domingo, 12 de abril de 2009

Como Protógenes esnucou a CPI

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por Luiz Carlos Azenha

Não sei o que o futuro reserva ao delegado Protógenes Queiroz. Talvez ele continue delegado da Polícia Federal. Talvez seja expulso da corporação e se eleja deputado federal.

O fato é que ele já ajudou a colocar o guizo no rabo do gato. Por querer ou sem querer já revelou mais sobre os bastidores do poder no Brasil do que a grande maioria dos jornalistas.

A gente julga o impacto do que o delegado tem feito pelo que dizem dele. A revista Veja, por exemplo:

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Sexta-feira, Abril 10, 2009, Revista Veja:

CPI dos Grampos Protógenes se cala e a PF volta a investigar Daniel Dantas

Um silêncio ensurdecedor

O delegado Protógenes Queiroz surpreendeu mais uma vez: depois de acusar até o presidente Lula de ter sido cooptado pelo crime organizado, ele prometeu que daria "nome aos bois". Na hora de falar, calou-se


por Expedito Filho

TALENTOSO RIPLEY

Recebido na CPI por uma claque que se autointitulava frente contra a corrupção, Protógenes frustrou seus admiradores ao não apontar um único nome da organização criminosa que, segundo ele, dominou até o subsolo do Brasil

É constrangedor para um suspeito quando, em vez de se defender, ele precisa se calar para não produzir provas que o incriminem. Foi isso que ocorreu na semana passada com o delegado Protógenes Queiroz, chefe da Operação Satiagraha, que apurou crimes e levou à condenação do ex-banqueiro Daniel Dantas a dez anos de cadeia.

Afastado da investigação por causa de um festival de abusos, ilegalidades e trapalhadas, o delegado se recusou a responder a quase uma centena de perguntas no depoimento de seis horas que prestou à CPI dos Grampos. A sucessão de negativas frustrou até mesmo sua claque política, uma autoproclamada frente contra a corrupção integrada por ínclitos como o senador Wellington Salgado (réu por crime contra o patrimônio, apropriação indébita e sonegação) e os deputados federais Paulinho da Força (indiciado pela PF por corrupção) e Paulo Lima (réu por sonegação e falsidade ideológica).

Essa turma, talvez por uma inclinação suicida, esperava que o delegado cumprisse a promessa de dar "nome aos bois e expor os meandros da corrupção no Brasil" em seu depoimento à CPI. "Foi uma decepção geral. O delegado perdeu a oportunidade de se defender das graves acusações que existem contra ele", diz o deputado federal Marcelo Itagiba, presidente da CPI.

O comportamento bipolar do delegado se revelou dias antes do depoimento. Em conversa reservada com os deputados Raul Jungmann (PPS-PE), Gustavo Fruet (PSDB-PR) e Vanderlei Macris (PSDB-SP), Protógenes disse estar disposto a contar detalhes sobre um alegado tráfico de influência patrocinado pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, durante as negociações para a compra da Brasil Telecom pela Oi (ex-Telemar).

Disse também que um dos filhos do presidente Lula, Fábio Luís, o Lulinha, foi cooptado pela "organização criminosa" de Dantas. Sob os holofotes da CPI, porém, o delegado negou que o filho do presidente e a ministra Dilma Rousseff tenham sido alvo de investigação. Ele não respondeu às perguntas sobre a tal cooptação de Lulinha nem sobre o interesse de Lula na operação. Também se calou a respeito das suspeitas que lançou sobre a ministra, registradas em relatórios encontrados em seu computador pessoal. "Ele nos disse que detalharia tudo isso na CPI. Não dá para entender", lamentou o deputado Fruet.

DANTAS CONTRA A PAREDE

A Polícia Federal está refazendo a investigação contra Daniel Dantas: expectativa de punição do ex-banqueiro

É fácil entender por que o delegado preferiu o silêncio diante das suspeitas que o cercam. Por que ele armazenava investigações clandestinas sobre Dilma Rousseff, o ex-ministro José Dirceu, o presidente do Supremo Tribunal Federal, entre outras autoridades? Por que ele guardava gravações ilegais de jornalistas? Sem respostas, amparado por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal, o delegado preferiu se calar porque os arquivos, encontrados em seus computadores, são provas materiais de seus crimes. E elas não param de surgir.

Em um arquivo protegido por senha, mas já desbloqueado pela PF, há um relatório de arapongas da Abin com os números telefônicos de Bernardo Figueiredo, então assessor de Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. Outro arquivo prova que Protógenes investigou o advogado Eduardo Ferrão, ex-sócio do ministro da Defesa, Nelson Jobim. O delegado, que já foi indiciado pela PF por quebra de sigilo funcional e violação da lei de interceptações, em breve também terá de responder judicialmente pelas ilegalidades arquivadas em seus computadores.

Enquanto Protógenes se calava diante da CPI, em São Paulo e no Rio de Janeiro a Polícia Federal realizava diligências para reparar as trapalhadas do delegado na Operação Satiagraha. Os agentes vasculharam oito endereços do banco Opportunity, no Rio de Janeiro e em São Paulo, em busca de provas de crimes contra o sistema financeiro. Eles recolheram livros contábeis e contratos de empresas controladas por Dantas que fariam operações cruzadas de empréstimos.

A existência ou a simulação dessa prática é proibida por lei, para evitar que o mecanismo seja utilizado para ocultar a origem de dinheiro ilícito. Transcorridos mais de dois anos desde que a Satiagraha teve início, Daniel Dantas nem sequer foi denunciado à Justiça pelos crimes financeiros que motivaram a desastrada operação de Protógenes. Sua condenação a dez anos de prisão ocorreu pela tentativa de corromper um dos delegados que o investigavam. Espera-se que a PF consiga dar à Satiagraha um mínimo de lógica e que ela produza provas reais contra malfeitores, e não apenas divagações lisérgicas de Protógenes e seus mentores. Será muito ruim para o Brasil se o preço do destrambelhamento e das ambições políticas do delegado Protógenes for a impunidade de criminosos como Daniel Dantas.

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Eu, Luis Carlos Azenha, observo:

Visando dar cobertura à sua atuação em defesa dos interesses do banqueiro Daniel Dantas, a revista "Veja" agora diz que ele é "ex-banqueiro" e se refere a Dantas como "criminoso". Tudo bem, desde que os reais interesses de Dantas sejam preservados: a anulação da Satiagraha, comprometida pelo "festival de abusos, trapalhadas e ilegalidades" de Protógenes, que a revista define como "bipolar" e "lisérgico", ou seja, sob efeito de LSD.

"Espera-se que a PF consiga dar à Satiagraha um mínimo de lógica", pede a revista. Ora, se ela é fruto de um bipolar lisérgico, como é que poderia ter lógica? Se não tem lógica, como é que se sustenta nos tribunais?

O delegado Amaro Vieira Neto, que investiga Protógenes por vazamento de informações e interceptação ilegal, já produziu um relatório que incrimina o colega e será um poderoso "argumento" nas mãos dos advogados de Dantas.

A revista se refere a Protógenes como "talentoso Ripley", justamente a alcunha que a revista CartaCapital deu ao blogueiro Reinaldo Azevedo, de Veja, um dos mosqueteiros de defesa de Gilmar Mendes e de acusação contra Protógenes. E usa "ínclitos" para se referir a uma suposta bancada de defesa de Protógenes no Congresso. "Ínclito" é como Paulo Henrique Amorim se refere a Protógenes.

Notem que a revista inclui na suposta bancada de defesa de Dantas apenas os deputados aos quais pode imputar alguma acusação. Não menciona Chico Alencar, do PSOL, nem o senador Pedro Simon, do PMDB, por exemplo. E se refere a uma "claque" de Protógenes, como se fosse uma torcida organizada por interesses escusos.

A partir disso é possível concluir:

1) Que a "Veja" teme a claque de Protógenes, ainda que ela caiba em uma Kombi;

2) Que a internet está fazendo efeito para romper a defesa do banqueiro assumida pela mídia corporativa;

3) Que Protógenes agrega, agora, um apoio parlamentar superior ao que agregava há algumas semanas.

O texto da revista volta a fazer uma série de acusações contra o delegado sem apresentar as provas. O fato de que ele tem o número do telefone de alguém na memória do computador não significa absolutamente nada. Pela lógica de Veja, a apreensão dos discos duros dos computadores da revista revelariam uma imensa conspiração da Abril para buscar informações e chantagear o Brasil.

Essa é uma prova que eu faço questão de ouvir: o áudio de um grampo ilegal que tenha sido feito pelo delegado Protógenes ou um dos agentes da Polícia Federal ou da Agência Brasileira de Informações (ABIN) e que tenha sido incluído na Satiagraha. O resto é cortina de fumaça.

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Mas o texto da Veja é mais revelador pelo que não noticiou.

Para uma revista que se mostra tão interessada pelo conteúdo do computador de Protógenes, a ponto de divulgar até mesmo um texto de caráter pessoal que seria de autoria do delegado, é curioso que Veja nada tenha mencionado do relatório atribuído ao delegado sobre as relações de Daniel Dantas com a mídia.

De acordo com o relatório, baseado em escutas telefônicas legais:

1) Naji Nahas pagou 50 mil reais em dinheiro, num envelope, ao jornalista Roberto D'Ávila, namorado da juíza Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, aquela que havia impedido o acesso da Polícia Federal ao conteúdo de um disco rígido do banco Opportunity -- o mesmo que depois daria origem à Operação Satiagraha. Leia aqui.

2) Naji Nahas, em conversa com uma pessoa de nome Sergio, diz que o colunista Diogo Mainardi, de Veja, "está a serviço do Daniel". Na mesma conversa, Sergio diz que Lauro Jardim, de Veja, "é aliado". Leia aqui.

3) Daniel Dantas tem uma conversa com uma jornalista não identificada, à qual diz que "o Diogo afirmou na segunda-feira que não vai continuar". O banqueiro também sugere à jornalista fazer "um arremate elegante e sair do assunto". Tudo indica que ele se referia à ex-repórter da Folha de S. Paulo, Janaina Leite, que esteve envolvida em uma polêmica com Luís Nassif pela internet. Em sua série sobre a revista Veja, Nassif sustenta que a jornalista, quando ainda trabalhava no jornal, prestou serviços aos interesses de Daniel Dantas. Ela nega. Leia aqui sobre o papel que, segundo Nassif, Janaína desempenhou.

Os grampos legais da operação Satiagraha pegaram conversas de Dantas com jornalistas. Em algumas existe referência a MNI, de mulher não identificada. Em um terceiro, Janaína Leite é identificada. Num dos grampos legais ela aparentemente avisa Dantas que já se livrou da polêmica com Nassif.

Todos esses grampos, legais, a gente gostaria de ouvir no Jornal Nacional -- acompanhados pelas devidas explicações de Naji Nahas e de todos os outros citados, para que não pairem dúvidas.

Veja também não se refere às investigações da Polícia Federal que não descobriram, até agora, nenhum indício físico da existência de grampo de conversa telefônica entre o presidente do STF, Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres. É o tal "grampo sem áudio", que serviu de base para o afastamento do delegado Paulo Lacerda da ABIN.

Ou seja: foi uma reportagem de Veja, sem provas, que deu origem à CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas; outra, sem provas, que provocou o afastamento de Paulo Lacerda; e uma terceira, até agora sem provas, que prorrogou o funcionamento da CPI.

Há indicios materias mais fortes de que jornalistas de Veja e da Folha de S. Paulo favoreceram os interesses do banqueiro Daniel Dantas do que indícios materiais de que o delegado Protógenes ou o ex-diretor da ABIN, Paulo Lacerda, tenham cometido ilegalidades.

Finalmente, a revista Veja simplesmente fez que não ouviu o depoimento completo do delegado Protógenes Queiroz, em que ele sugeriu que a CPI analise os documentos que a Kroll produziu supostamente a serviço de Daniel Dantas.

Eu diria que Protógenes esnucou a CPI: o material existe e não está protegido por segredo de Justiça. Se a CPI se dedica a investigar escutas clandestinas, por que deixaria de analisar esse material para determinar se, de fato, a Kroll fez ou não grampos ilegais?

Desconfio que a CPI vai dar um jeito de acabar sem ouvir novamente Daniel Dantas, nem Paulo Lacerda. E sem ir atrás do que podem ser provas relacionadas ao objeto da existência da CPI: grampos ilegais. A Kroll grampeou ilegalmente? Fez isso a pedido do banqueiro? Se a CPI não for atrás dos documentos da Kroll, ficará provado que ela existiu com o objetivo apenas de promover os interesses de Daniel Dantas.

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Essa novela ainda tem muito a oferecer. Eu quero saber, por exemplo:

1) Qual é o conteúdo dos arquivos apreendidos na casa de Daniel Dantas e que foram enviados à polícia dos Estados Unidos?

2) Qual era o nexo entre Daniel Dantas e Naji Nahas? Eles de fato atuavam em conjunto? Qual o objetivo?

3) Dantas saiu da telefonia e transferiu os negócios para o setor agropecuário e de mineração. Que tipo de influência ele está exercendo nos bastidores do Congresso e do estado brasileiro com o objetivo de fazer avançar os seus interesses? Ele faz algum lobby para moldar a legislação que abrirá as reservas indígenas à mineração?

4) Quais são, se existem, os interesses comerciais comuns de Dantas com empresários da comunicação no Brasil? É uma relação de patrocinador-patrocinado? Ou de sociedade em negócios?

Fonte: Vi o Mundo

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