terça-feira, 7 de abril de 2009

Palavras em guerra:Verdade sobre genocídio armênio

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por Christopher Hitchens
Do The New York Times

PRECISAMOS RESISTIR À PRESSÃO TURCA DE DISTORCER A HISTÓRIA.

Mesmo antes de o presidente Barack Obama partir para a sua visita à Turquia esta semana, emergiram, como de costume, as vozes que o impeliam a diluir a posição firme que ele vem assumindo sobre o genocídio armênio. Abril é o mês no qual a Diáspora Armênia comemora o início sangrento, em 1915, da campanha do Império Otomano para exterminar sua população armênia. A ocasião deste aniversário tem dois lados: O Dia da Memória Armênia, em 24 de abril, e a tentativa anual de persuadir o congresso a nomear aquele dia de forma a abandonar eufemismos e chamar o episódio pelo nome correto, que é a palavra que eu utilizei acima.

A palavra "genocídio" não havia sido inventada em 1915, mas o embaixador americano na Constantinopla, Henry Morgenthau, empregou um termo que era, de certa forma, ainda mais explícito. Em seus relatórios urgentes para o Departamento de Estado, trazendo a experiência in loco de seus cônsules, especialmente nas províncias de Va e Harput, ele descreveu a matança sistemática dos armênios como sendo um "assassinato racial".

Existe um vasto arquivo de provas que comprovam sua afirmação. Mas todos os anos, os que negam e são a favor de eufemismos voltam a atuar e não falta apoio militar-industrial para pesar na balança, a favor do cliente turco. (Em tempo, a aliança militar oportunista da Turquia com Israel fez bem a alguns votos judeus envergonhados também.)

O presidente Obama aborda a questão com um raro tom de clareza e nitidez. Em 2006, por exemplo, o embaixador dos Estados Unidos na Armênia, John Evans, foi repreendido por usar a palavra genocídio. O então senador Obama escreveu uma carta de reclamação para a então secretária de estado Condoleezza Rice, desprezando a covardia do Departamento de Estado e dizendo claramente que "a ocorrência de um genocídio armênio em 1925 não é uma 'alegação', ou uma 'opinião pessoal' ou mesmo um 'ponto de vista'", mas sim "um fato amplamente documentado" baseado numa "quantidade impressionante de provas históricas". Durante sua campanha no ano passado, ele reafirmou esta posição, dizendo que "os Estados Unidos merecem um líder que fala a verdade sobre o genocídio armênio e reage de forma veemente a todos os genocídios. Eu pretendo ser este presidente."

Para aqueles que duvidam desta afirmação, eu recomendo dois livros recentes de relevância e qualidade excepcionais que acrescentam bastante profundidade e textura a este drama. O primeiro é "Armenian Golgotha: A Memoir of the Armenian Genocide," (O Gólgota Armênio: A Lembrança de um Genocídio) de Grigoris Balakian, e o Segundo é "Rebel Land: Travels Among Turkey's Forgotten Peoples," (Terra Rebelde: Viagens Entre os Povos Esquecidos da Turquia", um depoimento contemporâneo de Christopher de Bellaigue.

Além disso, acabamos de ficar sabendo das chocantes provas corroborantes contidas nos arquivos do Estado turco. O político otomano que começou a campanha de deportação e extermínio, Talat Pasha, deixou todos os seus atos documentados. Sua família entregou os papéis a um autor turco chamado Murat Bardakci, que publicou um livro com o título insípido de "The Remaining Documents of Talat Pasha" (Os Documentos Remanescentes de Talat Pasha). Um desses "documentos remanescentes" é uma estimativa de que entre os anos de 1915 e 1916 apenas, um total de 972.000 armênios simplesmente desapareceram dos registros oficiais da população. (Veja o artigo de Sabrina Tavernise no New York Times de 8 de março de 2009.)

Há aqueles que dizem que a catástrofe armênia é um resultado lamentável dos resquícios da guerra e do colapso imperial, o que pode ser parcialmente verdade também para o número muito maior de armênios mortos no final da guerra e depois da implosão do Otomanismo. Mas este é um registro mantido pelo governo da época e seu líder político anti-armênio, e eles documentam, desde os primeiros dias da Primeira Guerra Mundial, um declínio na população de 1.256.000 para 284.157. É muito raro que um regime confirme em sua correspondência interna seu número de vítimas beirando a exatidão.

Então o que dirão agora aqueles que negam o genocídio? Costuma-se insinuar que se o congresso votar para garantir a veracidade da história, então a Turquia dificultará o trabalho da OTAN, causando problemas na fronteira do Iraque, negando o uso de suas bases para a Força Aérea norte-americana ou de outras formas.

Este mesmo tipo de arrogância irrefreada pode ser vista na reunião da OTAN no último final de semana, em que o governo de Ancara teve o desplante de tentar vetar a indicação de um político dinamarquês sério, Anders Rasmussen, para secretário-geral da aliança, dizendo que quando era primeiro ministro da Dinamarca ele havia se recusado a censurar os jornais dinamarqueses em prol dos muçulmanos! Dizem agora que se o presidente Obama ou o congresso forem adiante com a questão do genocídio, a Turquia retirará sua colaboração em várias questões, incluindo a normalização da fronteira entre a Turquia e a Armênia e o trânsito de petróleo e linhas de gás pelo Cáucaso.

Quando a questão é colocada desta forma ameaçadora, pode-se entender que os melhores interesses da Armênia serão satisfeitos apenas através de acordos obscuros e da distorção de sua própria história. E como poderia um estado ou um povo concordar em abandonar seu orgulho e dignidade desse jeito? E a pergunta não é apenas para os armênios, que são pressionados economicamente pelos turcos, que ameaçam fechar sua fronteira comum. É para os turcos, cujos mais corajosos representes culturais e escritores assumem sérios riscos ao quebrar o tabu de discutir a questão armênia.

É também uma pergunta para os americanos, que, tendo elegido um presidente supostamente corajoso, estão ouvindo que ele - e seu congresso também - deve concordar em perpetuar esta mentira histórica monstruosa. Uma mentira, inclusive, que a própria diplomacia norte-americana ajudou a expor. Esta falsificação já foi longe demais e foi justificada por razões políticas. É por isso, e entre outras coisas, principalmente "pelas razões políticas" - em outras palavras, para dizer em alto e bom som que não podemos ser comprados ou intimidados - que o dia 24 de abril de 2009 deve ser lembrado como a data em que nós afirmamos a verdade e realmente aceitamos todas as consequências.

Christopher Hitchens é jornalista, escritor e colunista de Vanity Fair e Slate Magazine. É autor do livro "Deus não é Grande: como a religião envenena tudo". Artigo distribuído pelo The New York Times Syndicate.

Fonte: Terra Magazine

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