quarta-feira, 3 de junho de 2009

EUA - Os militares contra Cheney e a tortura

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Enquanto começa a perder gás a atual operação do conservadorismo republicano bancada pelo império de mídia de Rupert Murdoch (Fox News, etc), agora na obsessão de impedir a aprovação de Sonia Sotomayor para a Suprema Corte, vale voltar à operação anterior, na qual a mesma gente (Dick Cheney, Rush Limbaugh & o resto da turma) acusava o governo Obama de “enfraquecer” o país por repudiar a tortura.


Por Argemiro Ferreira

Ironicamente, o golpe de misericórdia contra a conspícua ofensiva extremista liderada pelo vice de George W. Bush veio de personalidades respeitadas da própria área militar. Entre elas, a estrela maior, general David Petraeus, o mais alto chefe do Comando Central dos EUA, exaltado pela direita republicana como herói desde que propôs – e liderou – o plano do reforço de tropas (surge) no Iraque.

Quando destaco o império Murdoch não quero dizer que está sozinho em mais essa operação anti-Obama, pois outros veículos da mídia o acompanham. A FAIR (Fairness & Accuracy in Media), uma organização competente no monitoramento da mídia pela esquerda, citou frase do repórter Jonathan Karl, da rede ABC: “Dick Cheney parece estar em toda parte”. Como vice-presidente fora recluso, fugia da mídia, agora tornou-se “o mais visível dos republicanos”.

Mesmo bancado ostensivamente pela mídia Murdoch, Cheney estava em tantos lugares ao mesmo tempo que ficava difícil deixar de vê-lo. A 15 de março na CNN (”State of the Union”), 20 e 21 de abril na Fox News (”Hannity”), 10 de maio na CBS (”Face the Nation”), 12 de maio novamente na Fox News (”Your World”). Tornara-se inescapável para quem ligasse a TV. E o tema central dele é sempre a tortura, que rebatizou com um eufemismo enganoso – enhanced interrogation.

Virar a página e voltar aos valores

Outra ironia sugestiva é o general Petraeus ter escolhido exatamente a Fox News de Murdoch para veicular suas declarações contrárias à tortura e favoráveis ao fechamento da infame prisão de Guantânamo. O chefe militar, mesmo tendo dito com todas as letras que os EUA violaram as convenções de Genebra, preferiu não ser explícito sobre qual fora a violação – o que não exigia maior imaginação dos que o ouviram.

Escrevendo sobre o assunto no Huffingtonpost.com, popular website político, o ex-capitão Jon Soltz, veterano da operação Iraqi Freedom (nome oficial da invasão do Iraque em março de 2003) reproduziu parte da entrevista de Petraeus a uma das múltiplas louras da Fox News. Ela perguntou (repetindo o eufemismo de Cheney), como o inimigo reagiria se os EUA dissessem que não mais usariam tortura para arrancar confissões. Eis a resposta dele:

“Bem, eu faria outra pergunta. Perguntaria se isso não vai tirar de nossos inimigos um instrumento que já nos derrotou de novo aos olhos da opinião pública. Depois de termos adotado ações que violaram as convenções de Genebra, fomos criticados e com razão. Assim, o importante agora é virar a página e retomar nossos valores, voltar a cumprir e praticar os acordos internacionais que assinamos”.

Petraeus disse mais ou menos a mesma coisa que o presidente Obama afirmara em seu discurso sobre Guantânamo – ou seja, que os EUA têm de voltar a se conduzir conforme os princípios e valores que pregam. Vale a pena ouvir não só a palavra do chefe militar, mas ainda a ginástica posterior (spin, no jargão da Fox News) da loura obstinada em adaptar a palavra de Petraeus à ideologia do império Murdoch.

“Os nossos erros, desde o 11/9”

A mesma coisa acontece ainda em relação ao fechamento de Guantânamo (Gitmo, codinome produzido pela burocracia do Pentágono, célebre por suas sopas de letras). O general Petraeus defendeu o fim da prisão, com o que até o presidente Bush já tinha concordado. Lembrou ainda que as práticas dessa prisão “foram usadas por nossos inimigos contra nós”. E reconheceu também que os EUA, a partir do 11/9, “cometeram tropeços e erros”.

Guantânamo, para ele, funciona como “uma lembrança persistente” de tais erros. Quando a loura de Murdoch invocou a hipótese com que a Fox tenta obsessivamente aterrorizar os americanos, de que ex-detidos da prisão infame saiam e circulem livremente nos EUA, Petraeus respondeu: “Em primeiro lugar, não acho que deviamos ter medo de praticar nossos valores. É por eles que lutamos, são eles que defendemos”.

A solução então, conforme recomendou, é ter confiança no sistema jurídico do país. “Precisamos ter certo grau de confiança de que os indivíduos que conduziram atividades extremas sejam de fato considerados culpados em nossos tribunais e não sejam libertados”. O militar deixou clara sua discordância dos que teimam (como Cheney, que aposta no medo – acrescento eu, Argemiro Ferreira) em bater nessa tecla ao invés de virar a página.

O retorno à retórica macarthista

Antes mesmo da entrevista de Petraeus a posição de outros militares e ex-militares – dos generais Wesley Clark e Paul Eaton a John Shalikashvili, Joseph Hoar e Hugh Shelton, já era essa, inequivocamente. Sem esquecer a resposta contundente dada por Colin Powell a Cheney e Rush Limbaugh. Todos eles tinham deixado claro que o conservadorismo republicano, que há anos se diz porta-voz dos militares, não fala por eles.

Para o colunista Jon Soltz, do Huffingtonpost.com, os republicanos abandonaram “os ideais que tornaram nossos militares fortes”. Nos dias atuais gente como Cheney, que tenta tomar o controle das mensagens, idéias, práticas e políticas do Partido Republicano, deixou de lado os antigos princípios e aliados, não mais opera a partir de posições morais elevadas.

Os excessos patrióticos de Cheney, falcão-galinha (chickenhawk) que fugiu do serviço militar e hoje torce por ação terrorista capaz de provar a “fraqueza” dos rivais democratas na defesa do país, dificilmente ajudarão os republicanos. Ao contrário, correm o risco de derrotar o partido que já foi de Joe McCarthy, zeloso caçador de bruxas que acusava os críticos de traidores e cúmplices do comunismo.

O ex-capitão Soltz concluiu com o testemunho de um veterano da contra-inteligência americana no Afeganistão, Jay Bagwell. Ao condenar a tortura, Bagwell contou ter visto detidos com panfletos que retratavam o que ocorria em Guantânamo, causa da adesão deles ao terrorismo. “Os EUA não podem ser um farol da liberdade, dos direitos humanos e respeito à lei se ignoram a lei internacional”, afirmou.

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