sexta-feira, 24 de abril de 2009

Sobre o fechamento do Congresso

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Cristovam Buarque é "um democrata histórico, convicto", afirma Hatoum

por Milton Hatoum
De São Paulo

Há pouco tempo o Parlamento tremeu com uma declaração do senador Cristovam Buarque. Isso foi no dia 6 de abril, segunda-feira, quando todos os brasileiros trabalham, exceto os parlamentares e os desempregados. Enquanto estes estão à procura de serviço, os políticos esticam o fim de semana e retomam a árdua labuta na quarta-feira, dia de trabalho duro.

De fato, havia poucos senadores no plenário quando Cristovam Buarque disse a outro senador o que havia declarado domingo, 5 de abril, numa entrevista radiofônica: "A reação é tão grande hoje contra o Parlamento, que talvez fosse a hora de fazer um plebiscito para saber se o povo quer ou não que o parlamento continue aberto".

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Foi um Deus nos acuda. Os colegas do senador pedetista se revoltaram. Houve um surto de moralidade na Casa. Alguém - um cacique carrancudo do PPS - acusou Buarque de golpista. É injusto, nobre Cacique. Conheço o trabalho do senador do PDT, li seus ensaios e seu romance político. É um intelectual sério, um democrata histórico, convicto. O desabafo contra a vergonhosa situação política e administrativa do Congresso foi impensado. Às vezes um desabafo surge como o diabo quer: as palavras saem aos borbotões, terríveis como um rio de serpentes. Ou terríveis e venenosas como as serpentes do cerrado.

Confesso que fiquei comovido com a indignação de alguns senadores, as "Excelências" do DEM, do PMDB e de outros partidos. Mas se houvesse um plebiscito sobre o fechamento do congresso nacional, qual seria o resultado? Se a proposta do fechamento ganhasse, seria uma lástima para a nossa combalida democracia, e um triunfo para golpistas assumidos e enrustidos.

Os desmandos e escândalos no poder legislativo se reproduzem como coelhos de uma cartola sem fundo. Parte dessa bandalheira é consequência da interrupção arbitrária e violenta da democracia. No Brasil e na América Latina sempre houve corrupção e impunidade escancaradas, mas os sucessivos golpes militares nesse triste continente travaram o processo democrático. Em vez de plebiscito, sugiro que o povo vá às ruas e às praças para protestar contra os desmandos nos três Poderes; aliás, contra tudo, inclusive contra as privatizações duvidosas e a impunidade dos poderosos do sistema financeiro. Mas tudo indica que o povo está anestesiado, parece que ainda não entendemos que a forma mais eficaz de protestar é a velha e boa militância, a mesma que derrubou a ditadura e encheu as ruas na campanha pelas "Diretas Já". Precisamos de uma "Moralização Já".

Se tudo isso soa como um sonho ou uma utopia, tenho uma outra proposta. Que Deus ou o próprio Congresso vote uma lei que institua apenas um dia de trabalho no Parlamento. Por exemplo: quarta-feira. Se os nobres colegas trabalharem oito horas de um único dia, haverá mais dinheiro para investimentos básicos. Um só dia de trabalho. Em contrapartida, o número de assessores, de passagens aéreas e de dezenas de regalias deve ser dividido por cinco. E que se enterre de vez essa vergonhosa "verba indenizatória". Quem precisa ser indenizado é a imensa maioria do povo brasileiro: as crianças, os enfermos, os idosos e as mães pobres e miseráveis.

*Milton Hatoum é escritor, autor dos romances Órfãos do Eldorado, Dois Irmãos, Relato de um Certo Oriente e Cinzas do Norte.

Fale com Milton Hatoum: milton.hatoum@terra.com.br

Fonte: Terra Magazine

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