por Leonardo Sakamoto
Na última terça, diversos veículos de comunicação noticiaram que protestos de 400 trabalhadores rurais no município de Matriz do Camaragibe (AL) causaram pânico na população. Sem se atentar para a causa dos protestos e para a ineficiência em garantir os direitos dos bóias-frias, os taxaram como vândalos, desviando o verdadeiro foco do problema.
Vamos aos fatos: O Ministério Público do Trabalho, o Ministério do Trabalho e Emprego e a Polícia Rodoviária Federal flagraram cerca de mil trabalhadores rurais de Matriz do Camaragibe e de outros municípios alagoanos, contratados irregularmente para o corte de cana no Mato Grosso. Eles denunciaram que haviam sido enganados por “gatos” (contratadores de mão-de-obra). Segundo o site do MPT, a situação culminou na prisão de José Ferreira Lins Filho e Cícero Gomes dos Santos, por aliciamento de trabalhadores (crime mais conhecido como tráfico de gente), previsto no Código Penal.
Os trabalhadores exigiram o dinheiro pago aos aliciadores pelo transporte e suas carteiras de trabalho – retidas ilegalmente. Foi dado prazo até o dia 31 último para que o dinheiro e as carteiras de trabalho fossem devolvidos. Na última segunda (30), os dois aliciadores foram soltos após pagar R$ 400,00 de fiança e não cumpriram com o acordado.
Revoltados, sem dinheiro e documentos, os trabalhadores fecharam uma rodovia na manhã de terça. Depois, depredaram prédios públicos. Também invadiram o Fórum da cidade e sem conseguir falar com o juiz Igor Vieira (que soltou os aliciadores e deixou a cidade escoltado pela polícia), atearam fogo em salas do local, queimando documentos. Ao todo, 16 pessoas foram detidas.
Imagine um pai de família, sem dinheiro para comprar comida para os filhos, que foi enganado por promessas de um bom emprego, foi aliciado, teve seu dinheiro e documentos roubados, quando fica sabendo que os traficantes de gente foram soltos e as suas coisas não seriam devolvidas?
Não aprovo violência. Mas parte da mídia não quis entender qual era a situação ali e comparou com o ato com uma horda de bárbaros ensandecidos que queria acabar com a ordem local (”ordem” essa que deve ser muito justa, pois permite que os moradores sejam obrigados a cruzar o país em uma busca de sustento…) “Muitos pais de família estão passando necessidade, muitos deixaram o emprego depois da promessa de ganhar mais lá fora”, disse o trabalhador Givaldo da Silva ao MPT.
E como cereja do bolo: o ilustríssimo senhor delegado regional de Matriz do Camaragibe, Delmiro Albuquerque, classificou os atos como “terroristas” e afirmou que há a hipótese de usar o dinheiro retido pelos “gatos” para pagar pela depredação. Terrorismo? Parece piada de mau gosto.
Delmiro também disse que ninguém esperava por uma reação tão violenta.
Talvez porque seja costume de algumas autoridades no Brasil, juízes ou delegados, esperarem que os trabalhadores se comportem como gado diante de injustiças bizarramente impostas. Bovinamente aceitando que os seus direitos sejam solenemente ignorados como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Fonte: Blog do Leonardo Sakamoto
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