar, e não do mandato. Este é o procedimento moralmente correto e que precisa ser urgentemente regulamentado. Ademais, ninguém investigou ainda como foram utilizadas as passagens de outros parlamentares do partido - Luciana Genro (RS) já se adiantou e confessou ter cedido o benefício ao delegado.
Parenteses fechado, a verdade é que do DEM ao PSOL, ninguém está em condições de dizer "desta água nunca bebi". O deputado ACM Neto (DEM-BA), Corregedor da Câmara, por exemplo, disse à Folha de S. Paulo: Não há ilícito. A passagem era vista como uma vantagem do parlamentar, que economiza. Não tem que devolver porque não houve erro. A Casa toda fez. Acho que está na hora de a Casa ter coragem de se defender. Estão colocando nomes de pessoas sérias como se fossem bandidos! Acho que a imprensa quer fechar o Congresso."
Ora, se o sujeito que será responsável pela apuração dos casos denunciados não acredita que houve ilícito e afirma que "a Casa toda fez", é realmente difícil imaginar uma solução mais dura para a farra, conforme deseja a opinião pública. Estão todos acuados, sem saber direito para onde correr. A situação lembra a do marido (ou mulher) flagrado em adultério e que vai logo dizendo "posso explicar tudo"... Não há explicação possível, a única coisa que dá para fazer é reconhecer a falta e propor o fim da lambança para o futuro. Nem os tais "parlamentares éticos", bem menos éticos do que se imaginava, têm moral neste momento para propor regras intermediárias.
Assim, como ninguém tem força política para propor o que seria a real solução do problema, a pressão do baixo clero pela permanência da mamata, ou pelo menos de parte dela, poderá repercutir nas lideranças que de fato decide as coisas no Congresso. No fundo, Câmara e Senado estão em uma sinuca de bico. Ou acabam com a farra e criam um clima muito ruim internamente ou se verão pressionados pela opinião pública, com grande risco de desmoralização completa. ]
Por fim, o presidente Lula, que não tem nada com isto, é o grande beneficiário do imbróglio, pois nada é melhor para o chefe do Executivo, qualquer que seja ele, do que um legislativo fraco.
Fonte: Entrelinhas
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