Nos dias, semanas, meses e anos que se seguiram ao 11 de setembro de 2001, a Fox News - do império de mídia do magnata australiano Rupert Murdoch - funcionou como uma espécie de fonte irradiadora de um terrorismo oficial patrioteiro, que ao mesmo tempo glorificava a figura do presidente George W. Bush como herói combatente de três guerras, uma delas meramente metafórica. O objetivo do canal, agora, é denunciar o "rumo socialista de Obama".
por Argemiro Ferreira
O nome da nova estrela é Glenn Beck. Chamei atenção para ele em texto anterior para Carta Maior, a 25 de fevereiro. Ele tinha sido apresentado no canal Headline News, da CNN, onde entrevistou Sarah Palin em setembro. E neste ano de 2009 foi lançado com barulho pela Fox News, onde criou um quadro fixo sobre o governo Obama: The Road to Socialism (A Rota para o Socialismo).
Nos dias, semanas, meses e anos que se seguiram ao 11 de setembro de 2001, a Fox News - do império de mídia do magnata australiano Rupert Murdoch - funcionou como uma espécie de fonte irradiadora de um terrorismo oficial patrioteiro, que ao mesmo tempo glorificava a figura do presidente George W. Bush como herói combatente de três guerras, uma delas meramente metafórica.
A guerra de mentirinha - ou marca de fantasia - consagrada na expressão bushista global war on terror (guerra global ao terrorismo, ou então GWOT), conviveu com as duas de verdade - a do Afeganistão, hoje agravada e deteriorada, e a do Iraque, resultante da invasão ilegal seguida de ocupação, em desafio aberto à Carta das Nações Unidas, onde o Conselho de Segurança negara apoio à aventura.
Para desespero do presidente Bush e seu onipresente gênio do mal, o vice Dick Cheney, uma das primeiras decisões do presidente Barack Obama, primeiro negro na história a chegar à Casa Branca, consistiu em “desencantar” a guerra da fantasia bushista - enquanto, paralelamente, reforçava as tropas no Afeganistão e abreviava o prazo para a retirada dos soldados que ainda permanecem no Iraque.
O rumo “socialista” de Obama
Um problema incômodo para o novo governo, no entanto, é a sobrevivência nos EUA da barulhenta máquina de informação - ou desinformação - manipulada antes pelo governo Bush para “defender o país do terrorismo”. Nela atua, incansável, o grupo neoconservador que produzira a ficção bélica e comandara a campanha contra o Iraque. Pois agora esses neocons reciclam o terrorismo - contra o governo.
A Fox News de Murdoch mantém esse terrorismo no ar, das primeiras horas do dia até o final da noite. Da mesma forma como nos anos Bush aterrorizava as pessoas contra as poucas vozes da oposição que ousavam expor violações das liberdades civis nos EUA, prática e terceirização da tortura em Guantánamo e nas prisões secretas da CIA espalhadas pelo mundo, agora vê comunismo no governo.
Na nova fase, reciclada, do terrorismo patrioteiro, cujo alvo central é o próprio governo, estão alguns dos mesmos combatentes retóricos inflamados do período bushista, do campeão de audiência Bill O’Reilly, que nega ser ideológico, ao vorazmente ideológico Sean Hannity, que se livrou do incômodo penduricalho liberal Alan Colmes. E eles ganharam um reforço de peso: Glenn Beck.
Beck não assusta por ser louríssimo e de olhos azuis. Apavora pela aparência de charlatão sem escrúpulos, capaz de qualquer excesso exibicionista. Se necessário, chora. Derrama lágrimas abundantes, verdadeiras. Enquanto a Fox News criou uma Fox Nation (Nação Fox), ele lançou seu próprio Projeto 12 de Setembro - esforço explícito para reviver a histeria que se seguiu ao terrorismo de 11/9.
O terrorismo e a raiva conservadora
É difícil adivinhar aonde isso tudo vai parar. Os indícios são de que se pretende, tirando partido da incerteza trazida pela crise econômica, legado da dupla Bush-Cheney, produzir certo populismo, apoiado nos setores pos-11/9 mais histéricos, para um desafio nacional maciço ao governo Obama - retratado como “ameaça comunista” às liberdades, atribuídas ao capitalismo.
Ver tudo isso como mero entretenimento da mídia seria subestimar os resultados já obtidos pela Fox News. O próprio New York Times registrou a 30 de março que Beck, mesmo na periferia do horário nobre - de 6 às 10 da noite pontificam jornais em rede nacional e talk shows de mais sucesso, como O’Reilly e Hannity - já é uma das vozes poderosas a refletir “a raiva populista conservadora da nação”.
Em período pouco superior a dois meses, o programa de Glenn Beck, no horário ingrato de 5 da tarde, é um fenômeno: atrai 2,3 milhões de telespectadores e supera todos os demais das redes de notícias na TV a cabo, excetuados os de O’Reilly e Hannity no horário nobre (8 e 9 da noite). Segundo o Times, significa uma façanha para a Fox News, que sofrera uma queda na campanha eleitoral.
Beck, como outros donos de talk shows, nega ser jornalista (a profissão parece em baixa junto ao público). Diz que começou como “palhaço de rodeios” e compara-se a Howard Beale, aquele âncora de noticiário de TV no filme Network (Rede de Intrigas). Esse personagem anunciou no ar a intenção de matar-se diante das câmeras, numa reação à queda de audiência de seu programa.
“Ele está louco como o diabo”
Como a ameaça de suicídio causa impacto, Beale (interpretado por Peter Finch) ganha um horário para falar de sua revolta (“I’m mad as hell”) contra o que está errado no país e em sua vida. O "Projeto 12/9", de Beck, pretende isso. Com ele Beck encoraja pessoas em todo o país a reeditar em sua cidade a tea party de Boston, o evento que marcou em 1773 o início da rebelião dos colonos contra a Coroa.
O populismo de Beck e Rush Limbaugh, o rei do talk show de rádio desde os anos 1990, lembra o do padre católico Charles Coughlin, cujo sucesso começou com pregações pelo rádio em 1927. Contratado pela CBS em 1930, atraia 40 milhões de ouvintes para suas palestras semanais, que no início exaltavam o New Deal de Roosevelt e depois aderiram ao anti-semitismo, apoiando Hitler e Mussolini.
O Times definiu Beck no título de sua reportagem como a “louca, apocalíptica e lacrimosa estrela em ascensão da Fox News”. Segundo a reportagem de Brian Stelter e Bill Carter, ele faz uma salada de ultraje, lições baratas de moralismo e visão apocalíptica do futuro. Não por acaso, gente como ele e Coughlin costumam chegar ao centro do palco em meio a crises como a de 1929 e a de agora.
Haverá casamento de interesses mais perfeito? De um lado o potencial do império Murdoch, com o poder (testado depois do 11/9) de aterrorizar. Do outro, o populismo moralista, ultrapatriota, religioso, hipócrita e capaz de atrair a preconceituosa massa conservadora, golpeada pela derrota do Partido Republicano e pronta a acreditar que um complô subterrâneo liderado na Casa Branca por Obama vai comunizar o país.
Fonte: Blog do Argemiro Ferreira
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