quarta-feira, 8 de abril de 2009

Olhe para Brasília, não para Pequim

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por Bruce Gilley*, no Wall Street Journal Asia

Ameaças à ordem liberal global são normalmente identificadas com estados não-liberais. É por isso que a China, com seu regime doméstico repressivo e sua política externa maleável (a não ser quando relacionada com os Estados Unidos) atrai tanta atenção nos dias atuais.

Mas um desafio mais determinado à atual ordem mundial pode estar emergindo de um supreendente trio de países que têm credenciais democráticas ao mesmo tempo impecáveis e um sério peso global. Eles são a Índia, o Brasil e a África do Sul -- e sua pouco notada experiência em coordenação de política externa desde 2003. Ela visa promover mudanças sutis mas profundas no sistema internacional com potencial para deixar o medo da ascensão da China na poeira da história.

A quase-aliança desses três poderes tem sérias implicações para o sistema internacional e seu maior gerenciador, os Estados Unidos, dependendo de como esse desafio é enfrentado. Mas uma implicação igualmente importante, ainda que não planejada, é a sabotagem das ambições chinesas. Ao roubar da China o discurso de que representa os países em desenvolvimento, esse novo trio poderia suplantar a China nos debates de questões internacionais. Isso pode ser boa notícia para a reforma doméstica na China, que faz tempo é boicotada pela ambições de grande potência do país.

A origem do Forum de Diálogo India-Brasil-África do Sul se deu na busca da África do Sul por novos aliados mais identificados com seus interesses e idéias depois do fim do apartheid em 1994. O ímpeto imediato veio do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que sugeriu um esquema formal de cooperação no início de 2003. Em junho daquele ano, os ministros de relações exteriores dos três países inauguraram o grupo em Brasília, pedindo o fortalecimento de instituições internacionais para tratar de preocupações dos países em desenvolvimento em áreas como pobreza, meio ambiente e tecnologia. Desde então, de acordo com Sarah-Lea John de Sousa, do Instituto Fride, de Madrid, o trio tem conquistado apoio como "porta-voz dos países em desenvolvimento em âmbito global".

O Forum marcou presença ao convencer um grupo de 21 paises em desenvolvimento a bloquear o acordo na cúpula da Organização Internacional do Comércio em Cancún por conta dos subsídios agrícolas dos países ricos. Também fez um lobby bem sucedido por mudanças nas regras da OMC sobre a produção da versão genérica de drogas contra a AIDS, a malária e a tuberculose. Mas foi além das questões de comércio para assumir posições em relação a questões de segurança internacional e reforma institucional. Além de tratar de comércio, energia e projetos de desenvolvimento, o Forum divulgou posições conjuntas sobre tudo, da reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas ao processo, na Corte Internacional Criminal, contra o presidente sudanês Omar Hassan Al-Bashir.

O grupo também superou divergências sobre intervenção humanitária, direitos humanos e não-proliferação nuclear para falar com uma só voz. "Embora concebido como forum de diálogo, o grupo está rapidamente se transformando em uma parceria estratégica", escreveu Arvind Gupta, do Instituto para Estudos e Análises de Defesa da Índia em um relatório de setembro de 2008.

A China relutantemente se juntou à coalizão de Cancún. Mas desde então permaneceu fora do grupo, observando. Por três razões principais, deve manter essa posição.

Primeiro, a China é membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o que a coloca em rota de colisão com as aspirações do Forum de expandir o conselho para refletir a posição dos países pobres. Brasil e Índia são explícitos na disputa por assentos permanentes, enquanto a África do Sul, que sob as regras da União Africana não pode disputar um lugar permanente, buscou e conseguiu um assento não-permanente pela primeira vez em 2007. A China, que fica entre sua retórica de pedir a democratização das decisões internacionais e a realidade de que sairia perdedora nesse processo, decidiu cuidar de seus próprios interesses, em detrimento de sua pretensão de representar os mal lavados.

A China também difere da visão do Forum em termos da globalização. A declaração de Brasília alertou que "grande parte do mundo não se beneficiou da globalização" e pediu mudanças para manter maior poder econômico e de regulamentação nas mãos dos estados. Mas os líderes de Beijing se enxergam como beneficiários da globalização e desprezam a idéia de abraçar os chiliques esquerdistas contra o "neoliberalismo". Críticas ao mercado são uma questão delicada na China, onde um movimento neo-maoista as usa para atacar o regime. Ainda assim, a China poderia mudar sua posição sobre a reforma do Conselho de Segurança da ONU e a globalização no interesse da solidariedade entre os países em desenvolvimento (e no seu interesse de liderar o movimento).

A terceira razão não tem a ver com o Forum e o Forum não tem como mudar isso: a China não é uma democracia. Os membros do Forum notam que são "democracias vibrantes" e Daniel Flemes, do Instituto para Estudos Globais e Regionais de Hamburgo, na Alemanha, notou em um documento de 2007 que "a identidade comum do Forum é baseada em valores como democracia, liberdades individuais e direitos humanos". Direitos humanos, sociedade civil e empoderamento social são centrais ao capital moral do grupo.

Jornais indianos anunciaram que o Irã e o Egito se mostraram interessados em entrar no grupo mas foram rejeitados, possivelmente porque os líderes do Forum sabem que a legitimidade internacional deles depende de suas credenciais democráticas. O candidato mais lógico para admissão, se o grupo expandir, é a Indonésia, outro país pobre, populoso e democrático. Somados ao Japão e seu renovado papel internacional, isso também roubaria da China o papel de representante da Ásia.

A democracia não é apenas uma das exigências do Forum; é um dos motivos para sua existência. O grupo não é uma aliança de segurança -- afinal, o Brasil e a África do Sul são críticos duros do programa nuclear da Índia. Na verdade, o Forum busca usar seus ideais democráticos para efetivamente redesenhar as Nações Unidas e outras instituições internacionais para servir melhor aos países pobres. De forma estranha, o Forum é uma comunidade de democracias do inferno -- um grupo de países com credenciais democráticas impecáveis que estão usando sua identidade comum para desafiar em vez de apoiar os interesses dos Estados Unidos.

Estudiosos de relações internacionais chamam isso de "balanceamento suave" porque, em vez de confrontar os Estados Unidos, esses países estão tentando conter e reorientar Washington. A razão pela qual isso pode funcionar é que, como democracias, esses países têm estatura moral no mundo para conquistar seus objetivos. Diplomatas indianos e brasileiros, em particular, estão entre os melhores do mundo e podem fazer avançar os interesses do Forum porque têm ideais comuns.

Onde isso deixa a China? Provavelmente considerando porque mais um século que deveria ser dela não será. Isso pode ser uma boa notícia para os reformadores domésticos na China. Eles podem argumentar que a democracia é uma pré-condição à respeitabilidade internacional. Os líderes do Forum vão se encontrar de novo no Brasil em outubro. Aqueles que acompanham as mudanças em eventos internacionais deveriam cancelar suas viagens a Pequim e tomar providências para estar no Brasil.

*Mr. Gilley é professor de Ciência Política na escola de governo da Universidade Estadual de Portland e co-editor com Larry Diamond de "Political Change in China: Comparisons With Taiwan" (Lynne Rienner, 2008).

** Tradução meia-boca deste site Vi o Mundo.

O original, em inglês, está aqui


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