quarta-feira, 8 de abril de 2009

Marina Silva - Uma grande conferência

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por Marina Silva
De Brasília (DF)

Em 2003, uma das primeiras idéias da equipe que assumiu o Ministério do Meio Ambiente, inspirada pela experiência das conferências nacionais de Saúde, foi realizar uma inédita Conferência Nacional do Meio Ambiente, concebida para ser instrumento de participação social na formulação e implementação das políticas socioambientais. E assim tem sido desde então, mobilizando milhões de pessoas em todo o país nas fases preparatórias, de âmbito local e estadual, de onde saem os delegados para encontros nacionais.

Naquela época, quando cheguei em casa uma certa noite, fui questionada por duas de minhas filhas - uma ainda criança e outra entrando na adolescência - sobre as novidades do meu dia de trabalho. Muito cansada, dei apenas a notícia da decisão de fazer a Conferência. E a mais nova perguntou: "e vai ter uma para as crianças?"

No dia seguinte repassei a pergunta à equipe. Acho que a idéia se aninhou na cabeça das pessoas e foi tomando corpo e fazendo sentido. Resultado: em 2003, em paralelo à conferência adulta, realizou-se a primeira Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente, promovida pelos ministérios do Meio Ambiente e da Educação, com cerca de cinco milhões de participantes em todas as suas fases. O evento nacional foi realizado na Universidade de Brasília.

Amanhã, quarta-feira, termina em Luziânia, município goiano próximo de Brasília, a terceira Conferência Infanto-Juvenil, desta vez com o tema Mudanças Ambientais Globais. Nesses seis anos, quase 12 milhões de crianças, adolescentes e jovens se envolveram no processo, com resultados excelentes, conforme constatei no último sábado, quando participei, juntamente com o professor José Eli da Veiga, de um diálogo com os 669 delegados, de 11 a 14 anos.

Chamou-me a atenção o quanto os adultos são quase invisíveis na organização do encontro. As equipes do MEC e do MMA estão presentes, dando apoio, mas o operacional está integralmente a cargo dos jovens, desde a logística até a coordenação dos grupos, orientação metodológica e suporte para os participantes. A Conferência ganhou vida própria e é grande em todos os sentidos, especialmente na esperança que transmite.

Quase cinquenta observadores internacionais estão em Luziânia, para replicar a experiência em seus países, primeiro passo para concretizar a proposta de uma conferência internacional infanto-juvenil em 2010.

Para mim, a maior prova da maturidade da conferência foi a qualidade e a profundidade das intervenções. Desde a primeira edição, a escolha dos delegados é feita nas escolas por concurso, a partir de critérios que exigem esforço para adquirir conhecimentos e formular idéias, por meio de textos e desenhos. É uma peneira entre milhões de concorrentes e, assim, quem chega a delegado traz uma bagagem muito boa de aprofundamento nos temas e muita garra para participar da melhor forma possível.

Achei interessante não terem solicitado palestras ao professor José Eli e a mim. Foram direto ao ponto, com perguntas pertinentes e bem embasadas. Representantes de todas as regiões do país se manifestaram. Questionaram sobre o impacto das mudanças climáticas na agricultura, sobre responsabilidades individuais na manutenção do meio ambiente urbano e na redução do desmatamento, sobre como conciliar a proteção de áreas de várzea e topos de morro com as necessidades da população de morar e produzir.

Também conversamos sobre hidrelétricas, áreas de preservação permanente, políticas para crianças com necessidades especiais e até mesmo sobre os objetivos dos seres humanos no planeta, já que parecem não perceber que o estão detonando.

Uma delegada do Pará foi de uma clareza que talvez falte em muitas reuniões internacionais. Ela se manifestou cansada de ouvir falar de mudanças para o futuro. E perguntou: e o que está sendo feito agora para chegarmos lá?

Por coincidência, logo após a conferência, no dia 13, haverá em São Paulo, com o apoio do Instituto de Estudos Avançados da USP, um evento totalmente afinado com o papel fundamental da juventude para consolidar novos paradigmas. Trata-se do seminário "Os Jovens ante o Desafio do Desenvolvimento Sustentável", tendo como referência um livro recente, escrito especialmente para adolescentes e jovens: "Desenvolvimento Sustentável: Que Bicho é Esse?", de José Eli da Veiga e Lia Zatz.

O livro é um marco porque trata das principais questões socioambientais de hoje, em linguagem acessível, mas sem simplificações e sem fugir de polêmicas. Um professor de economia e uma conhecida autora de livros infanto-juvenis fazem um esforço admirável e bem sucedido de mostrar que a juventude tem que ser levada a sério e incentivada a assumir, bem informada, o seu lugar nas decisões sobre o futuro da humanidade.

Para tanto, é fundamental apostar no papel dos professores para impulsionar reflexões que dizem respeito a assuntos que, sob um consenso retórico, ainda causam perplexidade e incompreensões, até porque são muito recentes no repertório da maioria das pessoas.

O debate será, portanto, dedicado principalmente a professores do ensino médio e fundamental e estudantes de licenciatura. Para participar é preciso se inscrever (para informações, enviar mensagem para sedini@usp.br ), mas será possível acompanhar também pela internet, no endereço www.iea.usp.br/aovivo , a partir das 14 horas.

O momento é propício para iniciativas desse tipo, que dão suporte à integração de informação e ação, terreno em que as conferências nacionais avançam cada vez mais. São sinais de uma mudança cultural que se expressa até mesmo na postura diante dos problemas. Hoje, por exemplo, os representantes da conferência entregarão o documento final do encontro ao presidente da República, aos ministros da Educação e do Meio Ambiente, e aos presidentes das comissões de Educação, Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Congresso Nacional. Não será, contudo, uma lista de reivindicações, segundo o figurino convencional. Será a Carta das Responsabilidades, contendo aquilo que os próprios jovens se comprometem a fazer, desde pequenas medidas práticas em seus municípios, como limpeza de córregos e nascentes, até ações em rede, de conscientização e organização.

*Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre e ex-ministra do Meio Ambiente.

Fale com Marina Silva: marina.silva08@terra.com.br

Fonte: Terra Magazine

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