quinta-feira, 2 de abril de 2009

A cúpula do G-20 vai parir um rato

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Por Walden Bello*

Bangcoc, abril/2009 – Se alguma vez uma conferência internacional esteve destinada ao fracasso, esta é a reunião de cúpula do G-20, em Londres. Esta conferência foi anunciada como um “novo Bretton Woods” que poderia forjar uma resposta coordenada à depressão atual e criar uma nova forma de governo da economia mundial, assim como a Conferência de Bretton Woods estabeleceu, em 1944, a ordem monetária e financeira multilateral do mundo pós-Segunda Guerra Mundial. Mas, por que a reunião do G-20 vai fracassar?

Primeiro, o local apropriado para tão ambiciosa tentativa é a Nações Unidas e não um agrupamento informal dos 20 maiores países com apenas uma simbólica representação do Sul. O G-20 é um clube exclusivo, enquanto os artífices de Bretton Woods denominaram a reunião de Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas e convocaram representantes de 44 países, inclusive em meio a uma guerra mundial.

Além disso, esta reunião se impôs a tarefa de realizar em um único dia o que os artífices de Bretton Woods demoraram 21 dias de duras discussões. Por isso, podemos prever os perfis do comunicado final de Londres: acordo amplo sobre uns poucos temas enquanto se dissimula as diferenças sobre os detalhes fundamentais. Em terceiro lugar, na capital britânica se tentará utilizar uma série de instituições fracassadas como mecanismos para responder ao colapso econômico mundial, em lugar de criar outras novas, como foi feito em Bretton Woods.

O G-20, o Fórum de Estabilização Financeira e o processo Basiléia II são as instituições chamadas para criar uma nova arquitetura financeira mundial, apesar de terem algo em comum: foram todas criadas ou colocadas em funcionamento depois da crise financeira asiática de 1997 para promover uma estrutura reguladora global. Entretanto, não foram capazes de propor medidas para regular o sistema financeiro, as vendas a descoberto, os fundos especulativos e outros mecanismos e operações que contribuíram para o desastre financeiro. De fato, em lugar de regular o sistema financeiro, essas instituições adotaram a estratégia do setor privado de “autorregulação”.

Desse modo, o que se pede é que as instituições que foram parte do problema se convertam em parte fundamental da solução. O aspecto mais problemático é o Fundo Monetário Internacional (FMI). Estados Unidos e União Européia estão procurando aumentar o capital do FMI, de US$ 50 bilhões para US$ 500 bilhões. O plano é que o FMI empreste esse dinheiro a países em desenvolvimento para que o usem a fim de estimular suas economias e que o próprio Fundo supervisione este exercício global, segundo a proposta do secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner.

Acima de tudo, há uma questão de representação. Até agora, foram feitas mudanças apenas marginais na distribuição de direitos de votos dentro do FMI. Apesar do clamor pedindo maior poder de voto para as nações do Sul, os países ricos ainda estão excessivamente representados na Junta Diretora, enquanto as nações em desenvolvimento, especialmente da Ásia e África, estão insuficientemente representadas. A Europa tem um terço dos postos na Junta Diretora e os Estados Unidos possuem quase 17% dos votos, o que dá poder de veto.

Em consequência, a Tailândia saldou sua dívida com o FMI e declarou sua “independência financeira”. Brasil, Venezuela e Argentina fizeram o mesmo e a Indonésia manifestou sua intenção de pagar suas dívidas. Do mesmo modo, outros países decidiram não ir ao FMI e preferem criar suas próprias reservas de divisas para se defenderem de ameaças externas, ao invés de solicitar novos empréstimos ao Fundo. Isso levou o FMI a uma crise orçamentária, já que a maior parte de suas entradas provinha dos juros cobrados sobre os empréstimos concedidos aos maiores países em desenvolvimento. Isto indica que, por maiores que sejam os recursos que o G-20 proporcione ao FMI, haverá pouca disposição internacional em participar de um programa de estímulos dirigido pelo Fundo.

A resposta do Norte à atual crise, que é reanimar instituições fossilizadas, faz recordar uma famosa frase de John Maynard Keynes: “A dificuldade não está tanto em conceber novas idéias, mas em se livrar das velhas”. De acordo com Keynes, o que se deveria fazer para dar uma resposta global à crise?

Primeiro, em lugar do G-20, o secretário-geral da Assembléia Geral da ONU deveria convocar uma sessão especial das Nações Unidas para desenhar a nova ordem multilateral global. Este deveria ser um processo inclusivo e detalhado, como o de Bretton Woods. Um dos principais resultados poderia ser o estabelecimento de um centro financeiro mundial “transitório”, com representação universal em sua estrutura de tomada de decisões.

Segundo, para ajudar imediatamente a enfrentar a crise, deveriam ser canceladas as dívidas dos países em desenvolvimento com instituições do Norte. Isso permitira às nações em desenvolvimento maior acesso a recursos e teria maior efeito estimulante em suas economias do que o dinheiro canalizado pelo FMI.

Terceiro, as estruturas regionais, incluindo as de financiamento do desenvolvimento, deveriam ser a peça fundamental da nova arquitetura econômica mundial, e não outros organismos financeiros onde os recursos e o poder são monopolizados pelos países do Norte, como é o caso do FMI. Na América Latina, por exemplo, já há várias iniciativas promissoras em curso, como a Alternativa Bolivariana para as Américas e o Banco do Sul. Toda nova ordem global deve ter como pilares instituições regionais responsáveis.

A questão é que a atual crise deveria ser vista como uma grande oportunidade para criar um novo sistema que ponha fim não somente ao fracassado sistema de governo mundial neoliberal, como também ao domínio euro-norte-americano da economia mundial, e que estabeleça em seu lugar uma ordem econômica mais descentralizada, mais desglobalizada e mais democrática.

* Walden Bello é professor de Sociologia na Universidade das Filipinas, presidente da Freedom from Debt Coalition e analista da Focus on the Global South.


Fonte: Envolverde/IPS

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