segunda-feira, 13 de abril de 2009

Para onde vai o leste europeu?

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O leste europeu está passando por um “realinhamento” significativo, num movimento em que, por trás das cortinas, se digladiam a União Européia, a OTAN e a “nova Rússia” de Putin/Medvedev. O mês de abril já registra protestos em duas das repúblicas da região que emergiram a partir da dissolução da União Soviética, a Geórgia e a Moldávia.

Há muita confusão no ar. Mas uma coisa é certa: o leste europeu está passando por um “realinhamento” significativo, num movimento em que, por trás das cortinas, se digladiam a União Européia, a OTAN e a “nova Rússia” de Putin/Medvedev.

O começo de abril foi marcado por protestos – alguns violentos – em duas das repúblicas do leste europeu que emergiram da submersão da finada União Soviética.

Houve protestos pacíficos em Tbilisi, na Geórgia, contra o presidente Mikhail Saakashvili. Saakashvili chegou ao poder em 2003, no curso de um movimento batizado no Ocidente como “Revolução Rosa”. Na ocasião, foi saudado por George Bush com o apelido de “Farol da Liberdade”. O movimento afastou a Geórgia da Rússia, o que a tornou logo um alvo para a União Européia, de um lado, com sua aproximação econômica de “levar o capitalismo” a quem dele precisa; da OTAN, de outro, com sua aproximação militar de ocupação das áreas de influência de sua arquiinimiga, a Rússia.

Antes de prosseguirmos com a história dos protestos, vale uma observação: cada vez mais fica evidente que a finada União Soviética era uma espécie de “cortina de fumaça” para a “Grande Rússia”, um sonho/plano que acabou determinando uma curiosa linha de continuidade histórica entre os regimes czarista e soviético, no fim de contas. De certo modo o fim do comunismo “libertou” a Rússia de suas “peias ideológicas”, e a questão das áreas de influência retorna a galope, agora que aquele país e o Kremlin estão se reerguendo das cinzas do passado (isso será tema de um próximo artigo). Enquanto isso, a União Européia tenta alargar suas fronteiras e mercados, e a OTAN, atavicamente, continua a cercar a Rússia.

Saakashvili, o “Farol da Liberdade” de Bush, logo revelou-se adepto de métodos tirânicos. Eleito em 2008 para um mandato que vai até 2013, embalou-se no sonho de sua “Grande Geórgia”, e provavelmente com o sonho/desejo de que a OTAN viesse em seu socorro, invadiu o território da Osséssia do Sul, vista como uma “província rebelde” em relação ao seu país. Acontece que o Osséssia do Sul tornara-se uma espécie de protetorado russo, por sua vizinhança com a Osséssia do Norte, em território do Kremlin. Putin estava em Pequim, para a abertura dos jogos olímpicos do anos poassado. Realizou uma reunião de meia hora com Bush, que também estava lá, onde deve ter dito cobras e lagartos ao então presidente norte-americano (basicamente, deve ter dito: “nós vamos resolver isso do nosso modo, vocês podem espernear e protestar, mas não se metam, pois a coisa foi longe demais”). Depois, tocou-se para o lugar das operações, de onde comandou uma ofensiva dos blindados russos que varreu do mapa as tropas de Saakashvili que, aliás, foram acusadas de várias atrocidades em jornais da própria Europa.

Para completar esse quadro de desastre, a Geórgia é um dos países que vem sendo dos mais afetados pela recente crise de origem no sistema financeiro norte-americano. Resultado: as oposições, de vários tipos, que permaneciam divididas, estão em maré montante contra o presidente, cuja fama de “déspota não esclarecido” faz fortuna. Analistas políticos de dentro e de fora da Geórgia dizem que Saakashvili não vai renunciar, mas que provavelmente não terá condições políticas de permanecer no poder até o fim de seu mandato, o que vai reabrir a “questão geórgica” para norte-americanos, europeus e russos.

Alguns países mais a oeste, a pequena Moldávia passava também neste começo de abril por acontecimentos dramáticos. A Moldávia, espremida entre a Romênia e a Ucrânia, é uma pequena ilha “comunista” neste encapelado mar “capitalista”. Tudo entre aspas, porque o comunismo, como regime social, desapareceu; mas o antigo Partido Comunista, liderado por Vladimir Voronin, permanece no poder, e com apoio dos russos. Essa permanência foi confirmada no dia 7 de abril, em eleições em que Voronin obteve uma vitória apertada para a ocupação das cadeiras no parlamento (61 a 60). As oposições não se conformaram, e chamaram protestos na capital Chisinau contra o governo, alegando fraude nas eleições. Os protestos, de início pacíficos, viraram pancadaria, quando grupos bem organizados ocuparam e aparentemente saquearam o prédio do parlamento, o escritório da presidência e outros prédios governamentais.

Uma coisa chama a atenção: a participação de jovens nos protestos é muito grande. Para eles uma derrota de Voronin significaria uma aproximação maior com a União Européia e suas perspectivas de um possível capitalismo afluente. A Moldávia é o país mais pobre da Europa; tem mais ou menos 3,5 milhões de habitantes, dos quais 800 mil reivindicam a cidadania romena. Comentaristas pró-Ocidente se referem à Moldávia de Voronin como uma “república de aposentados”. Outros, mais agressivos, falam de uma “república de desdentados”. Entretanto o clima desses comentários era uma situação anterior que hoje não existe mais, qual seja, a de um capitalismo rutilante que oferecia paetês e lantejoulas para populações desiludidas com a falta de democracia e de perspectivas do finado comunismo.

Hoje, pelo contrário, o que o capitalismo vizinho oferece são as “noites de terror” em que milhares de pessoas dormem com um emprego e acordam desempregadas, o que só complica mais o caldo de cultura desse imbróglio em que se misturam ambições territoriais de “grandes pequenos países” às desilusões e esperanças muitas vezes enraivecidas com ambos os regimes, o comunista e o capitalista.

O caso complicou-se mais ainda porque, segundo o próprio governo moldavo, alguns dos manifestantes levavam bandeiras romenas. A vizinha Romênia já teve posse de grande parte do território moldavo entre 1918 e 1940, que fazia parte do sonho da “Grande Romênia”, buscado pela então monarquia vigente. Além das disputas de fronteira, há cicatrizes históricas consideráveis: o governo da Romênia alinhou-se com os nazistas durante a guerra, e o exército romeno promoveu seus próprios “progroms” na vizinha Moldávia, contra judeus e contra comunistas, ciganos e outros grupos “indesejáveis”. A re-anexação da Moldávia à Romênia significaria uma entrada imediata na União Européia, uma vez que esta já faz parte do condomínio com sede política em Bruxelas.

Voronin acusou a Romênia de patrocinar os protestos, fechou a fronteira com o vizinho, expulsou o embaixador, e prometeu endurecer a política de vistos de entrada para romenos.

Por sua vez a Rússia, que no começo do ano “enquadrou” o rebelde governo da Ucrânia através do “lockout” do fornecimento de gás durante o inverno (sem falar que mais ou menos 30% do gás utilizado na Europa vem da Rússia através de gasodutos em território ucraniano), promete sustentar o governo de Voronin; ao mesmo tempo, a União Européia tem prevista uma reunião para 7 de maio, em Praga, para a qual estão convidadas, além da Moldávia e da Romênia, a Ucrânia, a Bielo-Rússia, a Armênia, o Azerbaijão e a Geórgia (ainda) de Saakashvili, um caldo efervescente que pode entornar a sopa.

Fonte: Carta Maior

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