domingo, 12 de abril de 2009

O Rio fracassou. A culpa é do Brizola

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por Luiz Carlos Azenha, Rodrigo Vianna e Danuza Leão

Desde os anos 80 eu percebo um certo saudosismo em relação ao Rio dos anos 60. Meu primeiro contato com ele foi em conversas com o Paulo Francis, em Nova York. O Rio era, pelo que diziam, um paraíso da classe média: praia boa, mulheres bonitas, pouco trânsito e uma importância política e cultural que perdeu desde então.

Esse Rio "ideal" persiste no cérebro dos mais velhos e é retransmitido aos mais novos como se fosse possível voltar no tempo. É, em minha opinião, a principal cola ideológica por trás da agenda política reacionária que a "intelectualidade" carioca agora persegue. Como a Globo é a principal empregadora no Rio de Janeiro, pouca gente se dispõe a contestar essa agenda reacionária. Ficamos entregues, portanto, ao ativismo de Ali Kamel e aqueles que fazem tráfico de influência com o ideólogo da Globo: cineastas, escritores e jornalistas que, direta ou indiretamente, dependem da Globo para promover seus filmes, livros e projetos.

Políticos, mesmo os que se definem como progressistas, não ousam dar um pio contra os interesses da Globo. Todos querem botar a cara no Jornal Nacional e sonham com os holofotes da Globonews, que ninguém é de ferro. Isso contribui para a atrofia intelectual do Rio de Janeiro e para negar um dos princípios que fizeram da cidade o que ela foi nos anos 60: arejada, aberta às novidades e às influências que chegavam de fora.

A leitura de "O Globo", hoje, é reveladora de uma agenda política e cultural reacionária que reflete uma tentativa de voltar àquele Rio dos anos 60: criminalização dos movimentos sociais, dos pobres em geral e dos que os representam, em especial de Leonel Brizola e seus herdeiros políticos.

É como se fosse possível fechar os túneis, remover os pobres e criar um Projac frequentado apenas pelos brancos de olhos azuis, por mulatas de novela, uma "democracia racial" de fachada onde os negros saibam seu lugar e a classe média possa deixar o carro sobre a calçada com a porta aberta.

O fato é que o Brasil mudou e, com ele, o Rio de Janeiro. A migração interna transferiu milhões de pessoas para as metrópoles brasileiras por conta do desequilíbrio econômico regional e com incentivo das novelas da Globo, que sempre venderam ao Brasil o "paraíso" carioca e a maravilha do consumo.

Não foi, portanto, o Brizola quem trouxe os pobres para o Rio de Janeiro. Foi um desequilíbrio econômico regional que vem de longe, aprofundado pelas políticas concentradoras de renda do regime militar. Essas políticas sempre receberam o apoio tácito das Organizações Globo. Se houve um presidente que atacou o desequilíbrio causador do inchaço das metrópoles brasileiras foi o atual, que recebe feroz oposição kameliana. Se houve um programa social bem sucedido para atacar a pobreza no Nordeste foi o Bolsa Família, que recebe feroz oposição kameliana.

A integração viária do Rio de Janeiro, que teria facilitado aos pobres chegar à Zona Sul, é um caminho de duas mãos. Pelas mesmas ruas e avenidas chega também a mão-de-obra barata, a criadagem que é fator essencial para reduzir as filas no "Garcia&Rodrigues".

O Rio é uma cidade espetacular e poderia fazer fortuna extraordinária com o turismo. No entanto, precisa atacar seus problemas essenciais, sem os quais jamais conseguirá preencher a sua vocação de bater Paris, Nova York e Roma como o maior destino turistico do mundo. E esses problemas essenciais são óbvios: segurança pública, saúde e educação. Não há outro caminho e não há como fazê-lo usando a polícia. Nem vai acontecer da noite para o dia, assim com a decadência do Rio foi lenta e gradual.

Mas isso só será possível quando algum projeto político for capaz de romper com a lógica afrikaner da elite carioca, que culpa Leonel Brizola e outros fantasmas pelos problemas que ela própria causou e continua a alimentar e que sonha com a eliminação física de pretos, putas e pobres enquanto financia o tráfico fumando maconha e cheirando cocaína. Fiquem com o texto de Rodrigo Vianna, outro paulista apaixonado pelo Rio de Janeiro, como eu.

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Danuza tem saudade do Rio sem túnel nem pobre

por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador


A Danuza Leão tem medo. Medo de pobre.

Vejam o que ela escreveu, num jornal paulista, sobre as mudanças ocorridas no Rio de Janeiro nas últimas décadas:

"(...) os carros se multiplicaram nas ruas, os ônibus também, foi aberta a linha vermelha, depois a linha amarela, os túneis se alargaram e foi aberto o Rebouças. Com isso a população itinerante da zona sul cresceu loucamente, e nos dias de hoje quem mora em Copacabana ou Ipanema não ousa dar um mergulho aos sábados e domingos por não ter lugar para passar, e por medo dos arrastões. A baixada da zona norte nas praias democratizou a cidade.

A tal ponto que sair para comprar um botão hoje dá medo, pois pode-se levar uma bala perdida na Visconde de Pirajá ou encontrar um "presunto" na porta de sua casa.

E quando as linhas do metrô chegarem a Ipanema e ao Leblon, o Rio vai ficar mais democrático ainda. E aí vai ser preciso mudar para o mato, pois não vai ter espaço para tanta gente."

A Danuza Leão tem saudade. Saudade de quando o Rio (a zona sul, diga-se) era só da "turma" dela. Saudade de quando o Brasil era só da turma dela.

Guimarães Rosa dizia que "toda saudade é uma espécie de velhice".

Há quem saiba ficar velho. E há os que resistem, plastificados e ranzinzas.

Os velhinhos e velhinhas da zona sul são uma das atrações do Rio. Há as senhoras enrugadas que seguem indo à praia, sem medo de esconder o corpo. E os senhores que se juntam nas redes de vôlei, já meio barrigudos, sabem rir das limitações físicas que a idade lhes impõe.

Mas, a Danuza não. A Danuza tem medo.

Medo de comprar um botão. "Bala perdida na Visconde de Pirajá" (pra quem não sabe, trata-se da principal rua comercial de Ipanema) é culpa da turma da zona norte, é isso?

Danuza diz que o Rio ficou mais "democrático". Democracia, pra ela, deve ser algo terrível.

Acabo de publicar um texto sobre um velho sábio: Mario Benedetti, escritor uruguaio. Contei que o sorriso e a simplicidade do texto de Benedetti me cativaram - http://www.rodrigovianna.com.br/sopa-de-letras/a-prosa-comovente-do-uruguaio-mario-benedetti.

Quanto à Danuza, não sei o que me assusta mais: os artigos ou o sorriso dela.

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O Rio sempre foi lindo, mas mudou

por DANUZA LEÃO, na Folha de S. Paulo

Até o início dos anos 50 a cidade era dividida entre as zonas sul e norte, ligadas só por dois túneis estreitos, que davam mão para um carro que ia e outro que vinha. E é preciso lembrar que os automóveis eram pouquíssimos, naquela época.

A classe média alta e os ricos moravam na zona sul, e dizer que morava na zona norte já dizia tudo. Havia um grande preconceito entre os dois lados da cidade, que aliás ainda existe.

Afinal, era na zona sul que estavam todas as praias, os cinemas, as meninas mais bonitas. E pegar um bonde para vir passear em Copacabana não passava pela cabeça de quem morava do outro lado da cidade (ônibus quase não havia).

Era bom morar na zona sul; além dos cinemas Metro e Rian - os únicos refrigerados -, depois do jantar as famílias saíam para dar um "giro" na calçada da praia, de braços dados, e atrás iam as filhas, de olho nos rapazes que ficavam de pé, em grupo, também de olho nelas.

Nesse tempo quem tinha carro deixava ele aberto, alguns até com a chave, e não havia perigo de nada acontecer. Quando as meninas saíam à noite tinham que chegar às 22h, nem um minuto a mais. E não podiam sair sozinhas, claro.

Mas o mundo se modernizou; os carros se multiplicaram nas ruas, os ônibus também, foi aberta a linha vermelha, depois a linha amarela, os túneis se alargaram e foi aberto o Rebouças. Com isso a população itinerante da zona sul cresceu loucamente, e nos dias de hoje quem mora em Copacabana ou Ipanema não ousa dar um mergulho aos sábados e domingos por não ter lugar para passar, e por medo dos arrastões. A baixada da zona norte nas praias democratizou a cidade.

A tal ponto que sair para comprar um botão hoje dá medo, pois pode-se levar uma bala perdida na Visconde de Pirajá ou encontrar um "presunto" na porta de sua casa.

E quando as linhas do metrô chegarem a Ipanema e ao Leblon, o Rio vai ficar mais democrático ainda. E aí vai ser preciso mudar para o mato, pois não vai ter espaço para tanta gente.

Fonte: Vi o Mundo

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