quarta-feira, 10 de junho de 2009

Barack Obama, refém dos establishments

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Se houvesse um sentido central no slogan da mudança, graças ao qual Barack Obama ascendeu tão inesperadamente à presidência dos EUA, isto dizia respeito ao combate aos establishments e aos interesses empresariais, que controlam o processo político e direcionam as leis em seu benefício.

Por Mary Stassinákis, no Monitor Merrcantil

Contudo, nos primeiros meses de sua gestão presidencial, apesar da generalizada aprovação de suas primeiras decisões pelos comentaristas políticos e econômicos além da opinião pública, um crescente coral de críticos o acusa de que na mais crítica questão doméstica – a salvação e reformulação do setor bancário – Obama tem traído o ideário da mudança.

No final de abril, o jornal New York Times, o mais importante de todos os jornais norte-americanos, e geralmente a mais forte alavanca de apoio ao novo governo, publicou em sua primeira página extensa reportagem sobre as relações – não tão éticas – do secretário do Tesouro, Timothy Geithner, com Wall Street.

A reportagem revela as estreitas relações que Geithner cultivou quando era governador do Federal Reserve (Fed) de Nova York com os CEOs dos grande conglomerados financeiros entre 2004 e 2009, anos durante os quais o gerenciamento de risco nestas instituições escapou de qualquer controle, preparando o terreno para o crash de 2007-2008.

A reportagem cita uma série de fontes – legisladores, economistas e até ex-colegas de Geithner no Fed de Nova York -, garantindo que o plano de salvação dos bancos do secretário do Tesouro, assim como outras medidas tomadas para a reforma do setor, são excessivamente generosas para com as instituições financeiras – em detrimento dos contribuintes.

Além disso, destaca que as medidas tomadas por Geithner quando presidente do Fed de Nova York, para blindar o sistema financeiro contra a crise do super-endividamento e da descapitalização que o atingem hoje, foram medíocres.

O comentário de Joseph Stiglitz, economista, Prêmio Nobel de Economia e ferrenho crítico do plano de salvação dos bancos, é característico: “Não acho que Tim Geithner tinha qualquer outro motivo que não a preocupação da volta do sistema financeiro ao funcionamento normal. Mas creio que a mentalidade de cada um é formulada pelos indivíduos com os quais se relaciona, e qualquer um pode chegar a acreditar que o que é bom para Wall Street é bom para a América”.

Conselhos caros

Suspeitas da excessiva camaradagem com os banqueiros não pesam somente sobre Geithner. Lawrence Summers, presidente do Conselho Econômico da Casa Branca, é a mais poderosa figura do Estado-Maior econômico de Obama, junto com o secretário Geithner.

No início de abril, quando os membros do staff da Casa Branca publicaram seus rendimentos em 2008, foi revelado que Summers recebeu US$ 52 milhões por serviços de consultoria prestados ao Capital de Investimentos D.E Shaw, assim como US$ 2,7 milhões em patrocínio por suas palestras pelos conglomerados que se encontram hoje no epicentro do turbilhão financeiro, como Lehman Brothers, Merrill Lynch, Citigroup e Goldman Sachs.

Estes novos dados aumentaram as preocupações de todos que se lembram de Summers desde a década de 1970, como um dos mais ferrenhos defensores da desregulação financeira, quando do exercício de seu cargo como secretário-adjunto e, posteriormente, secretário do Tesouro na gestão presidencial de Bill Clinton.

Entre outros, Summers alavancou a abolição da Lei Glass-Stegal, que havia sido aprovada durante a gestão de Franklin Roosevelt com o objetivo de separar as atividades comerciais das atividades de investimentos dos bancos.

Simultaneamente, foi um dos principais combatentes contra quaisquer tentativas de regulação do mercado do derivativos (derivatives), cujo incontrolável crescimento desempenhou papel decisivo na queda do sistema após a declaração de falência do Lehman Brothers.

Porta giratória

As atividades de consultoria de Summers comprovam a famosa teoria da porta giratória, isto é, do crescente número de indivíduos que se movimentam em ambos os sentidos entre o mundo empresarial e o setor público, contribuindo para a manutenção de um governo federal refém dos interesses empresariais.

Nos últimos 25 anos, o setor financeiro tem crescido de forma impressionante nos EUA. De 1973 até 1985, os desempenhos operacionais deste setor não superaram em nenhum ano o percentual de 16% dos desempenhos operacionais das empresas norte-americanas.

Durante a década de 1990, o percentual oscilou entre 21% e 30%, e durante a década atual chegou a superar o percentual de 61% do total dos desempenhos operacionais das empresas norte-americanas.

O aumento da importância deste setor para a economia norte-americana está intimamente relacionado com a reavaliação de sua influência política, e uma das principais formas com as quais esta influência adquire poder, além das contribuições monetárias aos candidatos e partidos, é através da porta giratória.

Robert Rubin, antecessor de Summers como secretário do Tesouro, havia sido presidente do Banco de Investimentos Goldman Sachs, e após sua gestão como secretário foi presidente do Conselho Executivo do Citigroup.

Já Henry Paulson, último secretário do Tesouro da gestão de Bush Jr., foi antes CEO do Goldman Sachs, e seu antecessor John Snow, após sua permanência em Washington, saltou à presidência da Cerberus Capital Management, uma das maiores empresas de gerenciamento de capitais privados de Wall Street.

Por sua vez, Alan Greenspan, o “Mago”, após duas décadas na presidência do Fed, assumiu as funções de conselheiro na empresa de Investimentos Pimco, que atua nos mercados internacionais de debêntures. No final de abril, por exemplo, foi anunciado que Michael Paese, até recentemente Chief of Staff de Berny Frank, presidente da Comissão dos Serviços Financeiros da Câmara dos Representantes dos EUA, assumiu a diretoria de Assuntos Governamentais (leia-se lobbying) do Goldman Sachs, cargo que era ocupado anteriormente por Mark Peterson, que assumiu o cargo de Chief of Staff da Secretaria do Tesouro.

A serviço da oligarquia

Em uma extensa e sensacional reportagem, publicada pela revista Atlantic Monthly no mês passado, Simon Johnson, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e atualmente professor da Sloan School of Management no Massachusetts Technological Institute (MIT) dos EUA, revela que o crash financeiro que atingiu os EUA e, por extensão, a economia mundial, lembra em “grau chocante” as crises que têm eclodido, exclusivamente, em economias emergentes, como a Rússia, a Indonésia e a Argentina.

Estas crises – Johnson esclarece – ocorrem porque membros da oligarquia empresarial de cada país emergente tendem a se mover cada vez mais em terreno de alto risco, considerando – habitualmente certos – que, caso a situação evolua negativamente, o governo não permitirá sua bancarrota.

Voltando aos EUA, anotem a seguinte semelhança: “Altos interesses empresariais – de banqueiros no caso dos EUA – desempenharam papel principal na criação da crise, assumindo cada vez mais e maiores riscos, com o indireto apoio do governo, até a inevitável derrocada”.

E continua: “Ainda mais preocupante é o fato de que agora utilizam sua influência para evitar exatamente aquelas reformas que são necessárias – e urgentes – para a economia emergir de seu mergulho no vazio. O governo dos EUA mostra-se incapaz de agir contra eles”.

Naturalmente, os EUA – sob vários aspectos – não são a Rússia e muito menos a Argentina. Entretanto, a semelhança institucional das crises nas economias emergentes com aquilo que acontece ali é, de fato, arrepiante.

Obama e seu Estado-Maior devem provar que não são reféns – ideologicamente e de qualquer outra forma – dos interesses que puseram a economia norte-americana, assim como a internacional, “de joelhos”.

Fonte: Monitor Mercantil

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